OS DEZ MANDAMENTOS -VII - NÃO ROUBAR.


 No coração da doutrina moral da Igreja Católica, encontramos os Dez Mandamentos, um caminho de vida para a conduta humana. O sétimo mandamento, “não roubar”, não é apenas uma proibição simples de roubo, mas um chamado à justiça, à caridade e à gestão responsável dos bens terrenos. Este mandamento nos lembra da importância de respeitar o que pertence ao próximo e de agir em conformidade com o bem comum. Neste artigo, exploraremos o significado profundo deste preceito e examinaremos como a vida cristã nos incentiva a direcionar nossos recursos e bens em direção a Deus e ao próximo. Descubra como o “não roubar” vai muito além da simples proibição de roubo, abordando questões fundamentais de justiça, retidão e caridade.

Não roubar nas escrituras

O sétimo mandamento mandamento aparece, em primeiro lugar, no Êxodo , no contexto da libertação dos israelitas da escravidão no Egito, quando se fazia necessária a  estipulação das leis e princípios que deviam reger a sociedade recém-formada. Esta ordem é uma base moral fundamental para a preservação da ordem social e da justiça. Já no Deuteronômio, encontramos uma repetição deste mandamento “Não furtarás” . Neste momento, Moisés está relembrando as leis e os mandamentos dados por Deus ao povo de Israel que agora está prestes a entrar na Terra Prometida. Dessa forma, esta repetição serve como uma reafirmação da importância da honestidade e da proibição do roubo à medida que o povo se prepara para estabelecer uma sociedade justa na nova terra.

No Novo Testamento, o mandamento “não roubar” aparece na conversa de Jesus com o jovem rico.  Além disso, a história de Zaqueu, o cobrador de impostos, destaca a transformação que ocorre quando alguém decide seguir este mandamento. Zaqueu promete devolver quatro vezes mais a qualquer pessoa que ele tenha roubado, demonstrando um arrependimento sincero.

Por fim, o apóstolo Paulo escreve sobre a importância da honestidade e do trabalho árduo: “Quem era ladrão não torne a roubar, antes, trabalhe seriamente por realizar o bem com as suas próprias mãos, para ter com que socorrer os necessitados.”  Assim, incentiva os cristãos a trabalhar, bem como a compartilhar o que têm com os necessitados.

O que a Igreja ensina sobre Não roubar?

O destino universal e a propriedade privada dos bens

O mandamento de não roubar está ligado também ao princípio da propriedade privada e ao destino universal dos bens.  Deus confiou a Terra à humanidade como um bem comum “para que dela cuidasse, a dominasse pelo seu trabalho e gozasse dos seus frutos.” 5 No entanto, a propriedade privada é reconhecida como legítima para garantir a liberdade, a dignidade e o atendimento às necessidades fundamentais das pessoas. 

O direito à propriedade privada, adquirido ou recebido de maneira justa, não nega o destino universal dos bens, ou seja, que a terra pertence a toda a humanidade.  Sendo assim, a propriedade deve ser vista não apenas como algo pessoal, mas também como um meio de manifestar solidariedade, fazer os bens frutificar, compartilhando seus benefícios com os outros, sobretudo com os mais próximos e mais necessitados. Isso se aplica não apenas a bens materiais, mas também a recursos, competências e talentos.  Além disso, a autoridade política tem o direito, bem como o dever, de regular o exercício do direito de propriedade desde que seja em prol do bem comum. 

O respeito pelas pessoas e seus bens

A doutrina também enfatiza a importância do respeito pela dignidade humana em questões econômicas, exigindo a prática da temperança, da justiça e da solidariedade.  Isso envolve moderação em relação aos bens materiais e a proteção dos direitos alheios. O mandamento proíbe o roubo, ou seja, a apropriação injusta de bens alheios contra a vontade do proprietário. No entanto, a Igreja reconhece situações em que o uso de bens alheios é necessário para atender necessidades essenciais e urgentes (alimento, abrigo, vestuário…), desde que o consentimento não possa ser obtido e que seja em conformidade com a razão e o destino universal dos bens. 

Além do roubo, a doutrina aborda outras práticas moralmente ilícitas, como reter bens emprestados, cometer fraude no comércio, pagar salários injustos e especular com preços.  Assim também os trabalhos mal executados e os prejuízos causados em propriedades privadas violam o sétimo mandamento. Os contratos devem ser cumpridos com boa fé, e a justiça comutativa deve ser rigorosamente observada para proteger os direitos de propriedade e as obrigações livremente contraídas.

O ensinamento também ressalta a importância de respeitar a integridade da criação, incluindo o tratamento adequado dos animais e o uso responsável dos recursos naturais.  O sofrimento desnecessário dos animais é contrário à dignidade humana, assim como gastar recursos que deveriam aliviar a miséria das pessoas em cuidados excessivos aos animais. “Pode-se amar os animais, mas não deveria desviar-se para eles o afecto só devido às pessoas.” 

A doutrina social da Igreja sobre não roubar

A Igreja, ao cumprir sua missão de anunciar o Evangelho, revela a verdade sobre a dignidade humana, ensinando as exigências da justiça e da paz, de acordo com a revelação cristã e a sabedoria divina.  Por isso, ela emite julgamentos morais em questões econômicas e sociais quando se torna necessário proteger os direitos fundamentais das pessoas ou a salvação das almas. 

A doutrina social da Igreja se desenvolveu ao longo do tempo, especialmente no século XIX, à medida que os valores do Evangelho eram confrontados pela sociedade industrial moderna: “suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, o seu novo conceito de sociedade, de Estado e de autoridade, as suas novas formas de trabalho e de propriedade.” 

Essa mesma doutrina também oferece princípios de reflexão, critérios de julgamento e orientações para a ação, destacando a incompatibilidade de sistemas que reduzem as relações sociais a fatores econômicos e fazem do lucro o único objetivo da atividade econômica. 

Além disso, a Igreja também rejeita ideologias totalitárias e ateias, bem como o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano. Em vez disso, enfatiza a necessidade de uma regulação racional do mercado e das iniciativas econômicas, em busca do bem comum e de uma justa hierarquia de valores.

A atividade econômica e a justiça social

A atividade econômica deve, em primeiro lugar, atender às necessidades humanas, servindo o bem-estar da comunidade. O lucro e o poder não devem ser os únicos objetivos da vida econômica, que deve operar dentro dos limites da moral e da justiça social, de acordo com o plano divino. 

O trabalho é um dever e uma maneira de honrar os dons do Criador. Por isso, ele pode ser redentor quando suportado com fé e união a Cristo.  Além disso, o trabalho deve estar a serviço do homem, não o contrário, e cada pessoa tem direito à iniciativa econômica, desde que respeite regulamentações para o bem comum. 

O Estado tem a responsabilidade de garantir as liberdades individuais e a propriedade, além de orientar a aplicação dos direitos humanos no setor econômico. A responsabilidade social também recai sobre os líderes empresariais, que devem considerar o bem das pessoas e não apenas o lucro.

A doutrina enfatiza a não discriminação no acesso ao trabalho e a justiça na remuneração.  Sendo assim, a greve é legítima quando “se apresenta como recurso inevitável, em vista dum benefício proporcionado.”  No entanto, é injusta quando acompanhada de violência e objetivos contrários às condições de trabalho ou ao bem comum. 

Justiça e solidariedade entre as nações

A doutrina da Igreja reconhece a desigualdade econômica global e a necessidade de combater as disparidades. Nesse sentido, a solidariedade é essencial, sobretudo quando sistemas financeiros abusivos e relações comerciais injustas prejudicam o desenvolvimento de nações mais pobres. 

As nações ricas têm uma responsabilidade moral e justa em ajudar aquelas que não podem garantir seu próprio desenvolvimento, especialmente se o bem-estar das nações ricas depende de recursos não pagos de forma justa.

Além da ajuda direta, a reforma das instituições econômicas e financeiras internacionais é necessária para promover relações justas com países menos desenvolvidos.  A doutrina social da Igreja também enfatiza a importância do desenvolvimento humano completo, que inclui crescimento espiritual, diminuição da miséria e respeito pelas identidades culturais. 

A Igreja não interfere diretamente na política, mas encoraja os fiéis leigos a agirem em prol do bem comum e da justiça social. Ela procura, assim, promover a paz e a justiça em suas ações na sociedade e na vida dos fiéis. 

O amor dos pobres

O amor pelos pobres é parte fundamental da tradição da Igreja, além de ser inspirado nas bem-aventuranças e na vida de Jesus. Esse amor se estende além da pobreza material e abrange várias formas de carência, incluindo a cultural e religiosa. A doutrina destaca que o amor pelos pobres é incompatível com o apego excessivo às riquezas e seu uso egoísta. Além disso, ressalta a necessidade de justiça, advertindo contra a acumulação injusta de riquezas. As obras de misericórdia, tanto corporais quanto espirituais, são uma expressão da caridade cristã. Elas incluem ajudar os necessitados materialmente, bem como instruir, aconselhar, consolar e perdoar. A esmola dada aos pobres é considerada um ato de justiça e caridade que agrada a Deus. 

A miséria humana é um sinal da própria fraqueza humana e da necessidade de salvação, por isso, a Igreja sempre trabalhou para aliviar, defender e libertar os necessitados. Um exemplo disso são as suas inúmeras obras e instituições de caridade.  A tradição de ajudar os pobres remonta ao Antigo Testamento e é uma resposta à exortação de Deus para cuidar dos mais necessitados. Cristo reforçou a importância dessa responsabilidade, reconhecendo sua presença na pessoa dos pobres. 

Santo Tomás de Aquino sobre o mandamento Não roubar

Santo Tomás de Aquino aborda o mandamento de não roubar , enfatizando que esse preceito proíbe tomar injustamente algo que pertence a outra pessoa. Ele destaca diversas formas de roubo, incluindo o furto secreto, a apropriação violenta, a falta de pagamento de salários, a fraude no comércio e a usura.

O Doutor Angélico destaca a gravidade desse pecado, comparando-o ao homicídio, pois priva as pessoas de seus meios de vida. Além disso, aponta o risco envolvido, uma vez que o arrependimento não resolve completamente o problema, exigindo reparação, penitência e restituição. 

Ele comenta ainda sobre a inutilidade das riquezas obtidas de forma injusta, pois não são úteis espiritualmente e têm duração limitada. Também ressalta o dano causado pelo roubo, que afeta não apenas o pecador, mas também sua família que muitas vezes fica obrigada à restituição.

Santo Tomás de Aquino aborda detalhadamente o significado e as implicações do sétimo mandamento em suas catequeses, ressaltando a importância da justiça e da retidão nas relações com os bens materiais e com o próximo.

Referências

Ex 20, 15

Dt 5, 19

Mt 19, 16-18

Ef 4, 28

CIC, 2402

CIC, 2403

CIC, 2404

CIC, 2405

CIC, 2406

CIC, 2407

CIC, 2408

CIC, 2409

CIC, 2415

CIC, 2418

CIC, 2419

CIC, 2420

CIC, 2421

CIC, 2423-2424

CIC, 2425

CIC, 2426

CIC, 2427

CIC, 2428-2429

CIC, 2431-2432

CIC, 2433-2434

CIC, 2435

CIC, 2437-2438

CIC, 2439

CIC, 2440

CIC, 2441

CIC, 2442

CIC, 2444

CIC, 2445

CIC, 2446

CIC, 2448-2449

CIC, 2449

Santo Tomás de Aquino, Catequeses. Tradução: Tiago Gadotti — 1. ed. — Dois Irmãos, RS p.207

Santo Tomás de Aquino, Catequeses. Tradução: Tiago Gadotti — 1. ed. — Dois Irmãos, RS : p.209

Fernando Vanini de Maria

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem

"A leitura abre as janelas do entendimento e desperta do sono a sabedoria"