A DIFERENÇA ENTRE DEVOÇÃO E DEVOCIONISMO.

 


Ao longo da história humana, o vocábulo “devoção” assumiu múltiplos significados e usos. Porém, em sua origem, o termo “ devoção” está ligado à sua raiz latina voveo, devoveo, exprimindo a atitude de consagração , oblação ou sacrifício com que se oferece uma homenagem à autoridade divina ou humana ( deuses, imperadores e senhores), a fim de torna-la favorável, propícia. Contudo, embora o termo “ devoção “ seja utilizado no contexto civil, seu emprego é mais comum no contexto religioso. No Cristianismo Primitivo, desde Lactâncio até Santo Agostinho, o termo “ devoção “ tem o seu uso relacionado com o culto divino, indicando uma atitude especial de oblação, de respeito, de reverência e atenção que acompanha todo o ato religioso. Stricto sensu, significa uma consagração pessoal ao serviço divino ou à vida religiosa. Lato sensu, indica as disposições permanentes de serviço prestado a Deus, de dedicação convicta e generosa ao cumprimento de sua vontade, até a submissão fervorosa e total à lei de deus. Na Idade Média, desenvolveu-se o sentido mais complexo  da “ devoção cristã “ , compreendida com sendo o conjunto de todos os exercícios virtuosos, o fervor da caridade, o afeto que nasce da meditação dos mistérios de Deus. Ela tem como objeto principal de atenção e veneração os mistérios da Humanidade de Cristo, da Virgem Maria e dos santos, e dos objetos e lugares santos.

Santo Tomás de Aquino encarregou-se de desenvolver uma teologia do conceito de “devoção “ ao tratar da virtude da religião. Santo Tomás apresenta a devoção como sendo um ato especial da vontade e uma ação especifica da virtude da religião, mediante a qual o homem se doa a Deus para dedicar-se a algumas obras do culto divino. Ele distingue duas causas da devoção. Uma principal , que é a ação de Deus, e a outra secundária, que pode ser, por parte da pessoa, o esforço de doação a Deus. Assim, Santo Tomás define a devoção como sendo um ato da vontade que tem como fim a pronta entrega da pessoa ao serviço de Deus. A devoção supõe, então a consideração da bondade de Deus e de seus benefícios, e a consciência da indigência humana. São os bens de Deus e a manifestação de seu amor, como também  a consideração da Santa Humanidade de Cristo, que suscitam o amor e a devoção, fazendo surgir como um dos efeitos da devoção a alegria espiritual. Com o fim da Idade média e surgimento da Idade Moderna, nasce a chamada devotio moderna, firmada na linha afetiva que deriva de Santo Agostinho, que acentua um cristocentrismo  prático, enfatizando a Humanidade Cristo, em torno da qual se orienta a vida espiritual, em tom ético, prático e concreto, objetivando a imitação dos exemplos de Cristo. Elementos constitutivos da devoção moderna são , ainda, a oração metódica, o exame de consciência, a leitura e meditação da palavra de Deus. Outros traços marcantes da devoção moderna são revelados por uma espiritualidade marcadamente afetiva, acentuado o fervor, a oração e o desejo de Deus, valorização da interioridade, da vida ética e moral, da ascese, da moderação das penitências, do realismo da vida espiritual. Ao devoto importa mais uma vida virtuosa realmente vivida, em contraposição a uma teologia fortemente especulativa e racionalista.

A degenerescência da devoção é o que se denomina de devocionismo, quando deixando de lado os elementos constitutivos essenciais da verdadeira devoção, acentua-se apenas os seus aspectos secundários, desvirtuando-a de sua finalidade. Quando o mistério de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, é negado ou abandonado, a verdadeira devoção cristã corre o risco de tornar-se Devocionismo, ou seja, um tipo de prática religiosa estéril que se reveste de ritualismo, legalismo, moralismo, subjetivismo e individualismo. O Devocionismo afasta o homem da real experiência de encontro com o Deus vivo e verdadeiro, com a pessoa de Cristo Ressucitado, e aproxima o ser humano dos seus próprios ídolos, isto é , dos deuses de bolso, fabricados por conceitos equivocados e ideias falsas sobre Deus. Enquanto na verdadeira devoção o homem é convidado a se apresenta livremente para servir a Deus, no Devocionismo ,é Deus que é intimado e forçado a servir o homem.


Fernando vanini de maria

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