Sumário. Consideremos a obediência pronta de São José. Apenas recebida a ordem do Anjo, apresta-se para a viagem ao Egito, posto que previsse os incômodos que semelhante viagem, bem como a sua permanência naquele lugar, devia causar tanto a ele mesmo como a sua Esposa e seu divino Filho. Como é que nós obedecemos aos mandamentos de Deus e às ordens dos nossos superiores? Ao menos, esforcemo-nos para o futuro por imitar o santo Patriarca, e unamo-nos a estes santos peregrinos na viagem que estamos fazendo para a eternidade.
I. Depois que os santos Magos informaram Herodes do nascimento do Rei dos judeus, o bárbaro príncipe mandou que fossem mortos todos os meninos dos arredores de Belém. Como então Deus quis ainda livrar seu Filho da morte, mandou um Anjo para avisar a São José, que tomasse o Menino e a Mãe e fugisse para o Egito. Considera aqui a obediência pronta de José. Embora o Anjo não lhe marcasse o tempo para a partida, todavia, sem opor dificuldades quanto ao tempo, nem quanto ao modo de viajar, nem quanto ao lugar onde deveria fixar-se no Egito, sem demora se apresta e vai.
Avisa logo a Maria, e naquela mesma noite, segundo a opinião bem plausível de Gerson, ajuntado a pouca ferramenta de seu ofício, que podia levar e que depois deveria servir-lhe no Egito para alimentar a sua pobre Família, se põe com sua Esposa Maria a caminho para o Egito, sem outro guia, numa viagem de trezentas milhas, no dizer dos autores, por terrenos montanhosos, por caminhos ásperos e desertos. Quanto não devia São José sofrer durante a viagem, ao ver os sofrimentos da sua querida Esposa, pouco habituada a viajar, com o caro Filhinho que eles carregavam alternadamente, temendo a cada passo que se encontrassem com os soldados de Herodes, no mais rigoroso inverno, debaixo de vento e neve!
Com que deviam alimentar-se na viagem, senão com um bocado de pão, trazido da casa ou pedido de esmola? Onde deviam passar as noites a não ser numa miserável choupana ou ao relento? O santo Patriarca estava perfeitamente resignado à vontade do Pai Eterno, que quis que seu Filho começasse a padecer desde criança, a fim de satisfazer pelos pecados dos homens; mas o coração terno e amante de José não podia deixar de sofrer, vendo-o tremer e ouvindo-o chorar pelo frio e pelos outros incômodos que sentia.
II. Considera quanto José devia sofrer durante a permanência de sete anos no Egito, no meio de um povo idólatra, bárbaro e desconhecido; pois que ali não tinha nem parentes nem amigos que o pudessem auxiliar. Pelo que São Bernardo diz que o santo Patriarca, para alimentar a sua pobre Esposa e o divino Menino, o mesmo que dá o sustento a todos os homens e animais da terra, era obrigado a trabalhar dia e noite.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 475-477)