O homem e seu chamado Universal.

“Quem diz que a religião não se harmoniza com a ciência é ignorante tanto de uma, quanto de outra”. Albert Einstein

 

“Que é o homem, para dele te lembrares, é um filho de Adão, para vires visitá- lo?” (Sl 8,5), “e o fizeste pouco menos do que um deus, coroando-o de glória e beleza. Para que domine as obras de tuas mãos sob teus pés tudo colocaste” (Sl 8,6-7).

Com estas palavras, o salmista se interroga sobre a grandeza humana em sua fragilidade e, ao mesmo tempo, mistério e paradoxo que impressionaram os pensadores de todos os tempos. Diante da ilimitada grandeza dos céus, aparece ao salmista a desproporcionada pequenez do homem; todavia, nessa desproporcionada pequenez, há algo que o torna pouco inferior aos deuses e superior a todas as outras coisas criada. O narrador bíblico contempla primeiramente sua própria insignificância dentro de um universo imenso mas, a seguir, reconhece a grandeza do papel atribuído por Deus ao ser humano.
A pergunta “Quem é o homem”? aponta uma questão existencial cuja resposta norteará a própria vida. Variados enfoques darão múltiplas respostas, já que há diversas concepções acerca do ser humano. Pode-se vislumbrá-lo como produto de uma evolução biológica, a partir do reino animal. É, contudo, o único ser vivo que indaga sua própria natureza, que tem consciência de si mesmo, e que busca a compreensão do universo que o cerca.
A ciência calcula que em nosso planeta haja mais de trinta milhões de espécies de vida, mas até agora só foram classificadas por volta de três milhões de espécies, dentre elas a espécie humana, cuja população conta atualmente com algo em torno de mais de sete bilhões de pessoas.
No decurso da história, o ser humano elaborou muitas autoimagens buscando alcançar a melhor descrição do sentido de sua existência. A cada dia, o homem alarga o horizonte de seu conhecimento, no entanto, sua existência ainda lhe permanece enigmática, hoje como outrora.
Tal aspecto enigmático já foi expresso pelos gregos no mito da esfinge de Tebas. Contam os gregos que, diante da cidade de Tebas, estava sentada uma esfinge, um daqueles seres com corpo de animal e cabeça de homem, e que desafiava os que passavam: “Decifra-me ou devoro-te”. Dirigia sempre a mesma pergunta a todos: “O que é que pela manhã anda com quatro pernas, ao meio-dia com duas e à tarde com três?” Devorava todos os que não sabiam a resposta. Certo dia o rei Édipo passou por lá e logo que a esfinge fez a tradicional pergunta, ele respondeu: “É o homem. Como criança, engatinha sobre mãos e pés; como adulto anda ereto nas duas pernas; na velhice, apoia-se numa bengala, a terceira perna”. Ao ouvir esta resposta, a esfinge precipitou-se para o abismo e o rei Édipo teve o caminho livre para adentrar a cidade.
Conta-nos, ainda, a história que na entrada do templo de Apolo, em Delfos, estava escrito o epigrama: “Conhece-te a ti mesmo!”. Desde a Antiguidade, era uma exigência religiosa e moral importante. Tinha um sentido religioso específico, de tomar consciência da diferença entre o homem e Deus, de reconhecer o maior poder dados aos deuses e seguir seus ensinamentos, aceitando o destino dado por eles.  O homem confronta-se com o divino.
Desde Sócrates, o conhecimento de si mesmo é a mais alta meta da indagação filosófica. Na Apologia, Sócrates diz que “uma vida que não é examinada não vale ser vivida”. O homem está sempre à procura de si mesmo. E este é, ao mesmo tempo, seu privilégio e sua obrigação fundamental.
O indivíduo humano, portanto, é sujeito, é pessoa que se afirma, falando de si no pronome da primeira pessoa do singular: “eu”. A experiência de si mesmo é básica para qualquer atividade humana. A existência do eu não precisa e não pode ser provada logicamente, objetivamente. Todo indivíduo é consciente de sua identidade individual, a qual o senso comum expressa com o pronome “eu”.
A capacidade humana para conhecer e para saber que conhece é definida como consciência. Do ponto de vista psicológico, a consciência é o sentimento da própria identidade; é o eu, um fluxo de estados corporais e mentais, que retém o passado na memória, percebe o presente pela atenção e espera o futuro pela imaginação e pelo pensamento. O eu é o centro ou a unidade de todos estes estados psíquicos.
Das várias ciências que estudam o ser humano, a psicologia é aquela que busca compreender sua formação e seu desenvolvimento emocional. Considera que todas as pessoas são dotadas de um arcabouço de emoções, sentimentos e reações mentais conscientes e inconscientes – o psiquismo – que acompanha o ser humano desde o seu nascimento e influencia a formação de sua personalidade.
A afirmação de Descartes “penso, logo existo” é talvez a mais famosa da história da filosofia. Surgida pela primeira vez em 1637, tal afirmação sugere que pensar e ter consciência de pensar são os verdadeiros substratos da existência que definem o ser humano.
Pascal também define o pensamento como “algo que brilha no rosto do homem e o constitui superior a toda a natureza”, como afirma em uma de suas célebres passagens:
“O homem não é mais que um caniço, o mais frágil de toda a natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para aniquilá-lo: um vapor, uma gota d’água é suficiente para matá-lo. Todavia, ainda que o universo o esmagasse, o homem seria ainda sempre mais nobre do que aquilo que o mata, a partir do momento que ele sabe que morre e sobre a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo não sabe nada. Toda a nossa dignidade está, portanto, no pensamento. É em virtude dele que devemos nos elevar, e não no espaço e na duração que saberemos preencher. Trabalhemos, portanto, para pensar bem: eis o princípio da moral” (Pensamentos, n. 264).
A questão acerca do sentido da vida não é de hoje ou de ontem, mas de sempre, já que é humana e diz respeito a todo homem e toda mulher em sua condição de ser humano. A resposta que cada um dá a essa questão é, na maior parte das vezes, existencial. A vida responde à vida. Mas há um momento em que, diante dessa questão, a vida pede uma resposta pessoal e pensada.
Esta é a tarefa tanto da antropologia filosófica como da teológica: contribuir para a autocompreensão do homem, para a unidade do ser humano. É ajudar a conduzir o ser humano aberto ao reconhecimento autêntico da alteridade: a do universo, a do outro, a de Deus e também a sua própria. Um ser humano consciente de que recebeu a vida de um outro, o acolhe em espírito de reconhecimento, e abre as mãos e o coração para a justiça, a solidariedade e a partilha.
A teologia judaico-cristã pode ser entendida como uma reflexão sobre Deus. Como ciência, procura sistematizar o que Deus revela de si mesmo e é acolhido pelo homem, na fé. Este é o estatuto epistemológico característico da teologia por conta da singularidade de seu objeto de estudo e de sua própria forma de indagação. Em sua própria comunicação, “o divino explana seu mistério, embora sem esgotá-lo e, simultaneamente, dá chaves que esclarecem o mistério da realidade humana”. Assim, acaba remetendo invariavelmente ao humano, ao caminhar histórico da humanidade.
As grandes preocupações do ser humano – a busca do sentido para sua existência, as confrontações com a precariedade de seus condicionamentos sociais, políticos, econômicos, a limitação da condição humana, a assimilação da fronteira da morte – recebem uma nova perspectiva de formulação e de resolução a partir da presença do divino. Portanto, uma valência antropológica é inseparável das afirmações teológicas. A teologia, assim, aproxima-se da questão antropológica de forma notável. 
A estima pelo antropológico conquistou espaço no desenvolvimento recente da teologia e conseguiu cristalizar-se em manifestações magisteriais tão importantes como a Gaudium et Spes onde “nada há verdadeiramente humano que não encontre eco no coração da Igreja” (GS 1).

A pergunta antropológica se tornou incisiva nas circunstâncias atuais, que adquiriu matizes de uma crise epocal: “O que é o homem? Qual o sentido da dor, do mal, da morte que, apesar de tantos progressos ainda subsiste? Que valor têm as vitórias alcançadas a tão alto preço? O que o homem pode dar à sociedade? O que pode esperar dela?” (GS 10). O que haverá após esta vida? Estas perguntas fundamentais caracterizam o percurso do viver humano.
Por meio da Gaudium et Spes, os Padres conciliares apresentam aquilo que a Igreja, à luz da centralidade da fé em Cristo – humano e divino – compreende do mistério do humano. Ao lançar a pergunta “o que é o homem?” (GS 12), o documento aponta que as variadas e contrárias respostas que o ser humano emitiu e continua emitindo a respeito de si são causa de hesitação e angústia para o próprio humano. E afirma que a verdadeira condição humana - onde se reconhecem fraquezas e ao mesmo tempo dignidade e vocação divinas – está na imagem viva do próprio Deus, expressa de modo definitivo em Cristo. Ao revelar o mistério do Pai e de seu amor, Cristo desvela também plenamente o homem ao homem e lhe faz conhecer sua altíssima vocação (GS 22). É tal verdade que dirá quem é o ser humano e concomitantemente ao que ele é chamado.
Para a fé cristã, o ser humano está marcado por esta relação com Deus - relação de amor e de paternidade que Deus quer estabelecer com todos os seres humanos em Jesus Cristo, seu Filho. É somente à luz desta relação da pessoa com Deus, última e mais profunda dimensão do ser humano, que se tem a medida exata do que somos: objeto privilegiado do amor de Deus, a única criatura da Terra que Deus quis por si mesma (GS 24), e que, no mais profundo de seu ser, foi chamada à comunhão de vida com o próprio Deus.

João Paulo II dirá:

“Quando o porquê das coisas é indagado a fundo em busca da resposta última e mais exaustiva, então a razão humana atinge o seu ápice e se abre à religiosidade. Com efeito, a religiosidade representa a expressão mais elevada da pessoa humana, porque é o ápice da sua natureza racional. Brota da profunda aspiração do homem à verdade, e está na base da busca livre e pessoal que ele faz do divino”.

A compreensão do homem como “imagem de Deus” é central para uma leitura cristã do ser humano e é o cerne da antropologia veterotestamentária, cuja passagem fundamental se encontra em Gn 1,26s: “Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança [...] Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou.”
Dentro dos moldes do amplo conjunto da história da salvação, o homem aparece como fim e cume da criação. Como vértice de uma pirâmide cosmológica, o homem tem uma relação sui generis com Deus.
A fé de que o mundo em sua forma concreta seria a obra de um Deus criador une as religiões monoteístas. Ideias criacionais condensadas em mitos já existiam entre povos antigos. As perguntas a respeito do mundo e da vida humana – de onde, por que, para onde – são comuns a todos os sistemas religiosos.

A compreensão do homem como “imagem de Deus” é central para uma leitura cristã do ser humano e é o cerne da antropologia veterotestamentária,  cuja passagem fundamental se encontra em Gn 1,26s: “Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança [...] Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou.”
Dentro dos moldes do amplo conjunto da história da salvação, o homem aparece como fim e cume da criação. Como vértice de uma pirâmide cosmológica, o homem tem uma relação sui generis com Deus.
A fé de que o mundo em sua forma concreta seria a obra de um Deus criador une as religiões monoteístas. Ideias criacionais condensadas em mitos já existiam entre povos antigos. As perguntas a respeito do mundo e da vida humana – de onde, por que, para onde – são comuns a todos os sistemas religiosos.
Na história de fé de muitos povos encontram-se, desde tempos remotos, relatos sobre a origem divina da existência e o fato de as coisas e os seres humanos serem como são. Tais relatos podem ser entendidos como tentativas de resposta por um possível “plano”, por um “espírito ordenador” na confusão dos fenômenos no mundo que acompanha e cerca cada um dos seres. O assombro ante a existência, “a admiração sobre o fato de as coisas serem como são possibilita a experiência de Deus por meio da experiência do mundo”.
Em nítida oposição às religiões do Egito e da Mesopotâmia, onde os homens eram considerados descendentes imediatos dos deuses, o texto de Gn 1,26s traça um limite bem definido: a semelhança com Deus distingue o ser humano de todas as demais criaturas, juntamente com o qual pertence a um mundo diferente e superior. Ao mesmo tempo, separa-o fundamentalmente de Deus, cuja transcendência é absoluta, daí a imagem. Em outras palavras: não possui a mesma essência que Deus, mas lhe é semelhante.
A história da relação do ser humano com Deus é uma história de amor, que comporta encontros e desencontros, onde, por meio do ato criador e do dom de si mesmo, Deus é o ator principal, mas não único ator. Ele “torna possível a liberdade do homem, sustenta sua dignidade e encoraja sua parceria em um projeto de humanidade solidária, garantindo o sonho utópico de uma plenitude possível”. Também o ser humano tem seu papel nessa história. Para isso é que ele foi criado à “imagem de Deus”: para ser seu interlocutor e deste modo levar adiante um diálogo com seu Deus.
A criação é o primeiro dos gestos de amor que Deus prodigalizará a partir de então. Um amor que dá o ser ao mundo.
A bela passagem do livro da Sabedoria fornece com nitidez a chave interpretativa do conceito bíblico de criação:
“Sim, tu amas tudo o que criaste,
não te aborreces com nada do que fizestes;
se alguma coisa tivesse odiado, não a terias feito. E como poderia subsistir alguma coisa,
se não a tivesse querido?
Como conservaria sua existência, se não a tivesses chamado? Mas a todos poupas, porque são teus:
Senhor, amigo da vida!” (Sb 11, 24-26).

O homem - a pessoa singularizada e a comunidade humana – realiza este destino icônico, deiforme, ao longo de uma sequência de marcos que a Sagrada Escritura vai descrever como: 
- imagem formada (doutrina da criação)
- imagem deformada (doutrina do pecado)
- imagem reformada (justificação e graça)
- imagem consumada (escatologia).

A noção bíblica de criação não se refere exclusivamente à pergunta pela origem do universo e de tudo o que o habita. Ela denota a ação de dar princípio à realidade, mas também a ação restauradora e consumadora dessa mesma realidade. Assim, Deus cria quando:
- chama à existência os seres que não existem;
- sustenta as criaturas na existência e as refaz;
- conduz essa criação à plenitude do ser e de sentido – que é a salvação.

Cada uma dessas acepções destaca um atributo divino: o amor. Deus cria e salva, ou ainda, Deus cria para salvar. É precisamente este traço que se destaca em Sb 11,24- 26: “Sim, tu amas tudo o que criaste... Senhor, amigo da vida!”.
Além do que diz respeito ao Criador, o texto também relata algo importante que concerne à criatura: “esta só subsiste porque Deus assim quer, e se conserva porque ele a chamou, de modo que “tudo é seu””. A noção bíblica de criação implica uma relação de dependência absoluta da criatura em relação ao Criador. A realidade surgida do puro e gratuito amor divino não tem em si mesma a razão de sua existência. Não existe por si ou para si mesma, mas por e para tal amor que lhe deu graciosamente o ser.
Uma leitura atenta da primeira narrativa da criação (Gn 1,1-2,4a) permite situar Deus e o ser humano em relações mútuas, sem concorrência, pois esta supõe o desejo de exercer domínio sobre o outro, enquanto o texto propõe exercê-lo sobre si mesmo, para abrir espaço para a alteridade.

“Tal é a imagem de Deus à semelhança do qual é criado o ser humano. O respeito a esta alteridade é a tal ponto essencial para a vida que o narrador do relato das origens (Gn 1-11) consagra suas três mais célebres páginas à ilustração das consequências mortíferas da transgressão dessa lei da vida: a falta de Adão e Eva, o assassinato de Caim e a Torre de Babel.”

O relato da criação do universo (Gn 1,1-2,4a), além de revelar a primeira imagem bíblica de Deus – poder criador – vai apresentar que, no sétimo dia, Deus completa sua obra (Gn 2,2) e descansa. Ele se mostra assim “mais forte que sua força, e esta é a definição da doçura de Deus”. A criação culmina nesta imagem de doçura já presente durante os seis primeiros dias, já que é por sua palavra que Deus exerce o seu domínio sobre o tudo criado. O descanso de Deus - o sábado – está em relação com aquilo que o precede imediatamente: a missão confiada ao ser humano de dominar a terra e submeter os animais (Gn 1,29). Ao pôr um termo à sua atividade criadora, Deus abre à humanidade, a cada homem e a cada mulher, um espaço de liberdade para agir com responsabilidade, onde ser criadores exercendo um poder real.
Assim, o início do livro do Gênesis não diz que o ser humano deve permanecer dependente de Deus, nem mesmo que seu primeiro dever é reconhecê-lo sob pena de provocar sua própria infelicidade.
No conteúdo doutrinal judaico-cristão contido no relato da criação, portanto, pode-se afirmar que o ser humano deve sua existência concreta e como um todo a um ato criador livre de Deus, que o criou e elegeu para ser seu parceiro, em liberdade. Tem origem como os demais seres vivos, mas distingue-se radicalmente destes, pois só ele é capaz e chamado a responder, pela palavra e ação, ao apelo de Deus, tendo, assim, uma relação imediata e única com o Senhor absoluto do mundo.
A imagem e semelhança com Deus significa que se confia ao ser humano o exercício da função divina de domínio e providência. A condição de criatura o eleva à dignidade de um ser pessoal, livre e que dispõe de si mesmo. Assim sendo, o ser humano não é escravo dos deuses ou do cosmos.
O interesse central é mostrar a determinação originalmente intencionada por Deus; expressar a relação entre o ”homem” (adam) e a “terra, mundo” (adamah) , o plano original de Deus com os seres humanos. E apontar que a perturbação produzida pelo próprio homem é a responsável pelos sofrimentos experimentados através da morte, fadiga e pecado. Ou seja, o próprio homem é culpado desses sofrimentos, ao contrário do que ocorre em muitas cosmogonias e teogonias não bíblicas onde há conflitos de interesses dos deuses entre si. 
O doloroso distanciamento de Deus, a inimizade e a discórdia no convívio humano são comportamentos fundamentais, que carregam alguns traços comuns a todo ser humano. Aparecem expressos nas narrativas bíblicas dos tempos primitivos que contam como o ser humano apresenta esta natureza logo no início de sua história e em sua origem. 
Explica Schneider, citando Zenger:
“Histórias dos tempos antigos não contam as coisas que aconteceram uma única vez, e sim, as coisas que aconteceram pela primeira vez como coisas que sempre acontecerão. Contam ‘o que nunca foi’ e ‘é sempre’, põem a descoberto o que qualquer pessoa sabe, mas não sabe, e querem ajudar a vencer na vida com esse saber e essa natureza preestabelecida. Seus heróis e anti-heróis não são figuras que alguma vez existiram na História, mas são inteiramente históricas, porque toda pessoa tem parte nelas”.

O horizonte da narrativa bíblica fala da boa ordem da criação de Deus e da desordem que depois se instalou efetivamente. Há a espera de salvação de uma vida correspondente à ordem original, na qual o espaço de vida dos seres humanos fica preservado, há alimento suficiente para todos e a promessa de bênção se cumpre numa sequência ordenada de gerações. “Trata-se aqui da vocação do homem no desígnio de Deus.” Antes da origem do mal há a do bem, como expressa Paul Ricoeur:

“Por mais que o pecado seja mais ‘antigo’ que os pecados, a inocência é ‘mais antiga’ ainda que ele; essa ‘anterioridade’ da inocência em relação ao mais ‘antigo’ pecado é como o algarismo temporal das profundezas antropológicas”.

Dessa forma, ainda que a noção de criação tenha alguns antecedentes no Egito e na Mesopotâmia, o conceito de criação é bíblico: “exprime o ato pelo qual Deus é a causa livre e plena de amor de um universo essencialmente bom e harmonioso, tirado do nada e posto à disposição do homem; um ato que inaugura o tempo da história”.
A verdade e a bondade da realidade criada pressupõem uma ação livre de Deus, que pode dar o ser ao que não existe por si mesmo. A liberdade divina de criar “a partir do nada” (ex nihilo) dá à criatura uma consistência própria e garante sua existência autêntica. Tal “criação ex nihilo revela que essa existência é recebida, que ela depende absolutamente de Deus e que, por conseguinte, a criação é boa em sua origem”. “O mal, em particular o mal moral, tem uma origem histórica e não é uma realidade metafísica”.
O ser humano partilha com o mundo que o cerca sua condição de criatura, mas é uma criatura especial, a que dá ao conjunto seu sentido último. A existência recebida é característica essencial da criatura e adquire no homem sua plena realização. Somente ele, entre os seres deste mundo, pode compreender sua vida como dom e sua existência livre como autenticamente sua.
É a plenitude possível, que vai atingir sua plenitude definitiva em Jesus Cristo, o mediador universal entre Deus e a humanidade: Jesus, realmente homem e Filho de Deus ao assumir a natureza humana conduz a criação à sua dignidade definitiva. “A condição de criatura foi compartilhada pelo próprio Filho de Deus”.

O homem criado não pode realizar seu fim – a comunhão com Deus – por suas próprias forças. Tem necessidade da iniciativa gratuita pela qual Deus mesmo lhe concede tal comunhão de vida e de amor. Tem, ainda, necessidade de ser curado e libertado da situação de pecado que afeta sua relação vital com Deus e o faz desorientado e ferido.
A salvação deste estado - a redenção - vem da iniciativa de Deus, chegando por meio de Jesus Cristo: “o mistério do homem se esclarece no mistério do Verbo encarnado”. Somente à luz do paradigma de nossa humanidade podemos conhecer o que fomos chamados a ser.
“Somente Cristo é a imagem verdadeira de Deus”. Ele restitui e simultaneamente consuma a imagem que foi obscurecida pelo pecado. Assim, “ser semelhante a Deus é ser semelhante a Cristo”. Como imagem perfeita de Deus, Cristo é o mediador da criação. Como homem perfeito é o fim da criação.
A humanidade completa de Cristo é perfeita, ou seja, é paradigmática, é exemplar. Ressalta a Gaudium et Spes: “Todo aquele que segue a Cristo, o homem perfeito, torna-se ele também mais homem” (GS 41), ou seja, mais humano.
A semelhança do homem com Deus é, portanto, participação na semelhança de Cristo com Deus, na graça e na fé. Enquanto adere ao Senhor, a pessoa torna-se participante da imagem de Deus, que foi revelada em Cristo, e é configurada à imagem do Filho (Rm 8,29).
Seguir Jesus significa fazer o caminho com ele, num sentido favorável ou hostil. Implica renegar a mentalidade de pecado e identificar-se com a de Deus, até o ponto de carregar a própria cruz com Jesus (cf. Mc 8,34). O ápice é a comunhão com Deus por meio de Jesus e, portanto, a participação na sua autoridade e na sua vida nova e futura (cf. Mt 16,25; Jo 14,6).


Documentos do Magistério
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CELAM. Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2009.
CONCÍLIO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II. Constituições, Decretos e Declarações. Petrópolis: Vozes, 2000.
FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. A alegria do Evangelho. Sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus; Loyola, 2013.
. Carta Encíclica Laudato si. Sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus, 2015.
. Carta Encíclica Lumen Fidei. Sobre a fé. São Paulo: Paulinas, 2013.

. Pronunciamentos no Brasil. Visita apostólica do Papa Francisco ao Brasil por ocasião da XXVIII Jornada Mundial da Juventude. São Paulo: Paulus; Loyola, 2013.
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Fides et Ratio. Sobre as relações entre fé e razão. São Paulo: Loyola, 1999.
. Carta Encíclica Redemptor Hominis. São Paulo: Paulinas, 2010.

. Carta Encíclica Redemptoris Missio. Sobre a Validade permanente do Mandato Missionário. São Paulo: Paulinas, 2011.
. Carta Apostólica Mulieris Dignitatem. Sobre a dignidade e a vocação da mulher por ocasião do ano mariano. São Paulo: Paulinas, 2011.
PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2011.
 
Básica
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WÉNIN, André. O Homem Bíblico. Leituras do Primeiro Testamento. São Paulo: Loyola, 2006.
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Complementar

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BOFF, Leonardo. A nossa ressurreição na morte. Petrópolis: Vozes, 2004.
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Dicionários
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PASSOS, João Décio; Dicionário do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulinas, Paulus, 2015.
 
TAMAYO, Juan José (org.). Novo Dicionário de Teologia. São Paulo: Paulus, 2009.



Periódicos e Revistas
LORO, Tarcísio Justino. Atividade pastoral: alguns princípios éticos presentes no Documento de Aparecida. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, n.84, p. 90- 104, 2014.
MANZATTO, Antonio. O Papa Francisco e a Teologia da Libertação. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, n.86, p. 183-203, 2015.
OTTAVIANI, Edelcio. Por uma cultura do encontro. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, n.84, p. 359-370, 2014.



Fernando Vanini de Maria















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