RESUMO
O intuito deste artigo é
apresentar uma análise sobre a importância do conceito fé e razão, ao longo da
história, mas principalmente sob olhar de São Tomás de Aquino, na busca do
conhecimento verdadeiro e este como causa primeira para o alcance da felicidade
humana. Estes conceitos para alguns são caminhos opostos enquanto a outros
produzem harmonia e caminham juntas. Na obra: “Como vejo o mundo”, Albert
Einstein faz uma perfeita síntese: “Quem diz que a religião não se harmoniza
com a ciência é ignorante tanto de uma, quanto de outra”.
Palavras chaves: Fé, razão,
verdade e felicidade.
1 INTRODUÇÃO Esta duologia,
considerada um conflito perdura desde quando o homem principiou suas reflexões,
portanto desde o início da humanidade e do conhecimento. Na filosofia é um
desafio trabalhar este tema e delimitar o espaço temporal é necessário, pois
podemos encontrar esse tema desde os primeiros filósofos, da natureza, quando
houve a ruptura entre mito e logos. Tal antagonismo é de tal proporção que
vários filósofos na Grécia antiga, como Anaxágoras, Pitágoras e Tales foram
obrigados por Atenas a fugir para não serem condenados, sem contar Sócrates que
foi condenado ao suicídio por suspeita de conceber novo deus e impiedade. Já na
era cristã Giordano Bruno foi condenado a morte na fogueira pela inquisição
romana por opiniões contrárias à fé cristã. A filosofia é concebida pelo debate
entre mitos e logos, portanto, é o resultado deste embate e traz consigo essa
modalidade de otimizar “reflexões”, entre elas a questão fé e razão e a
necessidade de superar preconceitos racionalizando o conhecimento. A chamada fé
cega nos ensinamentos de Hesíodo e Homero obedecidos pelos gregos antigos
sempre pautou por mitos. No decorrer da história poderíamos pautar este artigo
em vários outros pensadores como Paulo de Tarso, Agostinho de Hipona ou outros
considerados doutores da igreja (católica). Focamos esta reflexão em São Tomás
de Aquino, não menor que nenhum outro, considerado “doutor angélico”, devido ao
alto grau de conhecimento sobre “o homem e Deus”. É a partir de suas
concepções, escritos e reflexões que pautaremos a duologia fé e razão, não
desconsiderando outros pensadores que contribuíram para o conhecimento e a
compreensão destes fenômenos próprios e únicos ao homem, que unidos ou
separados sempre farão parte do ser humano, “fé” e “razão”.
2- REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 FÉ E RAZÃO As discussões
relativas ao embate entre os conhecimentos hauridos da fé e os da razão se
manifestaram ainda na Grécia antiga quando instaurou a ruptura entre mitos e 3
logos, onde vemos perseguições e condenações. Em Platão iniciamos a perspectiva
dessa unidade: “Mais que expressão de fantasia, o mito é expressão de fé e
crença. O mito procura clarificação no logos, e o logos busca complementação no
mito. Ao chegar, a razão em limites extremos de suas possibilidades, confia à
força do mito a tarefa de superar intuitivamente esses limites. Elevando o
espírito a uma visão ou, pelo menos, a uma tensão transcendente” (2003, p. 136).
Portanto, ao longo da história da cultura
ocidental, sempre houve a dificuldade e a busca em estabelecer uma relação
entre as duas formas do conhecimento. Nesse período, a começar da Grécia
antiga, muito foi discutido sobre essa relação e destacamos a idade média onde
buscou dar razões à fé. “Durante esse período o pensamento cristão
desenvolveu-se no meio da cultura antiga, no império romano, confrontando-se
com a cultura Grega” (ZILLES, 1996, p.7).
Os defensores de uma sempre
consideravam a outra incorreta. Ora o logos, ora a fé, não entendem que
caminham na mesma direção. Não conseguem lançar um olhar profícuo sobre a
outra, sobre seus objetivos, pois ambas buscam o conhecimento verdadeiro e a
felicidade do homem. Não podemos pensar que a ciência explica tudo e tem
respostas para todas as questões, pois, nem tudo pode ser provado em
laboratório e o cientista não pode ser radical ou arrogante. Também a fé deve
ser tolerante para com as pesquisas. Quando falamos de fé, parece que
abrangemos a totalidade da igreja, ledo engano, pois dentro da igreja há várias
linhas de pensamento. Assim como também há muitos cientistas que aliam
eficazmente fé, razão, ciência e religião. Karol Woittila, João Paulo ll, na
décima segunda encíclica de 14 de dezembro de 1998, Fides ET Ratio, assim diz
ao tratar dessa duologia: “A fé e a razão, constituem como que as duas asas
pelas quais o espírito humano se eleva para contemplação da verdade.
Foi Deus quem colocou no homem o desejo de
conhecer a verdade, de O conhecer para que conhecendo-O e amando-O possa chegar
à verdade plena sobre si próprio” Por caminhos diferentes ambas direcionam ao
mesmo destino. Por esse mesmo direcionamento é que elas não se opõem, pois seus
objetivos são os mesmos que é o conhecimento verdadeiro e a felicidade do
homem. Se pensarmos que separadas elas muito oferecem ao homem, é claro que
unidas poderão objetivar ao ser humano muito mais conhecimento, sem falácias,
sendo capazes de oferecer ao homem o que mais busca: a felicidade. Elas não são
idênticas. O conhecimento delas obtidos vem por vias diferentes. Na ciência o
conhecimento advém de experiência e evidências. A fé pela revelação coloca os
meios necessários de obter a verdade e a felicidade. Ambas não oferecem um
resultado final conclusivo. Estão abertas aos debates, diferentes do que muitos
falam sobre a fé. Inclusive é interessante ressaltar que todo homem possui fé
natural que o move para novos ideais, novos rumos, instigando-o ao
conhecimento. O caminho a percorrer, em sentido único e que viabilize o
conhecimento verdadeiro só acontece pela fé na certeza de crenças corretas e
racionais, indicando o rumo que o leve à felicidade e bem-estar social. Esta é
a finalidade da dualidade fé e razão. Uma direciona a outra. A razão a leva
pelo caminho certo, e a fé assegura a certeza do final feliz, do encontro da
verdade. Se quebrar uma das asas, se erra o caminho, a certeza dará lugar à dúvida
que é a falta da razão ou da fé. O cientista quando começa a pensar os meios
possíveis para descoberta de um novo medicamento, por exemplo, deverá buscar
vias corretas, por meio da fé e da razão, para que as experiências sejam
eficazes. As observações serão minuciosamente refletidas para ter a certeza do
verdadeiro caminho. A fé é guia e estímulo da razão. A razão as vias corretas
da busca do conhecimento e das novas descobertas, ambas sem falácias. Fé e
razão são as bases de sustentabilidade da verdade. É necessário pensar e
raciocinar com fé para se chegar ao conhecimento verdadeiro, que possa levar o
homem à sua maior esperança que é a Felicidade.
2.2 FÉ E RAZÃO EM SÃO TOMÁS DE AQUINO
Tomás de Aquino é considerado um doutor, além
de um Santo na igreja católica. O abandono às coisas materiais marcou a vida
deste jovem. Nasceu em março de 1225 no castelo de Rocassica, na cidade de
Aquino na Itália. Foi educado, a partir de cinco anos por monges beneditinos,
uma congregação religiosa fundada por bento de Núrcia. Após concluir os estudos
conheceu os dominicanos, outra congregação religiosa fundada por Domingos de
Gusmão, decidindo se transferir para esta ordem, para desespero de seus pais
que eram de posses, pois era uma ordem mendicante e cuidava dos pobres e
doentes abandonados. Foi transferido para Paris, devido a essas desavenças
familiares, mas de lá foi retirado à força e trazido para o castelo paterno,
mas nem essa vida rica tirou –lhe a vontade de seguir a vida religiosa. Após
dois anos sua mãe Teodora concordou em libertá-lo, deixando-o seguir para o
convênio de Nápoles. Tomás voltou então para Paris e de lá para Colônia na
Alemanha onde foi discípulo de Alberto Magno. Lá aguçou seu espírito
filosófico. Com Alberto Magno aprendeu que a vida de um ser racional é fazer de
sua inteligência uma ascensão para chegar aos mais altos conhecimentos
inteligíveis da alma e de Deus. A vida de Tomás foi dentro do cenário cultural,
como professor em Paris, onde obteve o título de mestre e doutor e como
escritor de inúmeras obras, entre elas destacam-se duas sumas: a suma contra os
gentios e a suma teológica. Em 07 de março de 1274, a caminho do concílio de
Lion, falece no mosteiro de Fossanova. Pela sua vida simples e dedicada a Deus,
a os estudos e aos escritos, obtém reconhecimento da igreja e da posteridade,
pelos benefícios deixados principalmente à igreja, que o declarou patrono das
escolas católicas, através Leão XIII, o então papa, em 1879. É conhecido também
como doutor angélico, pela culminância espiritual que atingiu e a busca
continua da perfeição. Tratou não só de religião, mas de vários assuntos, como
política, verdade, intelecto e conhecimento.
Tomás busca na filosofia Aristotélica o
alicerce para sua filosofia em conjunção com os princípios e necessidades da
igreja. Atribui um papel especial à razão e alia à fé para serem protagonistas
do conhecimento verdadeiro que produz felicidade. Contudo elas utilizam um
processo cognitivo diferente. A razão acolhe a verdade por força da evidência
enquanto a fé se baseia na palavra de Deus revelada. Sendo que ambas, provém da
mesma fonte: o logos Divino. No início da Suma Teológica São Tomás diz que: “Há
dois gêneros de ciências. Umas partem de princípios conhecidos à luz natural do
intelecto, como a aritmética, a geometria e semelhantes. Outras de princípios
conhecidos mediante uma ciência superior, com a perspectiva, de princípios
explicados na geometria, e a música, de princípios aritméticos. E deste modo é
ciência a doutrina sagrada (isto é, a teologia), pois deriva de princípios
conhecidos â luz de uma ciência superior, a saber: a de Deus e dos Santos”.
Essa distinção assegura a autonomia tanto das ciências humanas quanto das
ciências teológicas. Não equivale a separação, mas sim, uma mútua e benéfica
cooperação. A fé protege a razão de possíveis desconfianças na própria
capacidade, incentiva-a, enfrenta novos e amplos horizontes mantendo viva a
busca de fundamentos, enquanto a razão é a aplicação inclusive na esfera
sobrenatural entre Deus e o homem. E assim Tomás continua sua narrativa na Suma
Teológica: “A razão pode iniciar a afirmação da existência de um único Deus,
mas somente a fé, como acolhedora da revelação divina, é capaz de alcançar o
mistério do amor de Deus uno e trino”.
Não é só a fé que auxilia a razão. A razão com
seu aparato é importante à fé; podendo segundo a narrativa de São Tomás de
Aquino: “Demonstrar os fundamentos da fé; explicar as verdades da fé, rejeitar
as objeções que se levantam contra a fé”. A teologia é na realidade o exercício
desse esforço em mostrar a inteligibilidade da fé, sua articulação e harmonia
interna, sua capacidade de promover o bem-estar humano. A exatidão de
raciocínio e linguagem segundo São Tomás, evidenciará a compreensão de que a
distância entre Deus e o homem, o Ser criador e a criatura - é infinita; mesmo
com todas as diferenças, existe uma analogia entre o ser criado e o Ser criador
que nos permite falar com palavras humanas sobre Ele. Pela revelação Deus fala
a nós e nos autoriza a falar Dele. Com São Tomás estamos convencidos de que
podemos unir religião, fé e razão, e podemos conhecer e falar sobre Deus,
conhece sem acabar com a natureza, conhecer a mim, ao outro em todos os
aspectos e dimensões. À luz dos ensinamentos de São Tomás, podemos Identificar
que razão e fé (cristã) estão aliadas no processo de recebimento da graça de
Deus, que aperfeiçoa o ser humano na busca da felicidade, onde todo ser humano
é transformado e purificado. É o simples processo no qual o homem a cada dia
procura ser melhor. Na Suma Teológica São Tomás irá nos dizer: “se a graça é
mais eficaz que a natureza, todavia a natureza é mais essencial para o homem” e
à razão é dada o poder de discernir a lei moral natural; o que é bom e o que
deve ser evitado para obter a felicidade e o bem comum, uma responsabilidade
para consigo próprio e também para com o outro. São Tomás dispõe à razão um
conceito amplo e confiante. Amplo por não possuir limites com a razão
empírico-científica, mas aberto às questões fundamentais da existência humana.
Confiante porque, principalmente quando acolhe a fé cristã, promove uma
civilização que reconhece a dignidade da pessoa humana, seus direitos e seus
deveres. Sua doutrina é voltada à inviolabilidade dos direitos da pessoa humana
que assim a define na Suma Teológica: “o que há de mais perfeito em toda a
natureza, isto é, um sujeito subsistente em uma natureza racional”. A profundidade do pensamento Aquiniano flui da
fé, que unida à razão, o fará aproximar cada vez mais de Deus ou até possuí-lo.
Na segunda parte da Suma Teológica São Tomás trata do ser humano que não saiu
pronto das mãos de Deus, mas capaz de se fazer e fazer o seu mundo, de escolher
o que ele quer fazer ser. Isso o ser humano pode, porque é dotado de intelecto,
de decisão livre e de autodomínio. O ser humano se faz e faz o seu mundo.
2.3 A RAZÃO EM DEFESA DA FÉ
A idade média é marcada
filosoficamente pelo encontro entre a filosofia grega e a religião, com raízes
religiosas no judaísmo e no islamismo. Mesmo sendo em parte unida à filosofia,
não podemos considerar o cristianismo como filosofia, mas sim como religião, e
como tal, possui sua própria literatura e própria moral. Com o sincretismo,
onde atrelou e fundiu ideias, entre conhecimento clássico e religião, os
filósofos preocuparam-se em fornecer argumentos racionais para justificar
verdades reveladas pela igreja cristã. Entre tais verdades destacam-se a
existência de Deus e a imortalidade da alma. A filosofia toma a proporção de
defesa da igreja cristã diante das diversas críticas e reunia os resultados dos
apóstolos, principalmente Paulo, e dos padres da igreja, conciliando a
filosofia com a nova religião. O ponto de encontro da igreja com a filosofia
foi a necessidade da religião cristã, ter uma estrutura intelectual sólida para
responder aos adversários e conceder aos adeptos um legado intelectual para o
debate, através de argumentações seguras da chamada filosofia cristã, que
posteriormente passou a se chamar Teologia. A filosofia cristã jamais será como
a grega, por exemplo, buscando a verdade, pois na filosofia cristã a verdade é
revelada por Deus aos homens. O filósofo cristão tinha a incumbência de
decifrar a revelação, pela fé, pois a razão era incapaz de fazer, devido a
grandeza do objeto da revelação.
A idade média construiu assim uma filosofia
reflexiva, original e fecunda, alicerçada na teologia, tendo a razão como
coadjuvante na busca de Deus; Há diferenças e não oposições entre verdades da
razão e verdades da revelação; a razão humana é uma expressão imperfeita da
razão Divina e a ele é subordinada. Assim, as verdades reveladas estão acima da
capacidade natural da razão, mas nunca contrário a ela. Em Tomás de Aquino,
vemos a busca radical e racional pela fé, pois a revelação, devido a limitações
humanas, não se apresenta clara, ocorrendo várias incompreensões. A filosofia
medieval, emoldurada na fé e na razão, possui autoridade de argumentos que
unida a autoridade especial da Sagrada Escritura e dos ensinamentos da igreja,
formam a base verdadeira para as soluções dos problemas da época que irão
repercutir nas filosofias posteriores, principalmente na dialética de separar o
falso do verdadeiro, sem hipótese de erro. Assim a igreja organizou a defesa de
seus dogmas, como o da Eucaristia, o poder e a autoridade do papa como
representante de toda igreja, a revelação de Deus aos homens, o poder da fé
sobre a razão como ponto de partida para uma investigação racional e a fé
lançando luzes nas mesmas decisões racionais. Anselmo, natural de Aosta
(1033-1109) apresentava no monologium, que: “o exercício racional não deve ser
temido, ao contrário, é motivo de alegria”. Afirma a prioridade à fé, mas não
teme garantir que, para quem se firmou na fé, não há inconvenientes em buscar
uma compreensão racional daquilo em que acredita. Por isso, não hesita em fazer
da dialética, ou, da filosofia, particularmente em seu monologium, mostrando
que a argumentação racional, fundada na fé, em nada contradiz a autoridade,
seja dos padres da igreja, seja a das Sagradas escrituras.
2.4 RELIGIÃO E CIÊNCIA
CAMINHOS QUE SE ENCONTRAM O fim da idade média
traz um momento ideológico e intelectual, que marcou a Europa, denominado
Renascença. É o interesse em renascer conhecimentos e fatos esquecidos ou
abandonados que tragam maior liberdade e uma curiosidade viva sobre a natureza,
a arte e a ciência. Artistas como Leonardo da Vinci e Michelangelo inspiram novas ideias à arte, não só na Itália, mas em
toda a Europa. A descoberta da imprensa contribui para difundir a literatura e
os novos conhecimentos. A descoberta de terras desconhecidas e o progresso do
comércio estimulam ainda mais o conhecer. É a transição da idade média para o
renascimento. Nasce uma “nova fé”: na razão e no individualismo, tendo o homem
como centro de todas as atenções. O renascimento traz consigo a vontade de uma
ciência experimental, do conhecimento racional, e uma sociedade liberal e não
submetida ao jugo da igreja ou da monarquia, sem escravos e sem desigualdades.
Surgem pensadores que foram fundamentais a ciência moderna, seja pelo exercício
da racionalidade ou pelo uso da experiência, tendo o homem como o centro do
pensamento e idealizador do seu destino, mesmo assim, não destronam Deus, seu
poder e sua importância para cada pessoa. A oposição entre ciência e religião
encontrava seu ápice, na esfera cosmológica, e significantes foram as
descobertas que fez com que a igreja se insurgisse contra os cientistas que se
arriscavam a dar continuidade em tais teorias, opondo-se à pregação da igreja.
Mesmo assim a fé na razão fez com que grandes nomes como: Francis Bacon,
Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Isaac Newton, René Descartes, deixassem
para a posteridade uma vasta e diversificada linhagem cientifica, que hoje a
própria igreja reconhece como verdadeira. Karol Woittila, na Fides et Racio,
coloca a importância da filosofia nas respostas aos questionamentos referentes
à vida: “Basta um simples olha pela história antiga para vermos com toda a
clareza como surgiram em diversas partes da terra, animadas por culturas
diferentes, as questões fundamentais que caracterizam o percurso da existência
humana: Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que é
que existirá depois desta vida? Estas perguntas encontram-se nos escritos
sagrados de Israel, mas aparecem também nos Vedas e no Avestá, achamo-lo tanto
nos escritos de Confúcio e Lao-Tze, como na pregação de Tirtankara e Buda, e
assomam ainda quer nos poemas de Homero
e nas tragédias de Eurípedes e Sófocles, quer nos tratados filosóficos de
Platão e Aristóteles. (...) Tais perguntas dependem efetivamente da orientação
que se imprime à existência. Variadas são os recursos que o homem possui para
progredir no conhecimento da verdade, tornando assim cada vez mais humana a sua
existência. Dentre eles sobressai a filosofia, cujo contributo específico é
colocar a questão do sentido da vida e esboçar a resposta: constitui, pois, uma
das tarefas mais nobres da humanidade. Efetivamente a filosofia nasceu e
começou a desenvolver-se, quando o homem principiou a interrogar-se sobre o
porquê das coisas e seu fim. Ela demonstra, de diferentes formas, que o desejo
da verdade pertence a própria natureza do homem e interrogar-se sobre o porquê
das coisas é propriedade natural da razão, embora as respostas, que aos poucos
vai dando, se integram num horizonte que evidencia a complementaridade das
diferentes culturas onde o homem vive” A ciência apoia a religião, liberta o
indivíduo da ignorância e faz com que ele pense de forma mais consciente,
amplia seu pensamento e o faz captar os sinais de Deus no universo. Se a
ciência oferece ao homem o conhecimento das leis do mundo natural, a fé o
transporta à transcendência do mundo sobrenatural. Fé com razão é aceitar e
acreditar compreendendo. Quem não entende não pode crer! Render-se a qualquer
conceito, mesmo dogmática, sem examinar minuciosamente até compreender, é
infantilidade, é crer sem saber no que crê. Desprovida da racionalidade a fé
corre risco de derivar-se à superstição, perdendo sua universalidade.
2.5 FÉ, RAZÃO, COMUNICAÇÃO E
FELICIDADE
Há na atualidade um grande
crescimento dos meios de comunicação que vem fazendo parte da população escrava
e alienada, sem se interessarem na busca do conhecimento verdadeiro. Estes
manipulam a formação e cultura social, gerando lucros e promovendo o
mercantilismo até mesmo em nome de Deus ou da fé. O homem se torna submisso e
dependente do progresso tecnológico e reduzidos a simples estatísticas. Aqui
defrontamos com o alerta de Woittila, na Fides et Racio: “A quebra de uma das
asas, fé ou razão, conduz o homem á subvida, faz alguns pensarem somente em si,
aumentar seus bens, tirar do outro, até valendo-se da fé, usando-a para
usufruto próprio” Ciência e fé exercem hoje um papel preponderante na educação
da sociedade. Racionalizar a fé para trazer ao homem moderno a felicidade será
papel de cada pessoa. Os meios de comunicação e a mídia devem estar a serviço e
benefício do homem, não somente de alguns, onde todos tenham acesso à cultura e
aos bens necessários para que cada indivíduo busque a sua felicidade. Fé e razão,
verdade e autenticidade, são temas que parecem desconexos com nossa realidade,
a chamada era digital, um fenômeno que atinge o ser humano em todas as suas
dimensões. É necessário e inquestionável que toda essa tecnologia esteja a
serviço do homem, como fonte de conhecimento e verdade, uma tecnologia
antropocêntrica, que auxilie o homem nas suas necessidades pessoais. Na ânsia
de aproximar da fé a razão, encontramos nas palavras de Woittila, uma
verdadeira apologia à razão, restaurando o racionalismo e sua filosofia: “A luz
da razão e a luz da fé, provém ambas de Deus. Por isso não podem contradizer
entre si. A natureza, como objeto da filosofia, pode contribuir para
compreensão da revelação divina. Desse modo, a fé não teme a razão, mas
solicita-a e confia nela (...) Esta, iluminada pela fé, fica liberta das
fraquezas e limitações e recebe as forças necessárias para elevar-se ao
conhecimento do mistério” (1998, p. 20) .
Apesar de ser uma fonte, muitas vezes não
confiável, os meios digitais deverão ser tecnoguiados pela Fé e pela Razão,
para então obter a verdade, uma ou outra sendo intermediária da felicidade.
Reale irá dizer que: “o homem é o verdadeiro artífice de sua própria felicidade
ou infelicidade” (2003, p. 98). São Tomás identifica a felicidade completa com
a atitude e coloca dois pontos para o alcance desta. Na primeira acepção a
felicidade pode ser alcançada aqui na terra parcialmente e na segunda acepção
plenamente por comtemplar a fonte da felicidade que é Deus. Segundo o
Aquiniano: “Nada pode fazer a vontade do homem senão o bem universal. Hora,
disto não é capaz nenhum ser criado, pois só em Deus se encontra a felicidade”
(1980, p.1045) A felicidade terrena é provisória e só há nesta vida semelhanças
da verdadeira felicidade, mas o homem está dotado de conhecimento natural capaz
de elevá-lo à visão intelectual da substância divina. A felicidade completa
exclui todo o mal e satisfaz todos os desejos. São Tomás recusa identificar a
felicidade com prazeres corporais e a aproxima das virtudes. Aristóteles, ao
lhe perguntarem o que é felicidade, expõe: “Para a maior parte dos homens são
os bens materiais, o prazer ou o sucesso. Tais apetites ou instintos se opõem à
razão mas podem ser regulados pela própria razão O homem enquanto ser racional
tem como fim a realização desta sua natureza específica, e é na realização
desta sua natureza de ser racional que consiste a sua felicidade. (...) Todas
as ações humanas e os fins particulares para os quais elas tendem,
subordinam-se a um fim último que é o bem supremo, que todos os homens
concordam em chamar de felicidade” (2003, p. 217, 218) A igreja aceitou a razão, que caminha lado a
lado com a fé, pois Deus pode mostrar-se também aos olhos da ciência. Deus não
perde espaço com os avanços científicos e diferentemente do passado quando
cientistas eram considerados hereges, excomungados, condenados à inquisição,
portanto, sendo a igreja hostil ás descobertas científicas, hoje abre as portas
ao diálogo, mesmo nas questões mais sérias ou consideradas intocáveis. Assim
podemos falar das diferenças do criacionismo e do evolucionismo, pois
independente de aderir esta ou aquela concepção, sabe-se que há um criador que
após tudo ser criado, criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança,
unicamente para serem felizes. Ele é o artífice dessa engrenagem. O progresso
tecnológico não desviou o homem do olhar transcendental, de valorizar sua
essência e de buscar respostas que até mesmo ultrapassem os limites da ciência.
Se a tecnologia é resultado da busca da ciência; amor e solidariedade são
frutos da fé e da religião. Por essas vias do conhecimento, é que poderemos
acessar a fonte da felicidade, única forma de alcançar a felicidade plena.
2.6 TOMAS DE AQUINO HOJE
A teoria aquiniana continua hoje
através de pensadores que encontram em Tomás de Aquino elementos para suas
pesquisas e seus estudos. Saboreando textos originais do filósofo tentam ao
menos manter uma tradição. Inclusive ainda há dificuldade ao apresenta-lo,
afinal, Tomás de Aquino, é um filósofo ou um teólogo? Os discípulos denominados
neotomistas, procuram responder hoje, as questões a respeito principalmente
sobre o homem, independente da religião. Poderíamos dizer que no Brasil,
Fernando Arruda Câmara, que lançou a obra “Tomismo Hoje” é seu mais notável discípulo.
Há um apelo para se colocar no íntimo do ser humano a verdade e o amor ao
Criador. Diante de uma cultura tecnicista moderna e científica, o tomismo
procura racionalmente os valores eternos e o encontro com Deus para uma
realização plena da felicidade, já aqui na terra, libertos da escravidão do
materialismo. São Tomás deixa assim, uma dose de esperança às antigas de nossa
época, através de reflexões para racionalmente tomar consciência dos limites da
busca da verdade, sendo Ele mesmo, um convite ao afastamento de tudo que
degrada o ser humano, afastando –o de seu Criador.
Woittila, no congresso Tomista em 1980,
declarou “Doutor da humanidade” devido aos seus escritos dignificando a
natureza humana em sua Teologia e Filosofia. Citou as obras “Sobre o homem” e
“Sobre Deus criador” quando Tomás nos ensina que: “enquanto o homem é obra das
mãos de Deus, traz em si a imagem de Deus e tende, por natureza, a uma
semelhança com Deus cada vez mais Plena”.(Congresso tomista, 1980). Além de
outras considerações, Woittila assim se expressou: “Deve-te, portanto, desejar
e favorecer de todos os modos o estudo constante e aprofundado da doutrina
filosófica, ética e política que São Tomás de Aquino deixou de herança ás
escolas e que a igreja não hesitou em fazer própria, de modo especial no que
diz respeito à capacidade, à perfectibilidade, à vocação, à responsabilidade do
homem, quer na esfera pessoal quer na social” A respeito da atualidade da
doutrina Aquinate, assim se expressou Woittila no referido congresso: “Santo
Tomás não podia certamente prever um mundo cultural e religioso tão vasto,
complexo e articulado como nós hoje conhecemos. Nem podia, portanto, ditar
soluções concretas para a grande quantidade de problemas específicos que nós
hoje devemos enfrentar. Mas dado que seu maior cuidado foi colocarse e
manter-se da parte da verdade universal, objetiva e transcendente [...] traçou
um método de trabalho missionário que é hoje substancialmente válido também no
plano das relações ecumênicas e inter-religiosas, assim como no confronto com
todas as culturas antigas e novas”. Portanto, a teoria Aquiniana é apta para
aproximar não só os cristãos entre si, mas todos os homens para o entendimento
das culturas passadas e recentes. O amor à verdade que Ele trilhou, conduz à
sociabilidade e à solidariedade. A perda desta referência leva o mundo de hoje
à crise moral, e o homem à condição sub-humana e indigna de um ser, criado conforme a vontade e imagem de Deus.
Percebe-se a necessidade e a importância dessa aproximação e contato, válida
para todos os tempos. CONSIDERAÇÕES FINAIS São Tomás de Aquino afirma que não
pode haver contradição entre fé e razão, estas são distantes não opostas, assim
como filosofia e teologia não se opõem, pelo contrário se aperfeiçoam e se qualificam
em busca da verdade. A teologia é fundamentada na relação entre o homem e Deus
e a filosofia no exercício da razão humana. Ambas se unem e se orientam rumo a
Deus: a fé teológica e a razão filosófica. A razão deve estar a serviço da fé,
defendendo e clareando o pensamento (cristão), enquanto a fé aperfeiçoa os
argumentos da razão, assim como a teologia esclarece a verdade e aperfeiçoa os
conhecimentos imperfeitos da filosofia. O objeto de reflexão, primeiro deve ser
Deus, ponto de partida, Ser absoluto e é somente a partir Dele que poderemos
pensar sobre o homem, sobre o mundo ou a natureza. Não é necessário conhecer a
essência de Deus para conceber sua existência demonstrável, assim como
conhecemos o sol pelo calor e luz que dele emana, conhecemos a Deus pelas suas
obras: o universo e o homem provam sua existência, são efeitos demonstráveis.
Se existe a criatura é porque necessariamente existe um criador. O infinito dá
origem ao finito. Deus é ato puro em sua essência, simplesmente É, e subsiste por
si próprio para sempre. A Ele nada se acrescenta ou evolui enquanto o ser
humano deverá sempre evoluir na busca do conhecimento e entendimento com Deus,
movido pela fé e guiado pela razão. A razão é luz concedida por Deus ao homem,
para que ele alcance a ciência e separe o bem do mal, pois esta tem o poder de
conduzir a humanidade ao progresso ou ao fracasso. A fé é sentir algo não
evidente, não explícito, mas fundamentada racionalmente, conforme São Tomás, na
revelação. A razão como obra e dom do criador, conduz o homem para o
transcendental, sem contradições. De São Tomás de Aquino aprendemos que Deus
existe e é causa de todos os seres e infinitamente superior a tudo, sendo o
ponto culminante do nosso saber nesta vida terrena. O conhecimento e o entendimento
é tarefa da razão; a fé nutre, coloca a vontade de querer conhecer sempre mais
à razão, seja sobre Deus, o homem ou o mundo.
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