A mistagogia e o método mistagógico usado pelos Santos Padres volta a ser estudado, pela teologia, catequese e liturgia, servindo de inspiração e modelo à formação cristã, principalmente na teologia litúrgicosacramental. A Mistagogia é a arte de conduzir os fieis para dentro do mistério celebrado, revelando-o através de cada rito, gesto e símbolo. A partir da própria celebração, dando os códigos e chaves para que permitam os catecúmenos, os neófitos e fieis a descobrirem, a desvendarem pouco a pouco o mistério que ali se celebra. No presente artigo, busca-se identificar as raízes e características mistagógicas da liturgia cristã, a partir da liturgia da ceia judaica e da experiência vivida pelos Santos Padres em suas catequeses.
Palavras-chave: Liturgia. Mistagogia. Catequese mistagógica. Ceia Judaica.
INTRODUÇÃO
A liturgia é a vida, o centro, a fonte e o cume para onde convergem todas as ações da Igreja1 . A palavra Lit + urgia vem da língua grega: laos = povo e ergon = ação, trabalho, serviço, ofício, ou seja, a liturgia é a “ação do povo”, “serviço da parte do povo e em favor do povo”. Na tradição cristã, significa que o povo de Deus torna parte na “obra de Deus”. Pela Liturgia, Cristo, nosso redentor e sumo sacerdote, continua em sua Igreja, com ela e por ela, a obra da redenção. Nenhuma comunidade vive sem a celebração da liturgia, pois ela é essencial na vida da comunidade2 . Nesse sentido as ações rituais devem ser bem entendidas e preparadas com zelo e carinho. As liturgias bem celebradas inserem as pessoas através da ação simbólico-ritual na vivência do mistério pascal de Cristo. Porém no segundo milênio da fé cristã, a liturgia perdeu muito do que era característico da sua origem. Tantas coisas desnecessárias foram inseridas nas igrejas (espaço litúrgico), e o que era essencial e de grande valor simbólico foi deixado de lado, ou esquecido. Outro fator importante é que neste mesmo período (segundo milênio), a fé passou a ser por demais racionalizada, ou seja, o que antes era vivido, experienciado, depois compreendido nas escolas catequéticas, passou a ser estudado, depois vivido, havendo uma inversão de valores. O presente trabalho busca apresentar um caminho para resgatar aquilo que é essencial na fé, a partir da vivência mistagógica da liturgia, inserindo o catecúmeno na prática ritual-celebrativa da vivência da fé comunitária.
1. CONCEITO DE MISTAGOGIA Cinquenta anos após o Concílio Ecumênico Vaticano II, que propôs a volta às fontes do cristianismo, aprofundaremos na compreensão e o resgate do termo “mistagogia”, palavra muito comum e usual principalmente pelos Padres da Igreja dos séculos II a IV. O Ritual da Iniciação Cristã de Adultos (RICA), reformado por decreto do Concílio Vaticano II3 , e promulgado pelo Papa Paulo VI, incorporou a mistagogia como o último de seus quatro tempos, a ser realizado durante todo tempo pascal como finalidade da recolha da experiência e dos frutos da vida cristã e o convívio com a comunidade, estabelecendo e criando laços4
Porém, a mistagogia não fica restrita a este tempo específico, chamado pelo ritual de “mistagogia dos neófitos”, ou seja, dos recém-batizados. Tanto o DGC (Diretório Geral de Catequese), quanto o DNC (Diretório Nacional de Catequese), insistem na dimensão mistagógica de toda a formação cristã. O Papa João Paulo II disse: “É mister [...] que os Pastores encontrem a maneira de fazer com que o sentido do mistério penetre nas consciências, redescobrindo e praticando a arte ‘mistagógica’, tão querida pelos Padres da Igreja5 .
Mais que um tempo como proposto pelo RICA, mistagogia pode ser entendido como um “método” utilizado com muito sucesso nos primeiros séculos. Descobrir o significado do termo mistagogia e sua compreensão grega nos ajudará a entender melhor, como veremos a seguir.
1.1. O TERMO MISTAGOGIA E SUA COMPREENSÃO GREGA
O termo “Mistagogia” é uma palavra derivada da língua grega e é composto de duas partes: ‘mist’ (vem de ‘mistério’) + ‘agogia’ (tem a ver com ‘conduzir’, ‘guiar’...) Assim pode-se traduzir mistagogia como: a ação de guiar, conduzir, para dentro do mistério, ou ainda, ação pela qual o mistério nos conduz. “Etimologicamente possui o sentido de ser conduzido para o interior dos mistérios. [...] Na antiguidade cristã, o termo designa, sobretudo, a explicação teológica e simbólica dos ritos litúrgicos da iniciação, em particular do Batismo e da Eucaristia” 6 .
Os padres gregos usam os termos mystagôgéô (introduzo ao mistério) e mystagôgia (introdução aos mistérios), ao recordarem a iniciação sacramental7 . Estes termos eram aplicados em diferentes situações e significados: - como introdução aos mistérios; - como iniciação ao mistério do Batismo e da Eucaristia; - como a revelação na Bíblia; - como introdução ao Mistério de Cristo, do Espírito Santo e da Igreja; - e também como ensinamento espiritual.
O termo mistagogia se apresenta como referência não apenas com relação aos sacramentos de Iniciação, ao se dedicar a iniciar aos mistérios e ou explicá-los depois de havê-los experimentado, como no caso das catequeses mistagógicas de Cirilo de Jerusalém, João Crisóstomo, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa, Ambrósio de Milão, mas também por constituir atenta, minuciosa e às vezes complexa, explicação de cada palavra e gesto. A Bíblia com seus textos e alusões, a liturgia com o simbolismo de seus ritos.
O método mistagógico usado pelos Padres identifica três elementos: a valorização dos símbolos na liturgia; a interpretação dos ritos à luz da escritura, na perspectiva da história da salvação; a abertura ao compromisso cristão e eclesial, expressão da vida nova em Cristo8 .
Ione Buyst, diz que há ainda duas palavras que se relacionam ao termo mistagogia: a primeira é o “mistagogo” ou “mistagoga” que se refere a pessoa que realiza a mistagogia, que inicia, que conduz ao conhecimento do mistério; a segunda é “mistagógico” ou “mistagógica” que é o adjetivo derivado de mistagogia9 . Sendo assim, pode-se dizer que a Mistagogia é a arte de conduzir os fieis para dentro do mistério celebrado, o revelando através de cada rito, gesto e símbolo. É partir da própria celebração, dando os códigos e chaves para que permitam os catecúmenos, os neófitos, fieis a descobrirem, a desvendarem pouco a pouco o mistério que ali se celebra. O “mistério da fé”! 2.
A MISTAGOGIA NOS RITOS DE ISRAEL
É importante recordar que as raízes do cristianismo estão no judaísmo. Ao buscar entender e conhecer os ritos celebrados no antigo e novo Israel, antes e após Jesus de Nazaré, facilmente se identificará familiaridade nos ensinamentos e transmissão da fé na liturgia judaica com a mistagogia da Igreja cristã primitiva. Uma breve análise da estrutura e de alguns ritos da celebração anual da páscoa judaica ajudará a identificar as raízes da mistagogia e do método mistagógico praticado pelos Santos Padres.
2.1. ELEMENTOS MISTAGÓGICOS DA CEIA JUDAICA NO TEMPO DE JESUS
A páscoa judaica é a celebração da libertação do povo de Israel da escravidão do Egito. Este momento tão importante e significativo na vida e na história de um povo não pode ser esquecido. É necessário fazer memória, não no sentido apenas de lembrar, mas de atualizar. A celebração anual da páscoa judaica é, portanto, a prefiguração litúrgica da saída do Egito, da passagem a pé enxuto do mar, para a libertação. Este evento vivido e atualizado a cada ano, é um conjunto bastante complexo de ações, palavras e gestos. É também um importante momento para transmitir às novas gerações a fé professada. A estrutura ritual, como de costume na tradição religiosa judaica tem intuito didático, preocupando-se com a clareza e o entendimento na íntegra de cada rito10 . Vejamos abaixo a estrutura compilada por Cesare Giraudo:
O ritual do anúncio da páscoa
PRIMEIRA PARTE: RITO DE INTRODUÇÃO
<1> CONSAGRA (Qaddéš): pronuncia-se a benção do Quiddúš [consagração] sobre o vinho
<2> E LAVA (Ureḥáṣ): lavam-se as mãos sem pronunciar a bênção respectiva
<3> AIPO (Karpás): imerge-se o aipo no vinagre ou na água salgada
<4> REPARTE (Yaḥáṣ): parte-se o ázimo intermédio em dois e se esconde uma parte para ʾepíqomon SEGUNDA PARTE: ANÚNCIO PASCAL E CEIA
<5> ANUNCIA (Maggíd): Diz-se o anúncio
<5.1> Introdução em aramaico (“Este é o pão de miséria...”)
<5.2> A pergunta do filho (“Por que esta noite é diferente...”)
<5.3> A primeira introdução ao midráš (“Fomos escravos...”)
<5.4> Exemplificações instrutivas sobre o tempo da Haggadá (“por toda a noite”).
<5.5> Exemplificações instrutivas sobre os destinatários da Haggadá (“...os quatro filhos: o sábio, o mau, o íntegro e aquele que não sabe perguntar...”)
<5.6> A segunda introdução ao midráš (“Desde o início...”)
<5.7> O midráš (“O arameu queria destruir meu pai...”)
<5.8> Acréscimos ao midráš (três interpretações rabínicas sobre o número das pragas e a ladainha “Ter-nos-ia bastado”)
<5.9> O ensinamento do Rabbán Gamliʾél
<5.9.1> Ensinamento negativo (“Quem não diz...”)
<5.9.2> Ensinamento positivo (“Em cada geração...”)
<5.10> A primeira secção do Hallél (Sl 113-114)
<5.11> A benção da redenção
<6> LAVA (Raḥáṣ): Lavam-se as mãos e pronunciam-se a bênção ao lavar as mãos
<7> QUE FAZES SAIR / O ÁZIMO (Moṣiʾ Maṣṣá): Pronuncia-se a bênção “Que fazes sair” e a Benção “Comer o ázimo”.
<8> AMARGA (Marór): toma-se um pouco de erva amarga e se imerge no ḥaróset
<9> ENVOLVE (Korék): Envolve-se em um pedaço de alface o ázimo e o ḥaróset
<10> PREPARA A MESA (Šulḥánʿorék): prepara-se a mesa para comer
<11> ESCONDIDO (šafún): come-se o ázimo guardado para ʾepíqomon
TERCEIRA PARTE: BÊNÇÃO DEPOIS DA CEIA
<12> BENDIZ (Barék): pronuncia-se a bênção Birkát hammazón
<12.1> A Birkát hazzimmún ou diálogo invitatório
<12.2> A Birkát hazzimmún ou bênção depois da refeição
<12.3> A bênção “O bom e o benéfico” e a ladainha “Ele é compassivo”
<12.4> A bênção “Criador do fruto da videira”
Esse breve esquema mostra a rica e complexa estrutura e ordem simbólico-ritual da Pessach. A mistagogia está presente desde a preparação e execução de todo o rito, porém, serão observados apenas três elementos. O espaço preparado para a ceia e sua organização é o primeiro elemento identificado. É implícito e pode ser atestado pela pergunta do filho “Por que esta noite é diferente...”. Neste dia, pode-se crer que tudo é preparado nos mínimos detalhes, desde a decoração, organização da sala, louças e alimentos. Tudo tão organizado que indica, sem anúncio verbal, que aquela noite é diferente de todas as outras. A mistagogia nesse sentido não é feita verbalmente, mas através da visão. Só de adentrar na sala para refeição já se remete a algo novo, diferente, célebre, importante... Cada festa do calendário judaico continha seus próprios símbolos e ritos específicos, que exigiam uma organização e prévia preparação. Estes elementos tornam-se catequéticos, mistagógicos. A pergunta do filho é mais um elemento mistagógico que pode ser identificado. A pergunta especificada em quatro exclamações de admiração12 atesta a importância da presença de crianças na ceia. Nesta noite sua presença é momento oportuno de mistagogia, onde serão inseridas num anúncio salvífico, onde se cumpre a prescrição descrita no livro do Êxodo 13,14 de se transmitir de geração em geração o anúncio da libertação13 . “O que nós ouvimos, o que aprendemos, o que nossos pais nos contaram, não ocultaremos a nossos filhos; mas vamos contar à geração seguinte as glórias do Senhor, o seu poder e as obras grandiosas que Ele realizou” (Sl 78,3-4).
Na literatura talmúdica há testemunhos da atenção que mestres respeitáveis costumavam dar às crianças na noite de páscoa, esforçando-se de todos os modos por interessá-los e mantê-los despertos, de maneira que estivessem em condição de formular as perguntas. Desses pormenores se entrevê a figura de um pai disponível, solícito e constantemente preocupado em adaptar-se à real compreensão do filho e de cada comensal que o filho representa, para fornecer-lhe a informação que lhe permitirá estar envolvido salvificamente no evento da páscoa14 .
Por fim, o matzá, pão em forma de bolacha, não contendo fermento e assado rapidamente, lembra o povo que não teve tempo para que a massa levedasse e o tem que assar às pressas no momento da saída do Egito. É o alimento da mesa judaica durante todos os dias de Pessach, substituindo o pão fermentado. O mandamento da não ingestão de pão fermentado descrita em Êxodo 12, descreve que no décimo quarto dia do mês de Nissam deve-se retirar todo o fermento (chametz) de dentro da casa. A busca pelo chametz é feita à luz de uma vela, onde os membros da família percorrem toda a casa em busca de qualquer alimento fermentado, como migalhas de pão, biscoito etc. Costuma-se ainda espalhar livremente dez pedaços de pão bem embrulhados no interior da casa, para serem achados e coletados pelas crianças, munidas de uma pena, “varrerem” todo o chametz ao encontrá-lo. Na noite do Seder (jantas de Pessach), três15 matzot são colocadas no centro de uma bandeja e utilizadas em vários momentos do ritual. É mais um momento mistagógico, onde através do simbolismo do não fermento, se transmite toda uma tradição, onde cada geração deverá sentir como se eles próprios tivessem sido libertados do Egito. A explicação, a busca e o comer o pão ázimo mantém viva a memória do povo liberto da escravidão. O local da celebração, a preparação, o ritual em suas catorze divisões e palavras, os alimentos simbólicos, formam um todo, que revelam a história, o passado, presente e futuro de um povo. Nesse sentido, a liturgia cristã recebe como herança tal tradição, onde cada tempo litúrgico, expressado por seus cantos, cores e símbolos revelam o mistério celebrado e vivido ao longo do tempo. As leituras bíblicas, unida à homilia orientam e clarificam o mistério celebrado. O sacrifício e banquete, dado em alimento, atualiza e exprime a história e identidade do povo de Deus, de um só corpo.
3. A MISTAGOGIA CRISTÃ
Com elementos herdados da tradição judaica e com a novidade do evento salvífico da morte e ressurreição de Jesus Cristo, as primeiras comunidades cristãs formadas criaram aos poucos e redigiram em partes seus ensinamentos transmitindo-os aos que se convertiam à fé cristã. Os escritos, tidos como testemunhos literários do depósito da fé, dos apóstolos à primeira ou segunda geração pós-apostólica16, em síntese tradições litúrgicas e canônicas, compiladas receberam o nome de “Didaché” ou ainda “Doutrina dos Apóstolos” ou um nome mais completo “Doutrina do Senhor através dos doze Apóstolos”. Esses escritos foram fundamentais para compreender a doutrina e a prática da Igreja primitiva. Unese à Didaché muitos outros textos posteriores que para um estudo mais aprofundado poderão ser tomados: Epístola de Santo Inácio de Antioquia; Carta de São Clemente Romano; Tradição Apostólica de Hipólito; Catequese de São Cirilo de Jerusalém; Peregrina de Etéria etc.
Uma rápida análise dos textos da Didaché, permite identificar um caminho mistagógico realizado pelos cristãos da Igreja primitiva ao acolher os que queriam abraçar a fé. Em três etapas os primeiros cristãos transmitiam os fundamentos da fé do cristianismo aos catecúmenos e os introduziam na vida litúrgica e comunitária. No texto da Didaché, nota-se que as comunidades ainda não estão estruturadas, mas pode-se dizer, que esse pequeno manual de catequese utilizado pelos primeiros cristãos, com influências do judaísmo e do paganismo, foi a base para a mistagogia cristã, pois dela, beberam os antigos Padres da Igreja. Na Igreja primitiva, a catequese feita por tais Padres especulavam nas celebrações e a partir das celebrações. Não estavam preocupados em dar explicações e formas sistemáticas. Cesare Giraudo faz um convite a imaginar, por exemplo, Ambrósio de Milão (+ 397), ao falar do tratado sobre a eucaristia:
O mestre não se põe no centro da cena, mas do lado: No centro está o altar, já que estamos na igreja. Mistagogo e neófito comportam-se como se tivessem, à maneira dos camaleões, o controle independente dos olhos. Com um olho, ou seja, com o olhar material, mestre e discípulo se olham: o mistagogo olha com amor para os neófitos e os neófitos olham com confiança para o mestre. Mas com o outro olho, o olho teológico, mestre e discípulo olham para o altar, não perdem de vista um só instante. O altar é o verdadeiro mestre!17 .
Quer entender que a mistagogia, que o “método mistagógico”, e a compreensão da liturgia, não cabem em uma sala e numa relação professor x aluno ou mestre x discípulo, como afirma ainda Cesare Giraudo ao explicar a metodologia usada no segundo milênio da fé:
O mestre olha os discípulos, os discípulos olham o mestre; nenhum deles olha a Igreja, nenhum deles olha o altar. Ao que professaram na escola hão de volver-se as mentes de mestres e discípulos quando se encontrarem na Igreja a rezar, pois logicamente primeiro estudam e depois rezam, rezam na medida em que estudam, rezam como estudaram18 .
Para os padres da Igreja é evidente que a mistagogia,
é um ensinamento ordenado a fazer compreender o que os sacramentos significam para a vida, mas que supõe a iluminação da fé que brota dos próprios sacramentos; o que se aprende na celebração ritual dos sacramentos e o que se aprende vivendo de acordo com o que os sacramentos significam para a vida19 .
É um ensinamento que parte da prática, da vivência. É impossível reduzir a relação da pessoa de fé com o mistério de Deus e de seu Reino, revelado por Jesus em conceitos racionais, dogmas ou a um código moral, ou ainda à uma mera explicação. É necessário ser iniciado no conhecimento do mistério, na comunhão com Deus, não somente com palavras, mas principalmente através de uma experiência eclesial e ritual do mistério de Cristo que leve o fiel a uma vida de fé, centrada na pessoa dele20 .
Nesse sentido, ao escrever a exortação apostólica pós-sinodal sobre a Eucaristia, o Papa Bento XVI diz:
O Sínodo dos Bispos recomendou que se fomentasse, nos fiéis, profunda concordância das disposições interiores com os gestos e palavras; se ela faltasse, as nossas celebrações, por muito animadas que fossem, arriscar-se-iam a cair no ritualismo. Assim, é preciso promover uma educação da fé eucarística que predisponha os fiéis a viverem pessoalmente o que se celebra. Vista a importância essencial desta participação pessoal e consciente, quais poderiam ser os instrumentos de formação mais adequados? Para isso, os padres sinodais indicaram unanimemente a estrada duma catequese de carácter mistagógico, que leve os fiéis a penetrarem cada vez mais nos mistérios que são celebrados21 .
A mistagogia e todo o método mistagógico, que foi a base da Iniciação Cristã dos primeiros séculos da Igreja, desenvolvido e usado pelos Santos Padres voltam a ser estudado, pela teologia, catequese e liturgia, não para aplicá-lo tal qual, mas para servir de inspiração e modelo à formação cristã, principalmente na teologia litúrgico-sacramental. Ponto de referência desse tipo de formação é a participação litúrgica e a experiência que nos proporciona um contato vivo e pessoal com o mistério da fé22 .
CONCLUSÃO
A prática ritual e os espaços em que a fé é celebrada revelam a crise na atualidade e na realidade de muitas comunidades. O distanciamento entre catequese e liturgia, e a sua racionalização, fez com que na grande maioria das vezes a liturgia não passasse de mero ritualismo. Os ritos e símbolos não comunicam, não falam mais ao fiel que ali está. É preciso tudo se explicar, ou “inventar” ou “criar”, algo que “dinamize” nossas celebrações, para que haja uma “participação” por parte da assembleia, pois para muitos a ação ritual não passa de uma mera repetição de ações chata e monótona. Para tanto, uma liturgia bem celebrada, com um ambiente bonito, arejado e iluminado, valorizando os elementos fundamentais que constituem o espaço litúrgico, respeitando a espiritualidade própria do calendário litúrgico, com seus símbolos e ritos, fazendo o caminho pedagógico e mistagógico proposto por ele é de fundamental importância para se ter uma liturgia mistagógica, que comunique e conduza para o Mistério. Redescobrir as raízes mistagógicas da liturgia cristã, buscando no judaísmo o entendimento e a dinâmica de sua espiritualidade, bem como, compreender a liturgia cristã, sua formação e transmissão nos primeiros séculos da fé cristã, voltando às suas origens, nos ajudará a resgatar o que é fundamental dos ritos e símbolos, e conscientizar o fiel daquilo que é essencial na fé, dando-lhes as chaves para compreensão e interpretação da ação realizada, fazendo com que o mesmo faça essa experiência mística com Jesus Cristo. Portanto, o contato com liturgias mistagógicas, onde os ritos e símbolos são vivenciados e bem compreendidos na sua essência, e que leve o catecúmeno a se encontrar com o mistério pascal de Cristo, é o primeiro passo para uma fé viva no seio da comunidade celebrante.
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Notas * Mestrando em Teologia da PUC/SP. 1 COMPÊNDIO do Vaticano II. Constituições, decretos e declarações, p. 256.
2 VALLE, S. Pastoral Litúrgica. Uma proposta um caminho. p.11.
3 Cf. SC 64-65; AG 14; CD 14.
4 Cf. RITUAL da Iniciação Cristã de Adultos n.7, p. 23.
5 BUYST, Ione. O segredo dos Ritos. Ritualidade e sacramentalidade da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 115.
6 COSTA, Rosemary Fernandes da. Mistagogia Hoje. O resgate da experiência mistagógica dos séculos III e IV como
contribuição para a evangelização atual. Dissertação (Mestrado em Teologia.) Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, em Teologia Sistemático-pastoral. Rio de Janeiro, 2003. p. 66. Disponível em: