Resumo:
Este artigo apresenta, em linhas gerais, a concepção
de Mal arquitetada por Santo Tomás de Aquino em sua obra, no âmbito da
filosofia escolástica. O Doutor Angélico, seguindo a leitura agostiniana do
fenômeno do mal, o compreende também como uma privação, isto é, uma deficiência
ou carência no ser. O mal é ausência do Bem supremo que é o próprio Deus. É, do
mesmo modo, falta de um bem menor (na escala de perfeição) que deveria fazer-se
presente na natureza do ser. Enquanto falta ou ausência, o mal é imperfeição e,
portanto, não pode ser considerado como uma substância, mas apenas acidente do
ser. Para Aquino ainda, o mal deve ser diretamente associado ao pecado
original, causa da corrupção e concupiscência da natureza humana.
Palavras-chave: Mal. Bem. Pecado. Ser. Não-Ser.
I – O Mal como
Privação
Os historiadores medievalistas Etienne
Gilson e Philotheus Boehner afirmam que Tomás de Aquino2, no âmbito da
filosofia escolástica3, ao pensar e
buscar entender a criação do mundo como reflexo à perfeição e bondade de Deus,
necessariamente se depara com o problema da perfeição do mundo e do porque da “existência”
do mal. Sobre o problema da perfeição do mundo, o santo angélico o resolve
quando determina o ser das coisas individuais pelas suas respectivas formas,
isto é, pela quantidade diferente de perfeição presente em cada ser. “Tendo
expressado suas perfeições em seres diversos, e, portanto, em formas diferentes
de perfeição, era mister que Deus os criasse em graus diferentes de perfeição”,
afirma Gilson e Boehner (GILSON & BOEHNER, 2007, p. 465).
Para Aquino os seres se apresentam
em uma ordem hierárquica de perfeição no conjunto da criação, sendo os
elementos compostos mais perfeitos que os elementos simples. Por exemplo,
podemos citar as plantas que são mais perfeitas que os minerais, os animais que
são mais perfeitos que as plantas, assim também os homens, que na hierarquia da
criação, são mais elevados no grau de perfeição que os animais. Portanto, “ao
querer a diversidade dos seres, Deus quis simultaneamente a perfeição do mundo em
seu conjunto”, explica Aquino (AQUINO apud GILSON & BOEHNER, 2007, p. 465).
Aquino estabelece categorias para a representação da perfeição divina: as criaturas
inanimadas e irracionais representarão a perfeição divina a modo de vestígio e,
os seres humanos e os anjos, como participantes em maior intensidade do ato de
ser de Deus, representarão a Sua perfeição a modo de imagem e semelhança. Com
isso, nenhuma criatura se encontra, quanto à sua natureza, absolutamente
privada da perfeição do bem divino, embora saibamos que as criaturas participam
do Ser de Deus de modo análogo (FAITANIN, 2006, p. 111).
Segundo Tomás de Aquino: “De este
primero, que es ser y bueno por esencia, todas las cosas pueden recibir su
denominación tanto de seres como de buenas, pues, como dijimos (q.4 a.3)
participan de él si bien lejana y deficientemente, con una certa semejanza4” (AQUINO, 2001,
p. 138).
No entanto, ainda conforme Aquino,
a criatura espiritual é a que mais intensamente participa da bondade divina por
sua natureza, e isto, na concepção cristã, revela que Deus a quis ter como a
mais digna de se aproximar d’Ele. A dignidade da natureza humana será um valor
em si mesmo, pois representa e aponta para o bem e o amor de Deus por ela.
Quanto mais digna for a natureza, por revelar a perfeição que a aproxima de
Deus, maior será a ofensa pela sua não-conversão voluntária a Ele. Neste sentido,
para a doutrina tomasiana, a criatura espiritual ofende intensamente a Deus quando,
por vontade livre, prefere as criaturas e pretere a Deus (FAITANIN, 2006, p. 111).
Após apresentar a proporção
individual de perfeição presente em cada ser (ou coisa) que compõe o conjunto
da criação realizada à imagem e semelhança do criador, Aquino distinguiu dois
graus na escala da perfeição: “em certos seres a perfeição é perecível,
enquanto que outros à possuem de maneira inamissível: há coisas corruptíveis e
incorruptíveis” (GILSON & BOEHNER, 2007, p. 466).
Assim, para o filósofo escolástico,
a essência do mal está na deficiência de um determinado grau de perfeição, ou
seja, na privação de um determinado bem, justamente
porque do ponto de vista metafísico
o ser criado por Deus não só procede, mas também decai do Criador por conta da
desobediência, do pecado original cometido pela criatura. Daí a afirmação de
que “toda criatura é necessariamente imperfeita, quando comparada à perfeição
divina” (AQUINO apud GILSON & BOEHNER, 2007, p. 466).
O mal, portanto, não é uma
substância, ou seja, em si mesmo, não é algo, mas se manifesta como privação
(ausência) de um bem particular do ser. Nas palavras do filósofo e teólogo
da escolástica, [...]
deve-se dizer certamente que o mal está nas coisas, mas como privação, não como
algo real; não obstante, está na razão como algo inteligido; e por isto pode
dizer-se que o mal é um ente de razão e não da coisa, dado que no intelecto é
algo, mas não na coisa; e este mesmo ser inteligido, pelo qual se diz que algo
é ente da razão, é um bem; pois é um bem que algo seja inteligido (AQUINO,
2005, p. 25).
Nesse sentido, segundo Aquino, o
mal não tem perfeição nem ser. O mal só pode significar a ausência do bem e do
ser; pois o ser, enquanto ser, é um bem. Por essa razão, o mal representa algo
puramente negativa, ou melhor, ele não é nem essência nem realidade. Ele se
apresenta como privação de uma propriedade que a substância deveria possuir.
(AQUINO, 2005, p. 15). O mal, portanto, “é mais corretamente denominado uma
privação, ou carência daquilo que deveria estar presente” (AQUINO apud GILSON
& BOEHNER, 2007, p. 466).
Ainda para o filósofo do medievo, o
mal produzido por algum ser não pode ter sua causa em Deus porque a ação que
produz o mal, se deve ao fato de haver uma privação ou defeito na própria
atividade que o ser desempenha. No agir de Deus, ao contrário, é impossível
haver a menor deficiência, pois Ele é a perfeição absoluta. Assim, para Tomás, “não
podemos responsabilizar a Deus pelo mal, enquanto este implica uma defecção
propriamente dita; Deus não causa senão o bem e o ser” (AQUINO apud GILSON
& BOEHNER, 2007, p. 467).
II – O Mal como
Sofrimento
Enquanto manifestação tangível que
afeta o corpo e a alma do ser humano, o mal deve ser considerado um fenômeno
presente na história. Ele é evidente e multifacetado na medida em que se revela
e se manifesta aos olhos humanos como
corrupção do homem pela morte, na depravação da relação humana para com Deus e
seus semelhantes, nas doenças, guerras e terrorismos, na exploração da natureza
entre outros inúmeros eventos. Entretanto, segundo Aquino, os piores males não
são as dores ou privações físicas, mas, ao contrário, são os que tocam intimamente
o humano, “pois atingem a natureza da alma, dada a sua deliberação consciente.
A estes males a tradição cristã deu o nome de pecado” (FAITANIN, 2006, p. 113).
Esta forma de mal, Aquino a
denomina como mal de culpa (malum culpae ou peccatum) (em
contraposição ao mal de pena5) e, para o homem, o mal de culpa é o maior,
“pois provém das suas ações livres que se opõem aos bens espirituais da graça e
da glória e, conseqüentemente, a Deus, fonte da graça e Senhor da glória”
(FAITANIN, 2006, p. 113). Este mal de culpa se faz presente no ser, sobretudo,
pelos atos desordenados, a partir do apetite racional, guiados pela vontade
humana (AQUINO, 2005, p. 81-89). Neste contexto, como fenômeno complexo que é,
o mal se manifesta na mais ampla diversidade de aparências, ou seja, não se
revela unicamente na velha roupagem de maldade cruel. Ele se pinta, muitas
vezes, com ar de nobreza, ocultando-se nas coisas aparentemente boas;
esconde-se em alguns prazeres, na busca desordenada de saúde, num sorriso de
ódio e revanche, na verdade que acoberta uma mentira etc. O mal ao se revelar
atraente, pode parecer suprir o sujeito do bem de que carece. “Contudo, mesmo nos
casos em que pretende aparentar um bem, o mal sempre acarreta sofrimento” (FAITANIN,
2006, p. 113-114).
Como já foi ressaltado acima, o mal
na filosofia de Tomás de Aquino significa exatamente a carência de perfeição no
sujeito em que se dá. Ele (o mal) é, portanto, a falta, a ausência de ser, de
perfeição, de virtude na natureza do ser, enfim, privação do bem do qual o
sujeito deveria possuir, mas se encontra carente. Neste sentido, o mal é no sujeito,
porém não tem existência como sujeito porque a existência do mal depende
do existir do sujeito, senão “toda personificação ou substantivação do mal
cessará de sentido” (FAITANIN, 2006, p. 114).
Assim, podemos afirmar alicerçados
em Aquino, que o melhor nome que identifica o mal para o cristianismo, é o
pecado diretamente associado com o mal moral, pois este mal “se dá no contexto
da liberdade e da responsabilidade humanas, como conseqüência de ações
assentadas nos juízos da razão e na anuência da vontade” (FAITANIN, 2006, p.
109).
O homem livre e responsável,
portanto, pode ser motivado pela reta razão como também pelas paixões
desordenadas, já que são suas escolhas e ações que estabelecem o mal moral.
Este mal, por sua vez, ao privar o homem de atingir seu fim que é a conversão
plena a Deus, colocando-o contra o Criador supremo e afastando-o da presença
Beatífica de Deus, deixa seqüelas e feridas abertas na alma humana (FAITANIN,
2006, p. 109-110).
Ainda neste horizonte do mal moral
(que se identifica com o pecado na medida em que este significa a desobediência
que afasta o homem de Deus e o priva do bem
que é gozar da Sua presença), Aquino nos apresenta três tipos de mal. Primeiramente,
o mal moral que priva o homem, por seu livre consentimento, da ordem ao fim
devido, ou seja, dos bens espirituais (graça e glória) e morais (que são os
bens da alma: vida, conhecimento, virtudes, etc.). Este mal lhe causa
sofrimento (FAITANIN, 2006, p. 115).
Em segundo lugar, temos o mal
metafísico. Conseqüente e subordinado ao mal moral é o estado de privação dos
bens originários da natureza humana, que são a graça santificante (que lhe
comunicava a filiação divina no estado de inocência) e os dons preternaturais
(isenção da morte, do sofrimento e de desordem da concupiscência). Esse mal
metafísico coloca o homem no estado de incapacidade de chegar, pelos próprios esforços,
à sua plena realização (FAITANIN, 2006, pp. 115-116). E, por fim, Aquino se refere ao mal físico,
que pode ser entendido como deficiência da matéria (independentemente da
vontade humana, mas em conseqüência do pecado original), ou como decorrência do
mal moral (o qual acontece a partir da vontade humana, o que faz dele um pecado
pessoal), ou ainda pela privação de algum bem físico (e isto causa sofrimento,
dor ou incapacidade física, como por exemplo, a cegueira) (FAITANIN, 2006, p.
116).
Enfim, para santo Tomás, o mal moral,
o mal metafísico e o mal físico, manifestam uma só e sempre mesma conseqüência
nefasta e trágica para natureza humana, qual seja: a da dor, a do sofrimento,
e, até mesmo, a implicação da morte (FAITANIN, 2006, p. 116).
III – O Mal como
Insídia
A origem do mal no mundo, segundo
Aquino, se deve à insídia e aversão do demônio que se rebelou contra Deus e
persuadiu o homem a pecar. Aquino mostra que Deus criou o homem comunicando-lhe
graças e dons que o elevaria à perfeição do espírito. Porém, por sua vontade e
responsabilidade, insuflado pelo orgulho e mentiras demoníacas, o homem “deixou-se
seduzir pelo desejo de igualar-se ao Criador, não respondendo à prerrogativa
divina, ou seja: à Lei divina6” (FAITANIN, 2006, p. 117). Aponta Aquino que a implicação do mal para o
homem foi tremenda. Este foi marcado pelo mal (a partir da desobediência ao
Criador) com o selo da concupiscência, da ignorância (enquanto desconhecimento
do que é verdadeiro), com o selo do orgulho, da malícia, dos vícios capitais e
da morte.7
A transgressão foi “profundamente
sentida na natureza do homem, pois ao afastar-se livremente de Deus (mal moral)
sua natureza atrofiou-se naquilo que era a sua razão de bem, e no que fora
chamado a obedecer a Deus” (FAITANIN, 2006, p. 117-118). Como conseqüência, o
ser da natureza humana foi profundamente privado (mal metafísico) da presença
de Deus, sendo esta ausência refletida diretamente no corpo (mal físico), na medida em que excluiu o “homem
do bem e da perfeição necessários para que pudesse chegar a ser aquilo para o
que foi criado” (FAITANIN, 2006, p. 118). Assim, para Aquino (em conformidade
com tudo o que explicitamos anteriormente), o mal enquanto privação do ser e do
bem é, em síntese, uma corrupção e não propriamente uma natureza. Uma natureza
má é corrompida naquilo em que se degenerou, mas não é má enquanto natureza nos
ensina o santo medieval (FAITANIN, 2006, p. 120).
IV – O Mal como
Adesão
Santo Tomás explica (em relação à
livre e consciente adesão humana ao mal, acontecida pelo pecado e através do
pecado), que o drama da passagem do estado de beatitude, justiça e sabedoria
absolutas adquiridas junto ao Criador, se dá no momento em que o intelecto
humano perde esta condição de plenitude passando ao estado de natureza decaída,
após o pecado original. (FAITANIN, 2006, p. 121). Isto incidiu segundo Aquino,
porque o demônio, pai da mentira, semeou no intelecto humano o orgulho,
entronizou a desordem, a ignorância, a malícia e a escuridão. A privação de tal
condição de beatitude fez com que o intelecto humano se perdesse no engano, no
erro, buscando apenas o que tinha aparência de verdade. Desde então, isso tem
causando grandes dificuldades para a natureza humana conhecer a verdade acerca
das coisas. (FAITANIN, 2006, p. 121).
Além disso, embora o homem possua
uma consciência (compreendida pela tradição do cristianismo como estado de
percepção) mediante a qual “ele tem ciência do que lhe é necessário ou
supérfluo, do que deve entender e querer, de como deve agir ou do que deve
omitir, do que é bom para a sua natureza e do que não o é” (FAITANIN, 2006, p.
121-122); e, dentre todas as criaturas terrestres, ele (o homem) também seja o único
a ter uma percepção apurada de si, em si e para si; e, ainda tenha uma
tendência natural de agir conforme a um fim que seja um bem para a sua
natureza; não obstante a tudo isso, para Santo Tomás, a vontade humana (esta
tendência para se desejar o bem), só será plenamente livre quando suas escolhas
forem iluminadas pela inteligência e não orientadas pela concupiscência de
instintos e paixões. (FAITANIN, 2006, p. 122-123).
Nas palavras de Faitanin:
[...] a tradição do pensamento cristão sublinha que, a
partir do pecado original, se instaurou a desordem dos instintos, dos desejos e
dos sentidos: a concupiscência. E na desordem, embora o intelecto ilumine
a verdade para a vontade, o apetite volitivo do homem não logra ordenar os
ímpetos inferiores ao bem relativo àquela verdade, e, em conseqüência, ele se
torna menos apto, no exercício de sua liberdade, a arbitrar adequadamente
acerca do bem e da verdade desejados. Estando condicionado a escolher o que deseja, toda vez
que for orientado pelo instinto e pelas paixões, o homem será escravo das suas
escolhas. Tornar-se-á menos livre ao eleger somente o que quer (e não o que
é ontologicamente melhor), ou o que lhe apareça com um certo “ar de bem”. Por
isso, a consciência acusa quando a vontade escolhe e arbitra algo que deponha
contra iluminação pela inteligência (FAITANIN, 2006, p. 123-124).
A adesão do homem ao bem passa,
portanto, pela reordenação da vontade, não mais dirigida pela concupiscência da
carne marcada pelo pecado, mas orientada pela “aquisição das chamadas virtudes
intelectuais, morais e teologais, as quais disciplinam a
natureza e a dispõem à graça, que a
revigora na ordenação ao bem e à verdade” (FAITANIN, 2006, p. 124).
Assim, podemos ainda afirmar que
para a escolástica a liberdade é a capacidade que o homem possui para ser
senhor de suas próprias ações. Estas ações devem ser guiadas pela racionalidade
que, no homem, [...] emana do intelecto (hábito
e força oriundos do apetite intelectual, na busca da verdade e do bem), se
manifesta pela vontade (potência de ordenar-se na eleição livre da verdade
e do bem) e se realiza na escolha (ato que realiza e atualiza o apetite
intelectual da verdade e a potência volitiva do bem). O homem, mediante esta
capacidade, pode
querer e não querer, fazer e não fazer. E a razão
disso está no próprio poder da razão (FAITANIN, 2006, p. 124). É pela liberdade
dada ao homem por Deus (o livre-arbítrio – tem a chave para a
compreensão da teologia e religião cristã) que a ação humana pode se dignificar
em excelência e nobreza ou tornar-se ultrajante e infame. Na concepção
tomasiana, o homem só se torna escravo quando, orientado pelos seus vícios, não
consegue escolher (mesmo que a escolha implique o contrário ao seu querer) o
que racional e moralmente deveria fazer. Por outro lado, ele só possui
liberdade na medida em que escolhe porque é livre e, quanto mais livre for a
sua escolha, menos escrava será a sua liberdade (FAITANIN, 2006, pp. 124-125).
Acreditamos, firmados em Aquino,
que somente através da aquisição das virtudes (perdidas com o pecado original)
e abertura à graça de Deus é que o homem poderá exercer com responsabilidade a
sua liberdade. A adesão plena ao Bem supremo, que é Deus (retirada da natureza
humana quando esta, assolada pelo mal, se tornou escrava de seus apetites
desordenados) só será possível novamente, quando esta mesma natureza humana
libertar-se da desordem de sua concupiscência (FAITANIN, 2006, p. 125).
Deste modo, segundo a concepção
cristã de existência, o homem precisa compreender, de uma vez por todas, que o sofrimento
(gerado pela ação do mal), só deixará de se apresentar como uma aporia e
sem sentido em sua vida, e poderá se tornar um meio ou via de reparação ou
mesmo uma fonte de mérito, se o ser humano redimensionar tal sofrimento
aporético em telos, ou seja, estabelecendo uma finalidade que o conduza
ao divino. No mistério do mal presente no mundo, Deus insere para o pecador a
possibilidade do bem: o homem pode por si conhecer a sua miséria, humilharse diante
de Deus e invocar o seu auxílio. Em suma, o mal, na medida em que se opõe a
Deus, sumo Bem, e, concomitantemente, à própria natureza humana e a tudo o que
lhe serve à vida, é um problema filosófico-teológico que urge por novas
abordagens na perspectiva de uma contínua reflexão sobre uma aporia tão antiga,
mas sempre atual e desafiadora no âmbito antropológico.
De qualquer modo, diante da postura
teórica de Tomás de Aquino sobre o problema do mal, é impossível permanecermos
alheios ou indiferentes a tal situação na história da vida dos homens.
2 Tomás de Aquino é considerado pelos
historiadores da filosofia medieval como o expoente máximo do período da
filosofia Escolástica. Ao elaborar um sistema de saber fundamentado na
transparência lógica e na conexão orgânica entre as partes, aos moldes das obras
de seu mestre Aristóteles, o pensador cristão edificou um verdadeiro edifício
metafísico em defesa da fé cristã. Assim, sua filosofia pode ser considerada como um preambulum fidei,
ou seja, uma preparação para a fé. (REALE & ANTISERI, 1990, p. 552). Aquino
nasceu em Rocca Secca, na Itália meridional, reino de Nápoles, entre 1224 e
1225. Em 1244 ingressou na ordem dos frades dominicanos à revelia da família,
atraído pela forma de vida religiosa que era envolvida pelos debates culturais
da época. Teve como seu mestre Alberto Magno, em Paris e, com Boaventura obteve
o título de mestre em teologia. O doutor Angélico veio a falecer em Fossanova,
no convento dos Cistercienses, em março de 1274, com quarenta e nove anos de
idade. (GILSON & BOEHNER, 2007, p. 448).
). 3 Segundo o Dicionário Básico de
Filosofia, de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes a terminologia “Escolástica”
significa originariamente “doutrina da escola” e designa os ensinamentos de
filosofia e teologia ministrados nas escolas eclesiásticas e universidades na
Europa durante o período medieval, sobretudo, entre os séculos IX a XVII. A
escolástica caracteriza-se, em linhas gerais, principalmente pela tentativa de
conciliar os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas
Escrituras com as doutrinas filosóficas clássicas, destacando-se o platonismo e
o aristotelismo. (JAPIASSÚ & MARCONDES, 2006, p. 90).
4 “Deste primeiro que é ente e bom
por essência, cada coisa pode ser dita boa e ente, enquanto dele participa por
certa assimilação, mesmo longínqua e deficiente”. Ver Tomás de Aquino, Suma
Teológica, I, 6, 4, C. (Tradução nossa).
5 O mal de pena, explica
Faitanin (fundamentado em Aquino) é causado por Deus, pois quando Este castiga
o ser humano (conforme é relatado nas Sagradas Escrituras, particularmente nos
livros de Isaias 45, 7 e de Amós 3, 6), não visa o seu mal, mas
age com o intuito de imprimir ordem e justiça nas coisas. O mal de pena é ainda
sempre contrário à vontade, pois é comum a toda pena ser contrária à vontade a daquele
a quem é imposta. (FAITANIN, 2006, p. 112). Ver também Tomás de Aquino, Sobre
o Mal, q.1, 1-5).
Referências
AQUINO, Santo Tomás de. Sobre o
Mal. Tradução Carlos Ancêde Nougué; Apresentação Paulo Faitanin. Rio de
Janeiro: Sétimo Selo, 2005. Tomo I.
Suma de Teología. Tradução José
Martorell Capó. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2001. v. I.
FAITANIN, P. “O Mal como Privação
do Bem em Santo Tomás de Aquino”. In: Aquinate. nº. 2, 2006, pp.
106-134.
GILSON, E.; BOEHNER, P. História
da Filosofia Cristã. Petrópolis: Editora Vozes, 10ª ed., 2007.
MARCONDES. D.; JAPIASSÚ, H. Dicionário
Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 4ª ed., 2006.
REALE, G.; ANTISERI, D. História
da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990.