QUAIS AS CIÊNCIAS QUE PRECISAMOS NOS APROFUNDAR PARA COMPREENDER A EXISTÊNCIA DE DEUS.

 

"O que é metafísica?

A metafísica, também conhecida como teologia filosófica ou filosofia primeira, tem como sujeito o ente em geral — o princípio ao máximo universal — e as suas causas, sendo estas Deus e as substâncias intelectuais — substâncias abstratas ao máximo e as causas primeiras de ser. Como o sujeito desta ciência constitui o que é inteligível ao máximo, demonstra-se que ela é uma ciência intelectual ao máximo, que é a que ordena todas as outras.

Este artigo apresenta a concepção de metafísica de Tomás de Aquino, de maneira sintética, em 3 partes:

Como a metafísica se relaciona com as demais ciências?
Qual é o gênero-sujeito (tema) da metafísica?
Como se justificam os nomes da metafísica?

Como a metafísica se relaciona com as demais ciências?

Isto é: qual é a necessidade da existência da metafísica? 

Primeiramente, a metafísica é ciência. Isto é dado por Aquino como ponto pacífico. Faz parte do tríptico das ciências teóricas, cuja origem remonta a Aristóteles, sendo a matemática, a física (ou “ciência natural”) e a teologia (aqui entendida como sinônimos de metafísica, conforme veremos adiante).

Do ponto de vista lógico, a ciência é definida como um conjunto de proposições referentes a um gênero-sujeito e seus princípios. Por gênero-sujeito, entende-se o tema de estudo; Aquilo de que se ocupa uma ciência. A física, por ex., se ocupa dos corpos naturais (um planeta, uma bola de boliche) e dos seus princípios (que definem seu movimento, etc).

Apesar de não explicitada no texto , a noção de princípio implica em anterioridade , em algo que vem antes, que é anterior. Pra que o planeta se mova, deve haver, antes, um princípio de movimento. Se a física estuda, estuda, o movimento de uma bola, também estuda o que é anterior ao movimento da bola. A causa é um exemplo de princípio, mas nem todo é princípio causa.

Visto que a metafísica é ciência, perguntamos: como a metafísica se relaciona com as demais ciências? A resposta parte de um princípio de Aristóteles:

“Quando vários são ordenados a algo, é necessário que um deles seja regulador ou diretor, e os demais, regulados ou dirigidos.”

Por “ordem” entende-se a ordem natural , conceito com o qual Aristóteles trabalha.

Diz Aquino que as ciências são ordenadas à perfeição do homem, que é a sua felicidade. Isto faz parte da noção aristotélica do homem como animal racional, cuja perfeição, portanto, está em aprimorar sua racionalidade. Sendo as ciências ordenadas à perfeição do homem, isto é, várias ordenadas a algo, e partindo do princípio, uma delas deve ser a ordenada de todas as outras, que é a sabedoria, pois compete a sabedoria ordenar.

Até aqui, Tomás de Aquino localizou que é preciso que haja uma ciência que ordena tanto e que merece o nome de sabedoria. Essa ciência, como será revelada, é a metafísica. Mas por quê? Para descobrir, precisamos passar à segunda pergunta:

Qual é o gênero-sujeito (tema) da metafísica?

Isto é: qual é o tema de estudo desta ciência?

Apresentamos-se, aí, duas concepções centrais de Tomás. A primeira é que uma característica que permite a alguém ser apto a dirigir é o intelecto . Sendo dirigir ou ordenar uma função ligada, por Tomás, ao saber ( “pois competir ao sábio ordenar” ), quanto mais alto o “cargo” de direção, maior o saber correspondente. Isto é demonstrado evocando as relações do senhor e do escravo no texto da Política de Aristóteles (Liv. I, 5, 1254b15 -1255a1):

“…da mesma maneira como os homens intelectualmente bem dotados são naturalmente chefes e senhores dos demais, e os homens de corpo robusto, mas deficientes quanto ao intelecto, são naturalmente servos; assim também a ciência que é intelectual ao máximo deve ser ordenada de todas.”

Já a segunda concepção central é o princípio de que o intelecto deve ser proporcional ao seu objeto . Isto é: deve haver proporção entre a capacidade de conhecer e o que se conhece. 

A partir das duas concepções, conclui-se que se existe uma correspondência direta entre a ordenação e o intelecto (concepção 1), o diretor da ciência que ordena todas as outras deve ser o de maior intelecto — o mais intelectual, intelectual ao máximo. E se o intelecto deve ser proporcional ao objeto (concepção 2), o objeto da ciência intelectual ao máximo deve ser o saber supremo, isto é, o mais inteligível.

Aquino então defina intelígivel ao máximo segundo três critérios:

Ordem da intelecção
Comparação do intelecto com os sentidos
Próprio conhecimento intelectual

Ordem da intelecção: Tomás nos dá os axiomas “aquilo a partir do que o intelecto adquire certeza é certamente mais inteligível” (v. nota 14 do texto de Nascimento) e “o intelecto adquire a certeza científica a partir das causas” . A partir de dois axiomas, concluímos que as causas são mais inteligíveis, e as causas das causas mais ainda, sendo as primeiras causas, irredutíveis, as inteligíveis ao máximo. Logo, a ciência das primeiras causas é intelectual ao máximo. Essas primeiras causas são, como veremos adiante, Deus e as substâncias intelectuais.

Comparação do intelecto com os sentidos: enquanto o sentido é o conhecimento dos particulares, o intelecto compreende os universais. Quanto mais universais os princípios, mais intelectuais são; logo, é ao máximo intelectual a ciência que verso sobre os princípios ao máximo universais (que são ao máximo inteligíveis). Esses são, como veremos adiante na obra, ou entre em geral. Além disso, Aquino argumenta que tais princípios ao máximo universais são pressupostos de todo o conhecimento, não sendo possível o conhecimento sem sua determinação. Isso não significa que devam ser tratados em todas as ciências, mas sim que pertencem a uma ciência superior, reguladora das demais. Portanto, os princípios ao máximo universais — o ente em geral — são o gênero-sujeito da metafísica.

Conhecimento próprio do intelecto: a capacidade intelectual vem da distância do que é material — logo, são ao máximo inteligíveis as coisas ao máximo separadas da matéria (isto é, mais abstratas). Partindo do tríptico das ciências teóricas, vemos que a ciência da natureza abstrai somente na medida em que toma em universal as formas naturais — pensando no besouro em universal em vez de um besouro específico. Já a matemática abstrai de acordo com a razão, considerando, por exemplo, o número nove em abstrato, e não nove iates, ou nove ovelhas; mas ainda assim esse número se manifesta materialmente. Ele é material. Só o que é abstrato ao máximo (ou “separado da matéria sensível”, ou “trans-físico” ou “imune à matéria”) é Deus e as matérias-primas intelectuais, ou inteligências — sendo as inteligências conhecidas, entre os cristãos, como “ anjos” . Por abstrair não entende-se aqui uma operação do intelecto humano, mas um modo de ser das coisas. Nós não abstraímos — elas é que são, ou não, abstratas em si. Assim, vemos que os critérios para o que é inteligível ao máximo, isto é, gênero-sujeito da ciência intelectual ao máximo (a metafísica) são as primeiras causas , os princípios ao máximo universais  e o que é abstrato ao máximo . Isso não significa que temos aí três assuntos de três ciências, mas sim um sujeito considerado a partir de aspectos diversos. Isso porque as substâncias separadas, abstratas ao máximo — isto é, Deus e as inteligências — , são as primeiras causas de ser, sendo causas, inclusive, dos princípios ao máximo universais (o ente em geral).

Considerando que uma ciência deve estudar tanto seu gênero-sujeito quanto às suas causas, como a ciência natural (a física) considera tanto os corpos em si quanto as causas do seu movimento, também a metafísica deve considerar seu sujeito e sua causa. Logo, sendo o sujeito da metafísica os princípios universais ao máximo — o ente em geral — , também cabe ao metafísico estudar as causas do ente em geral: Deus e as substâncias intelectuais (inteligências/anjos).

A distinção entre a causa primeira de ser (Deus e as substâncias intelectuais) dos princípios ao máximo universais (ente em geral) também se dá a partir da separação da matéria; isto é, da abstração. Enquanto o primeiro jamais pode ser material, sendo abstraído ao máximo, o segundo tanto pode ser como pode não ser, já que tudo é ente, seja material ou não. 

Chegamos, agora, à terceira pergunta:

Quais são os nomes desta ciência e como eles se justificam?

Os nomes da ciência de que se fala são três:

Ciência divina ou teologia filosófica
Metafísica
Filosofia primeira

Os três nomes referem-se à mesma ciência porque os três tratam do mesmo tema de maneiras diferentes. Ela é designada teologia filosófica por tratar das substâncias separadas ao máximo — Deus e as inteligências — , sendo a meta desta ciência, não o seu gênero-sujeito; metafísica , por considerar o que está além do físico — o ente em geral — e filosofia , por considerar as primeiras causas das coisas.

Além da Metafísica há também a ontologia ou “estudo ou conhecimento do Ser, dos entes ou das coisas tais como são em si mesmas, real e verdadeiramente” e também a Teologia,  ciência ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relações com o homem e com o universo.


Fernando Vanini de Maria

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