MARIA DE NAZARÉ À LUZ DA MARIOLOGIA DESENVOLVIDA À PARTIR DO CONCÍLIO VATICANO II.

 

"Maria, por fim, não é equiparada a Deus. Muito pelo contrário, ela é uma de nós, humana, peregrina e aberta à ação de Deus, necessitada de Deus. Entretanto, é inegável que ela ocupa um lugar especial nessa colaboração tão fraterna e bonita que chamamos de comunhão dos santos",


A figura de Maria é, seguramente, exemplo de discipulado e de crescimento na fé. O seu “sim” firme a Deus que lhe interpela pelo anjo Gabriel (cf. Lc 1, 26-38) não foi seguido de facilidades e privilégios que a blindaram de dores e dúvidas. Pelo contrário, ela foi uma mulher que fazia um profundo exercício de ouvir, acolher e meditar a Palavra de Deus em seu coração (cf. Lc 2, 19.39.51). Sem isso, ela não produziria frutos. Isso é sinal de que Maria foi tomando consciência gradativamente do mistério que a envolveu e, tal como seu filho Jesus, pode-se dizer que Maria também cresceu, na fé, em sabedoria, graça e “estatura” espiritual. Sua humanidade contribuiu intensa e inevitavelmente à graça de Deus (cf. Lc 2, 48-52). O Capítulo VIII da Lumen Gentium é riquíssimo em reflexões sobre a figura de Maria, em dinâmica pastoral e espiritual, sob a ótica da eclesiologia, da cristologia e da antropologia teológica. É louvável a imensa valorização e o intenso amor que toda a Igreja nutre por Maria, mas também são inegáveis que, ao longo da história, alguns exageros ou desdenhos apareceram. O professor Murad (2012, p. 17-23) fala de “maximalismos” e de “minimalismos” ocorridos e que foram devidamente considerados pelo Concílio Vaticano II, desmontando uma “mariologia armada somente sobre devoções, silogismos e argumentos de conveniência” . Além disso, diante de um extremo “minimalismo mariano” desenvolvido na década de 1970, a Exortação Apostólica Marialis Cultus de Paulo VI também foi fundamental para a “retomada da mariologia” e para a “renovação do culto a Maria” . Cita-se também a Encíclica Redemptoris Mater (1987) e a Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae (2002), de João Paulo II. Importantes orientações sobre a devoção mariana, bem como sobre a figura de Maria como exemplo de pessoa humana e de discípula e missionária, foram também manifestas pelo Documento de Aparecida (n. 258-272), enfatizando que ela é “discípula perfeita do Senhor”, vivendo completamente o caminho da fé, “sem estar livre da incompreensão e da busca constante do projeto do Pai” (n. 266).A reverência a Maria é dado marcadamente cristão, expressando um reconhecimento cada vez mais claro de sua contribuição ao plano de salvação, sendo “casa da Palavra de Deus” . Maria tem seus pensamentos ,em sintonia com os pensamentos de Deus, seu querer é querer junto com Deus. Estando intimamente penetrada pela Palavra de Deus, Ela pode chegar a ser mãe da Palavra encarnada (Deus caritas est, 41; DAp, 271). Rezando com Maria, portanto, podemos “contemplar a beleza do rosto de Cristo e a experimentar a profundidade de seu amor” (Rosarium Virginis Mariae, 1; DAp, 271). Voltando ao capítulo VIII da Constituição Dogmática Lumen Gentium, dedicado à Virgem Maria, ele é a mais importante referência do magistério da Igreja Católica a respeito da mãe de Jesus. Seu ensinamento está expresso nos números 52 a 69 da referida Constituição Conciliar. Situando Maria na comunhão dos santos e no mistério da Igreja e de Cristo, e não de forma isolada, é traçado o seu perfil bíblico e sua missão na história da salvação, bem como as balizas pastorais para o seu culto na Igreja. O documento recomenda vivamente “o culto a Maria, evitando tantos os exageros quanto a demasiada estreiteza de espírito. A verdadeira devoção a Maria não consiste num estéril e transitório afeto, nem numa vã credulidade, mas no reconhecimento da figura de Maria no seguimento de suas virtudes” (LG, 67). Esta Constituição Dogmática, com profunda expressão de zelo pastoral e de trato teológico, muito contribui para uma sadia vivência da espiritualidade mariana, pois estabelece “as bases teológicas necessárias para superar a ambiguidade de títulos marianos, como ‘medianeira’ e ‘corredentora’. Sem meias palavras, reafirma-se o dado bíblico central: ‘Jesus é o único mediador’. Maria e os santos cooperam na missão salvífica de Jesus. Maria é simultaneamente membro, mãe e protótipo da Igreja. Alerta sobre os equívocos dos extremos do minimalismo (subtrair a presença de Maria do cotidiano dos católicos) e do maximalismo (devocionismo que se afasta da centralidade de Jesus). Nem toda forma de devoção mariana é aceita pela Igreja. Neste sentido, compreende-se a profunda validade do sentido rezar com Maria. Este ato insere-se de modo especial na profissão de fé da Igreja na comunhão dos santos que se realiza no mistério da vivência comunitária-eclesial. O catolicismo crê na comum participação de todos os membros da Igreja nas coisas santas (vínculo indispensável e distintivo da caridade) e na comunhão entre as pessoas santas por Cristo (união fraterna da igreja militante com a padecente e a triunfante, e vice-versa) e a união delas a Cristo. Os santos canonizados continuam a colaborar de forma especial na missão de Jesus. Os cristãos podem contar com a ajuda deles, através de seu exemplo de vida, seus ensinamentos e também com sua oração de intercessão. Eles são nossos companheiros de caminho rumo a Deus. O culto à Virgem Maria e aos santos, então, é justificável. “É um culto singular, mas difere essencialmente do culto de adoração prestado somente à Santíssima Trindade.  Venerando a memória dos santos, esperamos fazer parte da sociedade deles; suspiramos pelo Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo” (Catecismo da Igreja Católica, 971; 1090). Isso significa que “podemos recorrer a Maria e aos outros santos, mas não temos a obrigação de fazê-lo. Os santos prestam um serviço, pois colaboram na única ação salvadora de Jesus Cristo. O cristão católico adora somente a Deus . Os santos são como riachos ou afluentes que conduzem ao grande rio que é Jesus. Acorrendo-nos a Maria, ouvimos dela: “Fazei tudo o que Ele vos disser!” (Jo 2, 5). Como bem exortou o papa Paulo VI na Marialis Cultus, quatro critérios são importantes para uma compreensão integral de Maria e uma sadia vivência da devoção mariana:

 1) critério bíblico (cf. MC, 30-31), exigindo que o culto seja permeado pelos grandes temas da mensagem cristã;

 2) critério litúrgico (cf. MC, 31), harmonizando-se com os ciclos litúrgicos, ajudando a melhor vivê-los e a aprofundar no Memorial do Senhor;

3) critério da sensibilidade ecumênica (cf. MC, 32-33), evitando exageros que possam induzir a erros interpretativos e que atrapalhem o avanço no urgente caminho da unidade cristã;

4) critério antropológico (cf. MC, 34-37), compreendendo bem os aspectos socioculturais do tempo de Maria, evitando anacronismos e descobrindo as razões que fazem de Maria um modelo de ser humano também para os homens e mulheres de hoje.

Esses critérios são importantes para não transformarmos o olhar espiritual e teológico sobre Maria em um olhar idealista e desencarnado. Maria foi uma mulher concreta, situada em uma concretude histórica, humana; suas atitudes e as palavras que os autores bíblicos colocam em sua boca manifestam temas e situações bastante caros à Sagrada Escritura como um todo, nos ajudando a compreender a nossa própria realidade existencial pela ótica do mistério de Deus.


Em Maria podemos depreender uma verdadeira doutrina social, pois a figura da Virgem Santíssima não desilude algumas aspirações profundas dos homens do nosso tempo e oferece o modelo acabado do discípulo do Senhor: obreiro da cidade terrena e temporal, e, simultaneamente, peregrino solerte também, em direção à cidade celeste e eterna; promotor da justiça que liberta o oprimido e da caridade que socorre o necessitado, mas, sobretudo, testemunha operosa do amor, que educa Cristo nos coraçõe (MC, 37). Ao que conclui Paulo VI: “a finalidade última do culto à bem-aventurada Virgem Maria é glorificar a Deus e levar os cristãos a aplicarem-se numa vida absolutamente conforme a sua vontade” (MC, 39).  Maria, por fim, não é equiparada a Deus. Muito pelo contrário, ela é uma de nós, humana, peregrina e aberta à ação de Deus, necessitada de Deus. Entretanto, é inegável que ela ocupa um lugar especial nessa colaboração tão fraterna e bonita que chamamos de comunhão dos santos.  A Constituição Lumen Gentium dá uma importante orientação para a vivência de uma espiritualidade que dá espaço para Maria: ela “ocupa depois de Cristo o lugar mais elevado e também o mais próximo de nós” (LG, 54). Ela, portanto, muito auxilia a Igreja na sua vivência de fé, inspira sua solicitude pastoral e nos leva, de modo singular e diferenciado, à contemplação do rosto de Cristo. Nela tudo fala de Deus e nos eleva a Ele, como ela mesma assim o foi: “imagem e início da Igreja que se há de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor” (LG, 68).

Fernando vanini de maria

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem

"A leitura abre as janelas do entendimento e desperta do sono a sabedoria"