O QUE É A FÉ , SUAS CONSEQUÊNCIAS E OBSTÁCULOS


A fé é o ato mais nobre do homem

O Concílio do Vaticano I (1870), para dissipar erros do século XIX, definiu a fé nos seguintes termos: “A fé… é uma virtude sobrenatural pela qual, prevenidos e auxiliados pela graça de Deus, cremos como verdadeiro o conteúdo da Revelação, não em virtude da verdade intrínseca (evidência) das proposições reveladas, vistas a luz natural da razão, mas por causa da autoridade de Deus, que não se pode enganar nem pode enganar a nós”. (DS, Enquirídio de Definições … 3008 [ 1789 ] )

O Concílio do Vaticano II, em 1965, também se pronunciou: “Ao Deus que revela, deve-se a obediência da fé, pela qual o homem livremente se entrega todo a Deus, prestando ao Deus revelador um obséquio pleno do intelecto e da vontade e dando voluntário assentimento à revelação feita por Ele”. (Constituição Dei Verbum nº 5)

A fé não é um sentimento cego nem um ato de confiança afetiva em Deus, mas sim uma atitude da inteligência, que, movida pela vontade livre, diz sim a Deus que se revela.

Não se pode crer em qualquer crença, “apenas para se ter uma vida espiritual ou uma religião”.  Não se pode crer em algo vago, indefinido, sentimental; só se pode crer em algo que a inteligência examinou e aprovou.

Não se pode, portanto, cultivar qualquer anti-intelectualismo diante da fé. A fé é o ato mais nobre do homem, pois aplica a faculdade mais digna do ser humano (a inteligência) ao objeto mais elevado e perfeito, que é Deus.

A fé é um ato da inteligência, mas é também uma atitude da inteligência movida pela vontade. As proposições da fé não podem ser vistas e provadas como as da ciência, mas, pela análise da inteligência, essas proposições podem ser tidas como aceitáveis. Assim, depois de examinadas as propostas da fé, a inteligência pode consentir em crer e passar para a nossa vontade a decisão final: crer ou não crer.

A inteligência pede credenciais para crer, e essa baseia-se na autoridade e credibilidade de quem ou do que transmite a mensagem.

Diz São Tomás de Aquino que “o homem não acreditaria se não visse que deve crer” (Suma Teológica I/II qu.1, art. 4, da 2).

Assim, a fé é um ato livre, um gesto voluntário prestado à autoridade de Deus que se revela. É um ato mais nobre do que os outros, cujo objeto é tão evidente que eles se tornam obrigatórios. O ato de fé supõe reflexão e decisão consciente e responsável.
Pela fé o homem se entrega todo a Deus.

Jesus exigiu que os judeus do seu tempo cressem pelas credenciais que Ele apresenta:
Jo 7,46: “Se vos digo a verdade, por que não me credes?”. Hb 11,1: “A fé é a posse antecipada das coisas que esperamos; é a demonstração das coisas que não vemos”.

Ter fé é algo raro ou difícil para o ser humano. Na vida cotidiana, todo homem, mesmo o ateu, exercita a fé. Você acredita no médico, no professor que ensina, no padeiro que fez o pão e nele não colocou veneno etc. Sem esses atos de fé, seria impossível viver.

Quando um homem e uma mulher se casam, cada um crê no outro. Então, se cremos nas pessoas, não é contrário à nossa dignidade acreditar, pela fé, na revelação de Deus em plena adesão do intelecto e da vontade, e entrar, assim, em comunhão íntima com Ele.

Quando você ouve uma notícia na TV ou no jornal, você acredita se a fonte lhe inspira confiança. Todo homem crê também nos historiadores que, com seriedade, lhe relatam o passado.

Segundo o Catecismo da Igreja, “a fé é uma adesão pessoal do homem inteiro a Deus, que se revela. Ela inclui uma adesão da inteligência e da vontade à revelação que Deus fez de si mesmo por suas ações e palavras”. (§173)

Crer tem uma dupla referência: a verdade é a pessoa que revela a verdade, por confiança nessa pessoa. “Crer” é um ato humano, consciente e livre, que corresponde à dignidade da pessoa humana (Cat. §18-0).

O Catecismo ensina também que “crer” é um ato eclesial. A fé da Igreja precede, gera, sustenta e alimenta nossa fé. A Igreja é mãe de todos os crentes. “Ninguém pode ter a Deus por Pai, que não tenha a Igreja por mãe” (S. Cipriano, De unitate).

Essa é a fé católica: “Nós cremos em tudo o que está contido na Palavra de Deus, escrita ou transmitida (Tradição apostólica), e que a Igreja propõe  a crer como divinamente revelado” (Cat. §182).

A fé é necessária à salvação

O próprio Senhor afirma: “Aquele que crer e for batizado será salvo; aquele que não crer será condenado” ( Mc 16,16 ), (Cat. §183 ). “É necessário, para obter essa salvação, crer em Jesus Cristo e naquele que o enviou para nossa salvação” (Mc 16,16: Jo 3,26; Jo 6,40).

A fé é uma graça de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele. Quando São Pedro confessa que Jesus é o Cristo, Filho do Deus vivo, Jesus lhe declara que essa revelação não lhe veio “da carne e do sangue, mas do meu Pai que está nos céus”.

“A fé é um dom sobrenatural de Deus. Para crer, o homem tem necessidade dos auxílios interiores do Espírito Santo” (Cat. §179). Mas a fé é também um ato humano. “Crer só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não contraria a liberdade nem a inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por Ele reveladas”. (Cat. §154)

A inteligência e a vontade humanas, na fé, cooperam com a graça divina. São Tomás de Aquino dizia: “Crer é um ato de inteligência que assente à verdade divina a mando da vontade movida por Deus através da graça” (S. Th. II-II,2,9; Conc. Vat. I, DS 3010).
Cremos não porque entendemos as verdades reveladas por Deus, mas “por causa da autoridade de Deus que revela e que não pode nem enganar-se nem enganar-nos” (Conc. Vat. I, DS 3008).

Para ajudar a nossa fraqueza, Deus quis que “os auxiliares interiores do Espírito Santo fossem acompanhados das provas exteriores de sua Revelação” (Conc. Vat. I, DS 3009). Por isso, os milagres de Cristo e dos santos (Mc 16,20; Hb 2,4), as profecias, a propagação e a santidade da Igreja, sua fecundidade e estabilidade “constituem sinais certíssimos da Revelação, adaptados à inteligência de todos” (Conc. Vat. I, DS 3009), “motivos de credibilidade” que mostram que o assentimento da fé não é “de modo algum um motivo cego do espírito” (Conc. Vat. I, DS 3010).

A fé se expressa em fórmulas

Ela tem uma linguagem para se expressar; são as fórmulas que revelam as verdades espirituais. Dizemos, por exemplo, “Creio em Deus Pai…”; mas não cremos em fórmulas, e sim nas realidades que elas expressam e o que a fé nos permite “tocar”.

“O ato de fé do crente não para no enunciado, mas chega até a realidade enunciada” (Cat. §230). Temos acesso a essas realidades com o auxílio das formulações da fé. Elas nos permitem expressar e transmitir a fé, celebrá-la em comunidade, assimilá-la e vivê-la cada vez mais.

A fé é guardada e transmitida pela Igreja, segundo a vontade de Jesus. Ela é a sua guardiã. São Paulo disse a Timóteo que a Igreja é “a coluna e o sustentáculo da verdade” (I Tm 3,15).

Como uma mãe que ensina seus filhos a falar, compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe, nos ensina a linguagem da fé para introduzir-nos na compreensão e na vida da fé.

O grande Santo Anselmo dizia que: “a fé procura compreender” (S. Anselmo, Proslogion, proem: PL 153, 255A). Ora, para “tornar cada vez mais profunda a compreensão da Revelação, o Espírito Santo aperfeiçoa continuamente a fé por meio de seus dons” (Dei Verbum, 5).

Ninguém deve ser forçado, contra sua vontade, a abraçar a fé, pois o ato de fé é por sua natureza voluntário (Dignitatis Humanae, 10;CDC, cân. 748,2). Para que o ato de fé seja humano, o homem deve responder a Deus livremente. Ele nos chama para servi-lo; mas não podemos ser forçados. Jesus sempre propôs a fé, mas não impôs nem coagiu alguém (cf. DH 11).

A fé é um dom gratuito que Deus concede ao homem, mas podemos perder este dom precioso. São Paulo recomenda a Timóteo: “Combate o bom combate com a fé e boa consciência, vieram a naufragar na fé” (I Tm 1,18-19).

Para que isso não aconteça, é preciso crescer e perseverar até o fim na fé, alimentá-la continuamente com a Palavra de Deus; implorar ao Senhor que a aumente (Mt 9,24; Lc 17,5;22,32); praticar a caridade (Gl 5,6; Tg 2,14-26), viver pela esperança (Rm 15,13), numa vida alimentada pela oração e pelos sacramentos, e estar firme na fé da Igreja e nos seus ensinamentos.

O primeiro mandamento manda-nos alimentar e guardar com prudência e vigilância a nossa fé e rejeitar tudo o que se lhe opõe. Podemos pecar contra a fé, cultivando a dúvida voluntária sobre ela, isto é, recusando aceitar como verdadeiro o que Deus revelou e o que a Igreja propõe crer. (cf Cat. §2088)

A fé já é um começo da vida eterna

Por ela, não podemos como que degustar por antecipação a alegria e a luz da visão beatífica, meta da nossa caminhada na terra. Veremos então a Deus “face a face” (I Cor 13,12), “tal como Ele é” (I Jo 3,2). A fé já é, portanto, o começo da vida eterna. 

“A fé é um antegozo de conhecimento que nos tornará bem-aventurados a vida futura”. (Cat. §184).


AS CONSEQUÊNCIAS DA FÉ 

 leva a conhecer a grandeza e a majestade do Senhor. “Deus é grande demais para que possamos conhecê-lo” (Jó 36,26). É por isso que Ele deve ser o primeiro a ser amado e servido. “Amar a Deus sobre todas as coisas”, manda o primeiro mandamento.

A fé nos leva a viver em ação de graças. Se Deus é único, tudo o que somos e possuímos vem d’Ele: “Que é que possuis, que não tenhas recebido?” (1Cor 4,7). “Como retribuirei ao Senhor todo o bem que me fez?” (Sl 116,12).


A dignidade do homem se revela a partir da fé


A fé nos leva também a conhecer a unidade e a dignidade de todos os homens, pois todos foram criados “à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,27), são filhos do mesmo Deus e irmãos.

A fé nos leva a usar corretamente as coisas criadas, leva-nos a usar de tudo o que nos aproxima do Senhor e a nos desapegarmos das coisas que nos desviam d’Ele.

A confiança em Deus

Dizia São Nicolau de Flue: “Meu Senhor e meu Deus, tirai-me tudo o que me afasta de vós. Meu Senhor e meu Deus, dai-me tudo o que me aproxima de vós. Meu Senhor e meu Deus, desprendei-me de mim mesmo para doar-me por inteiro a vós.”

A fé nos leva a confiar em Deus em qualquer circunstância, mesmo na adversidade. Santa Teresa de Jesus exprime-o de maneira admirável nesta oração: “Nada te perturbe, nada te assuste. Tudo passa, Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem nada lhe falta”.

Só Deus basta!

OS OBSTÁCULOS DA FÉ

Uma questão séria diante da fé é que a vontade humana pode ser influenciada, consciente ou inconscientemente, pelas paixões e pelos sentimentos da pessoa. Ela pode ter posições preconcebidas contra a fé, porque esta exige mudança de vida. Quando a verdade não lhe convém, a pessoa tenta “provar” que ela não é verdadeira e que a evidência não aparece.

Muitos rejeitam a fé, conscientemente, não por dificuldades intelectuais, mas por causa dos sacrifícios que ela exige. O hedonismo, a procura do prazer e a fuga das renúncias afastam muitos das verdades da fé. Santo Agostinho dizia que os que não querem viver as virtudes, criticam os que as vivem.

ignorância religiosa e também o conhecimento errado das verdades da fé podem se tornar graves obstáculos à fé. Muitos negam tais verdades porque não as conhecem ou porque as conhecem de maneira errada. É o caso, por exemplo, dos que interpretam a Bíblia ao pé da letra ou acham que o mundo foi feito, de fato, em seis dias de 24 horas cada um, ou ainda pensam que o homem foi feito de barro e a mulher de uma de suas costelas.

Alguns, mal informados, que estudaram apenas superficialmente a fé católica, afirmam que o dogma da Santíssima Trindade é apenas uma versão cristã dos deuses do Egito e da Índia; ou que a maternidade virginal de Maria seria o mito da Virgem-Mãe transferido para o Credo cristão; ou que o Batismo cristão seria apenas como as abluções rituais da Antigüidade; ou que a Ceia Eucarística seria apenas uma cópia das refeições sagradas do paganismo…

Somente quem não estudou, ou estudou muito mal, a fé católica poderia chegar a tais conclusões absurdas. As verdades católicas nada têm a ver com essas coisas citadas; por isso não se pode falar de cópia ou dependência do Cristianismo em relação a outras religiões. Nada é igual à fé da Igreja; por isso, quem quiser conhecê-la de verdade terá de estudar, ao menos, o Catecismo da Igreja Católica.

A fé exige estudo continuado, pois com o passar do tempo, as verdades religiosas podem ser mais bem esclarecidas, aprofundadas e amadurecidas. Além disso, a enxurrada de seitas que nos chegam, exige que tenhamos bons conhecimentos religiosos para não nos deixarmos enganar pelos sofismas dos falsos profetas. De modo especial é importante estudar as Sagradas Escrituras e a História da Igreja.

Outro obstáculo à fé é o racionalismo. Este afirma que tudo pode ser explicado racionalmente. O que a razão não consegue provar nem compreender é classificado como lenda ou mito, excluindo-se a possibilidade de qualquer intervenção extraordinária de Deus na vida do homem ou na história.

orgulho é também um grande obstáculo à fé; é a recusa de qualquer submissão e uma pretensão de independência sem limites, até mesmo diante de Deus. O homem moderno, excitado pelas conquistas da ciência, tende a colocá-Lo de lado e ocupar o lugar dEle.

Outro fato que faz com que muitos tenham certa aversão à fé é o contra testemunho dos cristãos, bem como as falsas interpretações da Bíblia, ou a falsa piedade de outros. Grande número dos que se dizem ateus, na verdade, fazem uma imagem errada de Deus. Cabe aos cristãos dar um testemunho verdadeiro do Evangelho e mostrar ao mundo o verdadeiro rosto de Deus.

Artigo extraído do livro Ciência e fé em harmonia
Editora Cléofas  ISBN 85-86283-26-6

Fernando Vanini de Maria

 

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