JOÃO BATISTA E O BATISMO NAS ÁGUAS

 




O Batismo e a Eucaristia são tidos como os principais sacramentos, chamados de sacramenta maiora. O Sacramento do Batismo sempre foi citado como o primeiro sacramento, desde que surgiu uma sistematização da doutrina sacramental. É por intermédio dele que somos inseridos no Corpo Místico de Cristo, que é uma Igreja, somos adotados como Filhos amados de Deus, livres do pecado original. A palavra batismo provém do grego baptizein, baptisma que significa imersão, mergulho. O batismo não começa no Novo Testamento. Desde os tempos mais remotos, a prática de batizar, de diversos modos, fazem parte de inumeras religiões. A iniciação de individuos em grupos sociais ou religiosos são uma constante na história da sociedade e da religião.

A história das religiões conhece processos de socialização religiosa e ética, isto é, a admissão na comunhão mais íntima da tribo, da iniciação em um novo status, do amadurecimento do indivíduo e do encontro com a divindade, que, em grande parte, revelam traços comum: separação dos contextos de vida atuais, tempo da transição que se diferencia por perigos e sofrimentos, mas também pelo aprendizado de palavras importantes e a introdução em práticas de vida do grupo socializador, por fim, admissão à comunhão, na qual começa uma nova vida , mudada. Nesse processo estão entretecidos exercícios práticos e ritos simbólicos. Com vistas ao aspecto da introdução, historiadores da religião falam de “ritos de iniciação”; com vistas ao aspecto da transição, falam de “ritos de passagem” (SCHNEIDER, 2012, p. 206. Vol II).

                                                                                                                                              Os Fundamentos Bíblicos do Batismo no Antigo Testamento O Santo Batismo é um dos sacramentos mais bem fundados biblicamente falando. Já nos textos veterotestamentários percebemos prefigurações deste sacramento. Em nosso estudo vamos recorrer a algumas passagens do Antigo Testamento que são centrais para o Batismo. Analisaremos a primeira parte da oração sobre a água realizada pelo ministro no batismo.

Acompanhe a oração:

Ó Deus, pelos sinais chamados dos sacramentos realizais maravilhas invisíveis. Ao longo da história da salvação vós vos servistes da água para fazer-nos conhecer a graça do batismo. Já na origem do mundo vosso espírito pairava sobre as águas para que elas concebessem a força de santificar. Nas águas do dilúvio, prefigurastes o nascimento da nova humanidade, de modo que a mesma água sepultasse os vícios e fizesse nascer a santidade. Concedestes aos filhos de Abraão atravessar o mar Vermelho a pé enxuto para que, livres da escravidão, prefigurassem o povo nascido do batismo. [...] (SACRAMENTÁRIO, 2005, p. 26)


Esta parte da oração, que é o seu início, nos apresenta três passagens bíblicas muito importantes para nosso aprofundamento nos fundamentos do Batismo no Antigo Testamento. A primeira passagem é Gn 1,2: “Ora, a terra estava vazia e vaga, como trevas cobriam o abismo, e um sopro de Deus agitava a superfície das águas”. Quando lemos esta passagem no primeiro livro da Bíblia, podemos determinar em vários pontos que são ensinados. Note que, ao lermos o texto, a Bíblia de Jerusalém, mais fiel ao texto hebraico, usa a expressão “sopro de Deus”, uma tradução muito boa para o Ruah. Com isto, podemos perceber que é sobre este caos aquoso, que o sopro, o vento, o Espírito de Deus começa a agir. O Oceano dos Primórdios, ou as águas primordiais, como são denominadas as águas onde o Espírito paira, Precisa ser “aproveitado” para o início da criação. (BERGANT e KARRIS, 1999, p. 57). Aqui temos o fulcro de nossa leitura batismal. Deus quis precisar da água, quis iniciar a criação pela água, a água sinal do caos, é também sinal de vida. Pensando neste sentindo, não haveria um elemento significativo melhor para o Batismo que a água (caos - criação / morte - vida / morte - ressurreição). Continuando nesta perspectiva, encontramos a segunda passagem que queremos utilizar como fundamento do Batismo no Antigo Testamento. Como nos mostra a oração baseada acima, uma passagem do dilúvio (Gn 6-9) também é uma prefigura do nosso Batismo.

Para dar continuidade ao nosso estudo, precisamos levar em conta que a passagem do relato do dilúvio está embebido de duas tradições diferentes. O que fica muito interessante em nosso estudo é a constatação dos biblistas Diannne e Robert:

  Reversão ao caos primevo. No relato sacerdotal, o Dilúvio não é disparo pela chuva, mas pelo encontro das águas que estão acima do céu com as que estão abaixo da terra. Em outras palavras, o mundo volta ao caos aquoso que existia antes da criação (Gn 1,2). A extensão do Dilúvio é maior no relato sacerdotal, pois provoca a destruição de todo o cosmo e a reversão ao caos primevo. (BERGANT e KARRIS, 1999, p. 66)

                                                                  

Mais uma vez o enfoque de uma vida nova, nascida em meio ao caos das águas, preservada no seio da Arca, que será a prefiguração da Igreja, volta a ser o enfoque dos textos veterotestamentários. Assim, desta forma, o dilúvio quer ser a restauração através das águas, após o caos, renasce uma nova humanidade, isto é, após a imersão da criação nas águas do dilúvio (morte), nascerá a humanidade renovada (vida). É esta tensão entre morte e vida que traz o sentido da água, que tem tudo a ver com o Batismo, que é morte, mas também ressurreição. A antítese morte e vida é passagens centrais e, também é central no sentido espiritual do Sacramento do Batismo. Não acaba por aqui a nossa análise, ainda temos que recorrer à grande passagem batismal, uma passagem batismal por excelência, que tem um sentido tão profundo, que no sábado santo durante a vigília, ganha um destaque todo especial entre a Liturgia da Palavra do Antigo Testamento. É a passagem do Mar Vermelho, em Êxodo 14. 

Com certeza o relato da Passagem do Mar Vermelho é cheio de detalhes e demanda um aprofundamento de todos os sinais de riquezas redacionais. Perceba que a água é um local de vida e de morte, é passando pelo Mar que se vive, porém, também é morte para os egípcios, olhando de outra forma, vemos a morte para a escravidão, deixa-se a vida de opressão no Egito, e nasce uma nova vida em busca da terra prometida.

“A tradição cristã considera este milagre como uma figura de salvação, e especialmente do batismo” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2008, p. 122). Esta ligação com o Batismo será tão forte que leva São Paulo a escrever: “Não quero que ignoreis, irmãos, que os nossos pais estiveram todos sob a nuvem, todos atravessaram o mar e, na nuvem e no mar, todos foram batizados em Moisés . ”(1 Cor 10,1-2). Disto tudo que até aqui vimos sobre a água e sua ligação direta com o Batismo, de acordo com as passagens do Antigo Testamento, podemos perceber que:

  •  A experiência do caos provém da água. A água em muitas passagens, inclusive nas que vimos, é símbolo do caos, da morte. É um elemento que ameaça a vida. Assim, poderemos encontrar em muitas passagens, monstros marinhos, a água se torna imagem de angústia para os mortais, uma expressão: “o mar já não existirá mais” são usados nas passagens bíblicas com este sentido de caos, de falta de vida, de morte.
  •  De modo antagônico, aparece a água como fonte de vida. É sabido, de que estudamos como civilizações no Ensino Médio, que os rios são de grande importância para as civilizações. Principalmente os povos à beira do deserto sabem que a água é fundamental. O rio Nilo é uma prova disto. Para os egípcios o rio Nilo é um grande presente de Deus, pois graças a ele, a vida pode permanecer em meio ao deserto. E não só isto, a água que sai da Rocha que sacia o povo no deserto também é um belo sinal da força vitalizadora da água. O rio que é relatado no livro dos Gênesis (Gn 2), isto é, o rio que nasce no Éden, é um benefício que o Criador concede à criação. O suspiro por água limpa que a corsa possui, também é uma bela alusão da necessidade de água que as criaturas possuem, e que sua ausência gera morte. Em nosso contexto isto está mais do que perceptível. Não vivemos sem água, e a conscientização para não desperdiçarmos este elemento tão precioso é o grito da humanidade que sabe que sem água não há vida. Vale a pena vermos mais um sentido da água.
  •  A água, além de ser um sinal do caos e da vida, aparece como um elemento de purificação fundamental. Nisto vemos o leproso Naamã lavar-se no rio, o salmista que implora: “Lavai-me todo inteiro do pecado”, e o pedido da água pura, para a purificação de Israel, são só alguns dos vários trechos do Antigo Testamento que revelam esta característica da água, como um elemento de purificação.


CAOS

FONTE DE VIDA

PURIFICAÇÃO

Gn 1,6-10; Jó 7,12; 26,12; Sl 65,8; 74,13s; 77,17; 89,10s; 93,3s; 104,6s; 107,29; Ex 15; É 51,10; 2 Sm 22,5; Sl 42,8; 66,12; 69,2s; Jn 2,4-6; É 27,1.

Ex 17,1-7; Nm 20,1-11; Gn 2,10-14; Sl 42,2s

2 Rs 5,14; Nível 11 - 15; Nm 19,11-22; Sl 51,9; Êx 36,25-27; É 32,15-20; 44,3; Jl 3,1s.


Os Fundamentos Bíblicos do Batismo no Novo Testamento.

 Adentramos na reflexão acerca das citações do Novo Testamento sobre o Batismo. A continuação da oração da água no rito batismal colabora na sistematização do nosso estudo, e atua como uma espécie de preparação para entendermos este tópico.

[...] Vosso Filho, ao ser batizado nas águas do Jordão, foi ungido pelo Espírito Santo. Pendente da cruz, do seu coração aberto pela lança, fez correr sangue e água. Após sua ressurreição, ordenou aos apóstolos: “Ide, fazei todos os povos discípulos meus batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (SACRAMENTÁRIO, 2005, p. 27).

                           

É importante ressaltar que estamos diante do relato que dá início à vida pública de Jesus. O Batismo de Jesus no Jordão é assim, o início do ministério de Jesus Cristo, e não é por acaso que o início de sua missão pública coincida com o momento de seu batismo por João Batista. Ao terminarmos esta reflexão, deveremos observar esta associação entre o início público do ministério de Jesus e o Batismo.

A figura de João Batista aparece aqui como um “eixo”, uma “dobradiça”, que liga o Antigo Testamento ao Novo Testamento. Uma transição fica bem expressa no relato quando João Batista afirma: Eu batizo com água, mas virá aquele que batizará com o Espírito Santo e com o fogo (Lc 3, 16). O desamarrar a sandália que os evangelhos narram que João não é digno de realizar, não só conota uma humildade do Batista, como também remonta a tradição de passar o direito de primogenitura para o mais novo. O que seria este direito? É o direito de governo dos bens, da casa, da família, necessária pelo pai para o filho mais velho, o desamarrar a sandália seria o sinal de que o filho mais velho passaria o seu direito para o mais novo. Aqui, então, temos uma clara referência de que a Boa Nova, o Novo chegou para assumir sua missão. Agora podemos nos questionar: Por que Jesus quis ser batizado se o batismo de João é um batismo de arrependimento e perdão dos pecados? Jesus teria pecados, então? Logicamente que o motivo que levou Jesus a querer receber o batismo de João não é porque ele pecou. A construção teológica feita pelas comunidades primitivas no que se refere ao batismo de Jesus é muito rápido e fundamental para o entendimento da missão do Filho de Deus. Acompanhemos então, pontos fundamentais na compreensão deste acontecimento na vida de Jesus. 

Devemos, antes de tudo, situar o batismo de João Batista no contexto histórico e doutrinal de sua época. O batismo que João pregava, não era um mero rito de ablução, muito frequente na religião judaica. O apelo à conversão, o convite para confessar os pecados é um chamado para uma mudança de vida radical, pois, às portas está o Messias esperado. Há um tom escatológico, de cumprimento da promessa, aquele que é maior do que eu está chegando, quero preparar vocês para o encontro com o Messias. Desta forma, o rito realizado por João não é uma simples purificação dos pecados, mas uma ruptura com a vida velha, uma morte para o que até então tinha vivido e iniciar uma nova vida, transformada, restaurada. É um novo tempo, o Tempo do Novo que se aproxima. Mas, ainda podemos nos questionar: então Jesus confessou seus pecados? Até mesmo no texto do evangelho de Mateus, que você pode retornar a ler, encontraremos o espanto do Batista, “eu que deveria ser batizado por Ti e Tu vens a mim?” (Mt 3,14). A resposta de Jesus é um tanto difícil de compreender: “Deixa estar por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a justiça” (Mt 3,15). O Papa Bento XVI, quando explica esta passagem, nos diz:

O sentido desta enigmática resposta não é fácil de decifrar. Em todo o caso, esconde-se no termo achri - “por agora” - uma certa reserva: numa situação específica, provisória, prevalece um determinado modo de agir. Decisivo para a interpretação da resposta de Jesus é o sentido da palavra “justiça”: toda a “justiça” deve ser cumprida. Justiça é neste mundo, no qual Jesus está, a resposta do homem à Tora, aceitar toda a vontade de Deus, levar o “jugo do reino de Deus”, tal como fora formulado. O batismo de João Batista não foi previsto pela Tora, mas Jesus reconhece-o com esta palavra - “justiça” - como expressão para o ilimitado sim à vontade de Deus, como acolhimento obediente do seu jugo (RATZINGER, 2007, p. 33) .


Em Jesus Cristo, o batismo de João ganha proporções muito maiores, pois, uma missão do Messias é aceita, Jesus coloca-se totalmente obediente ao Pai, e aceita publicamente seu caminho e missão. Aqui, faz-se mister falar novamente deste sentido de morte e vida. A água simboliza purificação, vida? Sim! Porém, também simboliza morte, descida. A do dilúvio no livro dos Gênesis, como já vimos, é ainda uma experiência muito marcante para o povo, logo, assim como a água trazia vida, como é o caso dos grandes rios que experiência levam vida, saciam homens, animais, fazem a natureza crescer, limpam, lavam, também remetem ao afogamento, à morte, ao dilúvio, ao fim da vida. Esta aparente antítese (vida e morte) não é puramente coincidência em relação ao batismo, ela será o fundamento do batismo cristão, que só entendemos depois da paixão, morte e ressurreição de Jesus, mas, aqui nesta passagem se faz presente. Por que retomamos este assunto da água como morte e vida? Porque podemos vislumbrar na passagem do batismo de Jesus no Jordão, a antecipação da morte de Jesus na cruz e também sua ressurreição. Dizemos isto, a partir, da própria experiência de descer às águas, fazendo assim, menção muito forte à descida aos infernos, realizada na sua morte. Mas o retorno das águas e a voz que diz: “Este é meu Filho amado”, nos remetem a uma bela certeza da missão realizada, e da vida ressurreta de Jesus Cristo. É belíssimo conseguir compreender estes dados aparentemente escondidos nas entrelinhas. Vale também mencionarmos aqui, uma experiência de interpretação da Igreja, desde muito cedo sobre a descida nas águas. Como dissemos, a religião judaica preza muito os ritos de abluções, com estes ritos, purificavam-se. Automaticamente, a água imersa era a que continha a impureza, o pecado. Parece-nos que Jesus mergulhando nas águas, onde os pecadores despojavam-se de seus delitos e faltas, é como o Cordeiro (Jesus), que carrega sobre si os pecados da humanidade, o redentor assume para si todas as faltas, os pecados da humanidade e os transformará em salvação. “O batismo de Jesus é assim entendido como repetição de toda a história, no qual o passado é agarrado e o futuro, antecipado: a entrada nos pecados dos outros é descida ao 'inferno' [...]” (RATZINGER, 2007, p .35). Muito rica esta temática da vida de Jesus. Desta forma, continuamos conforme nossas percepções. Uma questão muito cedo compreendida pela Igreja, desde o período patrístico, e até hoje acreditada pela Igreja Católica, é o poder de santificação das águas. Nenhum ritual do batismo, fica claramente expressa esta união, da santificação das águas através da descida de Jesus às águas do Jordão, sem contar na figura essencialmente expressa da descida do Espírito Santo em forma de pomba. Esta imagem faz-nos lembrar da passagem da narrativa da origem que diz: “O Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2). Agora é o tempo da nova criação, em Jesus seremos Novas Criaturas. Haverá um novo nascimento. “O Espírito que Jesus possui em plenitude desde a sua concepção vem“ repousar ”sobre Ele. Jesus é uma fonte do Espírito para toda a humanidade. ”(CAT 536). 

Toda esta beleza teológica é ainda mais alargada, quando lemos nas narrativas dos sinóticos, confira em Mateus e Lucas, como expressões e os céus se abriram, ou uma expressão de Marcos, rasgouse o céu. A clara menção de que é possível o acesso ao céu, o que outrora Adão e Eva fecharam com seu pecado, Jesus Cristo abre. Porque ele é o ungido (Cristo). Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. “No Batismo de Jesus, 'abriram-se os Céus' que o pecado de Adão havia fechado; e as águas são santificadas pela descida de Jesus e do Espírito, prelúdio da nova criação. ”(CAT 536).

A descida do Espírito sobre Jesus também revela o caráter da Unção, ele é o Ungido, o escolhido, o Messias. A plenitude do Espírito está com Ele, para realizar todo o projeto de Salvação do Pai. Desta forma, podemos dizer que a visibilidade do Ungido de Deus é possível no Batismo, logo, o batismo de Jesus ganha também um caráter de revelação divina, e vislumbramos a Trindade Santa já nesta passagem. Embora alguns teólogos não gostem de falar de visão Trinitária no texto, é inegável uma concepção trinitária na construção dos textos evangélicos. Concluímos este tópico, só retomando o que já dissemos a respeito da antecipação da morte de Jesus. Não somente a descida nas águas nos faz lembrar deste acontecimento, o anúncio feito pelo próprio João, de que Jesus é o Cordeiro de Deus,  é de importância fundamental para a compreensão do sacrifício e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. 

 Jesus e o Batismo.

QUANDO Falamos de Jesus EO Batismo, Muito frequentemente VEM em Nossas Mentes uma pergunta: Jesus batizou Alguém? Vejamos. Os três Evangelhos sinóticos, pelo que percebemos, não falam em nenhum momento sobre a questão de Jesus batizar ou de pedir para que seus discípulos batizem. Rapidamente podemos pensar: Mas como? Ele disse Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. (Mt 28,19). Perceba que acabamos de dizer “Jesus terreno”. O mandato de batismo aparece como uma característica dos ditos do Ressurreto. Saindo da esfera dos Evangelhos Sinóticos, podemos encontrar nos escritos de João, um versículo muito contraditório. Veja o que narra São João: “Depois disso,  Jesus veio com os discípulos para o território da Judéia e permaneceu ali com eles e batizava. ”(Jo 3,22).

Interessante que em paralelo a esta perícope não podemos deixar de ressaltar que o mesmo evangelista dirá logo em seguida: “Quando Jesus soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele fez mais discípulos e batizava mais que João, ainda que, de fato, Jesus mesmo não batizasse, mas seus discípulos, deixou a Judéia e retornou à Galiléia. (Jo 4,1-3). Do ponto de vista da exegese, estamos diante de uma aporia complexa do resolver, porém, o não aparecimento de um relato nos sinóticos tem um peso adicional para não acreditar que Jesus batizou alguém, até porque, como já dissemos, Jesus ordenou curar os doentes, purificar leprosos, expulsar demônios, mas não falou em batizar. Uma saída encontrada por alguns exegetas é a vontade da comunidade joanina em ancorar sua prática batismal pós-pascal, na atividade do Jesus pré-pascal. Outra possibilidade é encontrada por alguns exegetas, que ao lerem Jo 3,22 veem aqui uma prática histórica de Jesus. Como podemos entender isto? Jesus teria batizado numa fase inicial de sua trajetória pública, quando ainda era tido como um discípulo de João Batista, e com o passar do tempo, Jesus vai se distanciando do Batista e vai levando discípulos a descobrir o Novo Batismo, o verdadeiro e eterno Batismo .

O Batismo em João.

 Quando falamos do Evangelho joanino, não podemos deixar de mencionar seu caráter catequético e teológico. Isto significa que o Evangelho de João por ser um escrito tardio, comunica a vida de Cristo já na forma que a comunidade cristã a via. O Evangelho de João já é todo aprofundado, espiritualizado, teologizado, pois, é escrito no seio de uma comunidade cristã já organizada e bem pós-pascal. Ao falarmos do Batismo nos Escritos Joaninos, temos que levar em consideração um fato, que retomará fortemente: o assunto do Batismo de Jesus por João Batista. Por que dizemos isto? É muito provável que a comunidade de João teve problemas anteriores com os discípulos do Batista. Isto seria uma explicação mais lógica da ênfase que o Evangelho dá a esta passagem e da superação radical de Jesus em relação a João Batista e sua distinção. Como podemos notar ao lermos o Evangelho no capítulo 1,26-27, o próprio João Batista anuncia um novo Batismo, o que deve ser instaurado e seguido. Ao colocar na boca do Batista este anúncio, fica muito clara a intenção da comunidade de ressaltar a superação do Batismo de João que teve seu significado e importância. Uma diferença muito diminuta no Evangelho de João em relação aos sinóticos é:

ao passo que o batismo de João Batista, apresentado pelos Sinóticos, é sobretudo batismo de conversão, em São João é apresentado como batismo que anuncia outro (1,27), Esse outro é o batismo no Espírito, que João menciona com frequência (3 , 5; 7,37-39; 19,33-34; 20,22). O próprio Cristo, que tem a plenitude do Espírito, batizará no Espírito (NOCENT et al., 1989, p. 23).

Na pedagogia do Evangelho joanino, temos então necessariamente a identidade do Batismo de Jesus, que é distinto do batismo de João. Esta diferença e constatação são importantes no contexto vivido pela comunidade. O próximo passo do Apóstolo será o início da reflexão teológica do Batismo de Jesus. Se a passagem de João Batista foi usada para a primeira etapa, na segunda etapa será a passagem de Nicodemos que encontramos no capítulo 3,1-21. Para melhor entender esta passagem, alguns estudiosos afirmam que precisamos ler numa visão de conjunto dos capítulos 2, 4 e 6 que segundo Dodd (apud NOCENT et al., 1989, p. 23), apresentam uma “nova gênese”, isto é, da água para o vinho, e o melhor vinho; assim como tem vinho novo, terá água nova, como é o caso do anúncio no diálogo com a Samaritana, água que sacia eternamente a sede; Haverá um novo culto e um novo templo. Assim, o diálogo com o Nicodemos encontra-se nesta esfera de mudança, de transformação, de abandonar o velho homem e abraçar a nova criatura, gerada na água do Santo Batismo, gerada pela força do Espírito Santo concedido ao mundo por Jesus Cristo. Para esta nova vida, João vai deixar bem claro, é preciso da fé, sem a fé, o novo nascimento é impossível. Você pode conferir isto ao ler Jo 3,16-21 (NOCENTet al., 1989, p. 22-23)


Fernando Vanini de Maria.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem

"A leitura abre as janelas do entendimento e desperta do sono a sabedoria"