O SACRAMENTO DA UNÇÃO DOS ENFERMOS


 O segundo sacramento de cura, por sua vez, é o sacramento da Unção dos Enfermos, também denominado de Extrema Unção. É claro que após o Vaticano II, a terminologia Unção dos Enfermos corresponde melhor ao que o sacramento se destina. Mas vale lembrar que a Igreja não exclui a terminologia de Extrema Unção. Isto fica bem expresso na Constituição Sacrosanctum Concilium: “A ‘extrema-unção’, que também pode ser chamada de ‘unção dos enfermos’ não é um sacramento dos que estão no fim da vida” (SC 73).
Com este sacramento, vemos o agir da Igreja manifestando as ações de Cristo que sempre curou a alma dos que o buscavam, através do perdão dos pecados, assim como a cura física. Interessante que ambas as ações muitas vezes estavam intrinsecamente ligadas, “pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder de perdoar pecados na terra, eu te ordeno – disse ele ao paralítico – levanta-te, toma o teu leito e vai para a tua casa” (Mc 2,10-11).
No contexto cotidiano da nossa vida, “as dores e as enfermidades sempre foram consideradas como os
maiores problemas que afligem a consciência dos homens” (SACRAMENTÁRIO, 2005, p. 99). Neste sentido, a Madre Igreja cuida de seus filhos com amor e carinho, levando alento e socorro em todos os momentos da vida dos fiéis, e o Sacramento da Unção dos Enfermos ganha um espaço fundamental neste cuidado que a Igreja tem com os doentes.

Desenvolvimento do Sacramento da Unção dos Enfermos

Quando o assunto é extrema unção ou unção dos enfermos, temos um breve, mas importante relato histórico para apresentar. Como ocorreu com a penitência, a Unção dos Enfermos também é um sacramento que não aparece explicitamente na vida litúrgica das comunidades primitivas, isto não quer dizer que não tenha sido realizado. O que podemos conhecer no período nascente do cristianismo são relatos que demonstram uma ação eclesial com elementos próximos do que entendemos ser o Sacramento da Unção dos Enfermos hoje. Para facilitar nosso estudo, dividiremos esta etapa histórica em três partes.

Os Antecedentes Dogmáticos da Unção dos Enfermos

Para início de conversa, faz-se mister ressaltar que a prática de ungir os doentes e moribundos era muito frequente e consta nos relatos históricos desde os primórdios da Igreja. Desde muito cedo, já se encontram relatos de bispos e padres realizando visitas pastorais aos enfermos de sua comunidade.
Nestes relatos a presença de um óleo consagrado pelo bispo já se fazia presente. Porém, as imprecisões históricas e a falta de detalhes desses procedimentos, coloca-nos em uma situação um pouco complicada para definir com maior clareza o sacramento da Unção dos Enfermos. Diante disto, é importante mencionar que esta ausência de relatos mais específicos de forma alguma impede de proclamarmos verdadeiramente a Unção dos Enfermos como sacramento. O modo como eram as orações, a prática pastoral da unção, não são claras. Também se pode perceber em alguns momentos que o bispo unge; em outros o óleo é entregue para que os fiéis levem aos doentes; e em outros relatos, o próprio enfermo unge-se. Estas são algumas das incertezas litúrgicas, mas a evidência de uma presença ritual com óleo para a cura dos enfermos que, ora tem valor físico, ora tem valor espiritual é inegável no seio da comunidade cristã.

 






Este texto antigo servirá de “pontapé inicial” para o estudo teológico do sacramento. E como ficou evidenciado, tanto o bispo como os fiéis utilizam o óleo, não sendo assim, um uso exclusivamente eclesiástico. Mas, um fator importante para a mudança na concepção deste sacramento está ligado ao Sacramento da Penitência, e influenciará o deslocamento da aplicação do óleo do momento da enfermidade para o momento da morte. Acompanhe no próximo tópico.

O Desenvolvimento para a Extrema-Unção

O deslocamento que acabamos de mencionar sobre o momento da aplicação do óleo inicia-se no século VIII. Este deslocamento do momento da enfermidade para o final da vida trará uma nova ênfase teológica para o Sacramento. Mas, o que faz com que haja este deslocamento na prática da unção?


E aí temos então, um motivo bastante importante para um movimento na concepção teológica e na prática pastoral da Igreja. O que outrora apareciacomo uma visão de cura da enfermidade, agora ganha um enfoque única e exclusivamente de preparação para a morte, fazendo com que a Unção esteja interligada de modo muito direto à Penitência, pois a mesma torna-se a perfeição do rito penitencial.
Nesta nova forma de conceber a Unção, como Extrema-Unção, o sacramento passa a ser exclusivamente administrado pelos sacerdotes, saindo assim, a possibilidade da administração por meio dos fiéis, como era anteriormente.
No começo da Idade Média o sacramento era conhecido como óleo dos enfermos, posteriormente Pedro Lombardo, que falece em 1160, isto é, no século XII, introduziu uma fórmula da unção dos enfermos realizada no fim. Esta gradativa alteração no nome do sacramento atinge seu ápice com Santo Tomás de Aquino que o chama de extrema-unção. Esta denominação vigora absoluta até o Concílio Vaticano II (Cf. SCHNEIDER, 2001, p. 305).

Da Extrema-Unção à Unção dos Enfermos

O resgate da terminologia da Unção dos Enfermos acontece então no século XX, de modo mais específico, com o Concílio Vaticano II. Obviamente, não é o Concílio que promove este retorno às fontes, mas ele legitima uma tendência pré-conciliar muito forte. Com um resgate dos testemunhos bíblicos, e um retorno aos escritos da Igreja Primitiva, viu-se a necessidade de retomar uma visão importante e esquecida do sacramento, isto é, a cura do corpo e da alma do fiel. A marca de extrema-unção é tão profunda, que quando um enfermo via o sacerdote, ou mesmo um dos familiares ouvia dizer que era preciso chamar o padre, muitos com medo associavam a vinda do sacerdote à morte. Esta associação do sacramento à morte é que deve ser superada. E o Concílio Vaticano II consegue muito bem capturar a grandiosidade do sacramento sem perder nenhuma dimensão do mesmo. Na visão conciliar, então, ficam evidenciadas ambas as partes, a unção e a extrema-unção. Pois, pode servir de cura do corpo e da alma, como pode ser uma cura da alma para preparar o enfermo para o descanso eterno. Desta forma, o sacramento validamente pode ser chamado de Unção dos Enfermos ou também de extrema-unção.
Obviamente, que o enfoque de Unção dos Enfermos, na maioria dos casos, é o melhor a se conceber.

Fundamentação Bíblica

A temática da enfermidade na Bíblia é vasta. Muitas perícopes das Sagradas Escrituras tocam este tema, porém, a concepção Bíblica da enfermidade vai sendo gradualmente desenvolvida, saindo de um puro castigo divino, para uma reflexão mais profunda, nos Mistérios de Jesus Cristo. O que não podemos deixar de lado é a reflexão sobre a ligação que há entre doença e pecado. Nos textos do Antigo Testamento temos muitos fundamentos para isto, o principal é que: “Visto que Deus criou o homem para a felicidade (cf. Gn 2) e a doença é contrária a essa finalidade da criação, ela, a exemplo da morte e dos outros sofrimentos humanos, é considerada como consequência do pecado original (cf. Gn 3,16-19)” (ROCCHETTA, 1991, p. 364).
Contudo, não podemos só olhar a doença como consequência do pecado, uma vez que na própria tradição bíblica vemos o justo ser afligido pela enfermidade e isto pode ser observado na narrativa da vida de Jó (cf. ROCCHETTA, 1991, p. 364). Olhando para Jesus podemos dizer que: “Cristo alivia e confere novo significado, especificamente redentor, à doença e à própria morte” (ROCCHETTA, 1991, p. 364). Suas ações são bem caracterizadas em todos os escritos evangélicos como em Lc 5,18-20; Jo 5,14; 9,35-37; Mc 3,10, etc. Para a fundamentação bíblica do sacramento de modo mais específico encontramos o texto de São Tiago: “Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da
Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o porá de pé; e, se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados” (Tg 5,14-15).
Lendo esta passagem, podemos encontrar elementos essenciais para entender o sacramento. Embora devemos deixar claro que esta passagem possui o conteúdo essencial, mas não é ainda claramente perceptível a instituição litúrgica do sacramento na comunidade primitiva.

Fundamentação Doutrinal

É importante que ressaltemos que o cristianismo, isto é, tanto a Igreja Ocidental como Oriental, entendem que a unção dos enfermos e das pessoas idosas é verdadeiramente um sacramento. Fazemos esta afirmação, pois, o Concílio de Trento ressaltará isto em relação ao sacramento da Unção dos Enfermos bem como os demais sacramentos.
Ao afirmar que o Sacramento da Unção é verdadeiramente um sacramento, os Padres Conciliares reconhecem a instituição divina do sacramento. Entendemos assim, que a origem em Jesus Cristo é conditio sine qua non para esta concepção. Embora, como já afirmamos, o sacramento não apresente uma instituição histórica
por parte de Jesus. Assim sendo, não há uma fundamentação bíblica explícita do mesmo, a vontade de curar e salvar as almas, o alento e atenção aos enfermos, a oração e presença de Cristo com os doentes são suficientes para uma instituição em Cristo deste sacramento, dizemos que ao longo da história eclesiástica o sacramento passou de um implícito vivido para o explícito sacramental. Este movimento de forma alguma prejudica a instituição em Jesus Cristo deste sacramento. Desta forma, a concepção atual na teologia sacramental sobre a Unção dos Enfermos é expressa de forma clara e direta nos escritos da Lumen Gentium: “Pela santa unção dos enfermos e a oração dos sacerdotes, toda a Igreja encomenda os doentes ao Senhor, que sofreu e foi glorificado, para que ele os alivie e salve, e exorta-os a unirem-se livremente à paixão e morte de Cristo e a contribuírem assim para o bem do povo de Deus”
(LG 11).

Eficácia

A Unção dos Enfermos, como todos os outros sacramentos, produz na vida de quem o recebe muitos efeitos. O Catecismo da Igreja objetivamente nos diz as graças deste sacramento:

Ministro



Como vimos, historicamente, o ministro da Unçãodos Enfermos, nem sempre foi eclesiástico, os leigos já aplicaram o sagrado óleo em seus enfermos, e até mesmo o próprio enfermo já utilizou nele mesmo o óleo consagrado pelo bispo. Porém, com o passar dos tempos, e a evolução teológica dos sacramentos, a história sacramental vai caminhando para uma perfeição gradativa. Diante disto, hoje vigora a seguinte norma: os ministros válidos do sacramento da Unção dos Enfermos são os bispos e os presbíteros. O motivo principal para restringir a administração do sacramento aos bispos e sacerdotes, é sua estreita ligação com o perdão dos pecados, ligados à confissão (cf. ROCCHETTA, 1991, p. 368 e CAT 1516).
Pertinente neste tópico levantar dois aspectos.

  •  Primeiro, note que os ministros são os padres e os bispos. Não são os diáconos! Em muitas comunidades eclesiais os diáconos administram o Sacramento da Unção dos Enfermos. Totalmente descabido de qualquer fundamento litúrgico e canônico.
  • O Segundo aspecto é uma questão de questionamento doutrinal. Se o Batismo apaga os pegados, e os leigos podem ministrar, por que a Unção não pode ser administrada por leigos? Obviamente não aprofundaremos a resposta aqui, que serve de uma boa pesquisa para seus estudos. Mas como vimos, historicamente, a Unção tornou-se um desdobramento do Sacramento da Penitência, estando em íntima ligação com o mesmo. Como somente o sacerdote pode ouvir as confissões, assim também a Unção dos Enfermos estaria unida a estes ministros.
 Rito

O sinal é o óleo de oliveira ou outro óleo extraído de plantas realizando junto com a fórmula: “Por esta unção e pela infinita misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve na sua bondade, aliviando os teus sofrimentos” (SACRAMENTÁRIO, 2005, p. 103). O óleo é utilizado na fronte e nas mãos do enfermo. 

 Sinais e Símbolos

Como vimos acima, os sinais do sacramento da Unção dos Enfermos estão na matéria o óleo de oliva ou de outra planta, e a forma é a unção na fronte e mãos rezando a fórmula já expressa anteriormente. Esses são os sinais do sacramento (cf. ROCCHETTA, 1991, p. 268).

Fontes: BELLOSO, Josep M. Rovira. Os Sacramentos: símbolos do Espírito Santo. São Paulo:
Paulinas, 2005.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2008.
COMPÊNDIO VATICANO II. São Paulo: Paulus, 1997.
MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulinas, 1983.
MISSAL ROMANO. São Paulo: Paulus, 2003.
ROCCHETTA, Carlos. Os Sacramentos da Fé. São Paulo: Paulinas, 1991.
SACRAMENTÁRIO. São Paulo: Paulus, 2005.
SCHNEIDER, Theodor. Manual de Dogmática. Vol II. Petrópolis: Vozes, 2012.
SESBOÜE, Bernard. Os Sinais da Salvação. São Paulo: Loyola, 2005.

Fernando Vanini de Maria.

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