A Reforma Protestante

 

 

 1.   Quando foi que começou o Movimento Protestante?

Depois de afixar, a 31 de outubro de 1517, as suas teses atacando o ensino tradicional do Cristianismo, a 18 de abril de 1520, Martinho Lutero rompeu com a Igreja Católica, e começou a edificar uma nova Igreja de acôrdo com as suas idéias.

2.     Protestantes não são aquêles que protestam contra os erros de Roma?

Muitos protestantes hoje em dia aceitariam essa descrição da sua posição. Mas aquilo que êles acre- ditam ser erros de Roma não são realmente erros, se na verdade são ensinamentos da Igreja Católica. Acrescento esta última condição porque muitas doutrinas têm sido atribuídas à Igreja Católica, as quais ela nunca ensinou, ao passo que outras têm sido interpretadas de um modo que ela mesma condenaria. Por mal-entendido, muitos escritores protestantes têm gasto o seu tempo e o dos seus leitores refutando la- boriosamente aquilo que a Igreja Católica absoluta- mente não ensina! E a sua linha de aproximação aos problemas do Catolicismo mal necessita de revisão.

3.      Quando foi que começou a Reforma Luterana


Qual foi exatamente a origem do têrmo "Protestante"?


A palavra deriva do célebre "Protesto" lido pelos príncipes germânicos na Dieta de Espira em 1529.

Grande número de príncipes alemães haviam-se aproveitado da revolta religiosa de Martinho Lutero para conseguir a independência política dos seus Estados. Naturalmente, em troca, êles apoiaram o Luteranis- mo como uma grande fôrça entre o seu povo para os desprender de antigos laços, e çomeçaram suprimindo a religião católica dentro dos seus territórios. Ora, o Decreto da Dieta de Espira concedia liberdade religiosa a todo aquêle que já houvesse abraçado o Luteranismo nos Estados dos príncipes germânicos, mas exigia tolerância para com os católicos residentes dentro dos limites dêles. Os príncipes luteranos protestaram não conceder tolerância aos católicos, e disseram que a religião do povo deve ser a mesma que a dos seus príncipes. "Cujus regio, illius religio", diziam aquêles príncipes. "Seja qual fôr o governante, dêle deve ser a religião". Por outras palavras, os príncipes germânicos exigiam o direito de impor ao seu povo qualquer religião que lhes aprouvesse. E o protesto dêles era cantra qualquer obrigação de tolerar os católicos. A palavra "Protestante", portanto, de acôrdo com o seu significado histórico e religioso, nasceu de uma denegação de liberdade de consciência; e os que assim protestaram contra a liberdade de culto para os católicos foram denominados Protestantes.

 

4.        Quais as causas que em primeiro lugar levaram à Reforma Protestante?

A Reforma Protestante não foi realmente uma reforma. Foi antes uma revolução. Ela tirou reinos in- teiros à Igreja Católica, e introduziu idéias inteiramente novas sôbre as relações religiosas entre os cristãos e Cristo. Quanto às causas que levaram a essa revolução, é certo que não houve coisa alguma errada na religião católica em si mesma. Houve, porém, muita coisa errada em grande número de católicos, do contrário Lutero nunca teria alcançado o êxito que alcançou. Não é uma só e simples causa que pode ex- plicar isto. Podemos dizer que aquêles que deixaram a Igreja Católica o fizeram por infidelidade à graça de Deus nas suas vidas pessoais. Mas que tantos de- vessem provar-se infiéis, isto reclama maior explicação; e essa maior explicação deve ser achada nas condições religiosas, culturais, políticas e sociais do tempo.

5.        Qual era então o estado de coisas religioso e cultural?

Devemo-nos lembrar de que, durante o século anterior à Reforma, o Renascimento trouxera a revivescência dos clássicos pagãos gregos e latinos, e êstes não desviavam as mentes dos homens do estudo da filosofia católica, mas levavam à corrupção da vida entre as classes educadas. Ademais, muitos bispos e sacerdotes, grandemente desviados de Roma, haviam sido demasiádo subservientes à autoridade secular, e haviam descurado reforçar a disciplina da Igreja, enfraquecendo-lhe assim a influência sôbre o povo. O relaxamento no seio do clero produzira grande desedificação; e a demora na reforma dêle preparara o caminho para uma reforma errônea, pelo rompimento com a Igreja. Sacerdotes descuidados haviam deixado o povo sem instrução e incrivelmente ignorante da sua religião; e, não conhecendo a sua própria fé, grande número de simples católicos não discerniam o verdadeiro mal contido no movimento separatista. Não conhecendo a verdade, eram manejados pelas idéias dos reformadores, que denunciavam Roma sem exigir qualquer padrão mais alto de virtude do que o que até ali prevalecera.


6.        Então você admite que a queda da Igreja Cató- lica se deveu à sua própria depravação?

A Igreja Católica não caiu. Muitos dos seus membros haviam caído dos seus padrões de virtude, e multidões faziam disto pretêxto para abandonarem a fé pela heresia. Um dos grandes opositores de Martinho Lutero foi Tomás More, na Inglaterra. Tomás More estava tão cônscio do triste estado das coisas como Lutero, mas não cometeu o êrro de censurar a Igreja por causa dos membros relapsos nela existentes. Nem seria correto imaginar que só havia relaxamento na Igreja imediatamente antes da Reforma. Havia Santos naqueles dias tanto como havia pecadores. Leia êsse maravilhoso livrinho A Imitação de Cristo, por Tomás a Kempis. Êssé tesouro espiritual foi escrito por um monge católico durante aquêles anos de suposta corrupção universal. E êsse livro reflete os verdadeiros ideais da Igreja Católica.

 

7.        Você diria que Lutero errou declarando necessária uma reforma?

Não nego que era necessana uma reforma. Havia muitos abusos a ser corrigidos. Mas Lutero não introduziu um movimento de real reforma. Fêz dos abusos reinantes pretêxto para ao mesmo tempo deixar a Igreja, ao invés de ficar nela e procurar efetuar a conver são dos seus membros relapsos para melhores caminhos. Ademais, êle manteve muitos dos próprios abu sos, apenas procurando justificálos pela negação de . que êles fôssem errados, e ainda sancionou ulteriores renúncias às normas do verdadeiro Cristianismo. 

             Você disse que, além dos fatôres religiosos e culturais, condições políticas contribuíram para o sucesso de Lutero.

E assim foi. O prestígio do Papado em negócios de Estado através da Europa diminuíra sensivelmente durante os dois séculos anteriores à Reforma, e a autoridade do Imperador também havia sido grandemente minada. No tocante ao prestígio do Papado, importa lembrar que, na maior parte do século quatorze, os Papas tinham sido forçados a viver fora de Roma, em Avinhão, na França, expondo-se à acusação, por outras nações, de estarem sob influência política da França. Quase imediatamente após o regresso dêles a Roma, teve lugar aquilo que é conhecido como o "Grande Cisma do Ocidente", quando, além do Papa legal, houve dois antipapas, cada qual pretendendo possuir a autoridade suprema sôbre a Igreja. No seu reconhecimento dêsses papas as nações se dividiram sôbre linhas políticas,· e isto enfraqueceu grandemente a influência do Papado na Europa. Depois que êsse desastre foi sanado pela eleição do Papa Martinho V, em 1417, e pela supressão de todos os Papas rivais, surgiram dificuldades de dinheiro. O Papado estava empobrecido. Era preciso dinheiro para a construção da basílica de S. Pedro em Roma, e neste sentido foram feitos apelos a tôda a cristandade, concedendo-se indulgências a todos os que contribuíssem para a causa. A acusação de traficância nessas indulgências veio a ser a razão imediata para a revolta de Lutero; mas, se êle alcançou tamanho êxito foi porque Roma, havia muito, perdera em grande extensão o amor e o respeito. Enquanto isso, a autoridade imperial era apenas uma sombra do que tinha sido. O feudalismo estava desmoronando na Europa. Vassalos governantes nas províncias estavam-se tornando cada vez mais rebeldes e independentes. Lutero teve apenas de soprar sôbre chamas ateadas; e fê-lo explorando a ambição e o espírito de indepen- dência reinantes entre os príncipes germânicos, excitando à revolta contra o Imperador. E lisonjeou- lhes a cupidez e o orgulho aconselhando-os a esbulharem a Igreja da sua propriedade nos domínios dêles, e a tomarem sôbre si o contrôle da doutrina e da moral dos seus súditos.

9.         Como foi que o estado da sociedade contribuiu para o êxito de Lutero?

Pelo simples fato de haver o descontentamento permeado cada camada dela. A sociedade sofre quando grande número de pessoas estão descontentes com a sua sorte. Além disto, clero, príncipes e camponeses estavam igualmente insatisfeitos. Os bispos eram mundanos, desfrutando ricos benefícios, ao passo que sa- cerdotes ignorantes e acossados pela pobreza abundavam como um "proletariado clerical". Os mostei- ros, igualmente, ressentiam-se da interferência e das exações dos bispos; e, por sua vez, eram de frouxa observância, com conseqüentes dissensões internas. Por isto, muitos membros do clero, tanto diocesano como regular, estavam prontos para jogar fora às suas batinas e para seguir o ainda mais atenuado Evangelho de Lutero. Entre os pequenos príncipes alemães reinava o ciúme e a anarquia, e êles estavam mais do que prontos para as guerras de religião que em breve deviam seguir-se. Os camponeses, espezinhados e miseráveis, pensavam também poder ganhar muito com a revolução protestante, embora na realidade viessem a achar-se logrados e trucidados.


10.      O poder do Romanismo não foi quebrado por Martinho Lutero, de imortal memória?

Martinho Lutero é, sem dúvida, uma figura saliente na história. Mas, conforme o expliquei, a situação tôda constituía o momento histórico em que um homem podia desencadear a tempestade. Enquanto isso, a memória imortal de Lutero tornar-se-á cada vez menos grata à medida que os fatos a êle concernentes forem sendo mais conhecidos. Os que o idealizam só podem fazê-lo ignorando uma imensa soma de informa- ção inconveniente.

11.        Sem dúvida os historiadores católicos têm pintado Lutero com as côres mais negras.

Estou de pleno acôrdo em admitir que muitos escritores católicos deram uma informação deturpada sôbre Lutero, tal qual como livros escritos por protestantes têm dado uma visão deturpada da posição católica ,e em extensão muito maior. Mas, ainda assim, digo que um estudo imparcial da história só pode é desacreditar Lutero como reformador religioso.

12.      Vocês nunca apagarão as lembranças do passado nas mentes protestantes.

Mas podemos corrigir essas lembranças. Podemos mostràr que os livros de texto que perpetuam falsas vistas ·da história não proporcionam um conhecimento genuíno do passado. Podemos mostrar que, muitas vêzes, em histórias da Reforma Protestante, o sentimentalismo tem sobrepujado a razão desapaixonada.

13.      História é história e o registro da verdade.

Você esquece que os historiadores nem sempre dizem a verdade. Os textos de história em língua inglêsa na sua maior parte foram escritos por protestantes de convicção, ou pelo menos infectados pela tradição protestante, por mais imparciais que êles pensem ser. Ainda que inconscientemente, desvio e preco nceito insinuam-se nos seus escritos, e a verdade plena não deve ser achada nas suas obras. Não raras vêzes as coisas são repetidas como fatos que não são fatos. Onde quer que fatos indiscutíveis interessem, faz-se uma seleção, omitindo-se fatos inconvenientes, enquanto que os escolhidos são interpretados para quadrar com as teorias do escritor. A nossa queixa nunca é da história, é dos historiadores.

14.        Não será que é o seu próprio preconceito católico que assim o faz falar?

Não. Escute as palavras de um protestante, o Revdo. Dr. Goudge, Régio Professor de Teologia da Universidade de Oxford. Num apêlo em pró de um melhor entendimento entre protestantes e católicos, êle nos pede desfazermo-nos dos preconceitos do século de- zesseis, quando ocorreu a Reforma. "Todo o espírito das controvérsias", escreve êle, "era mau. Elas eram negras de ódio e de falsa representação, e conduziam grandemente a desaforos teológicos. . . Se basearmos as nossas afirmações em fontes do século dezesseis, baseá-las-emos em fontes envenenadas. Na melhor das hipóteses elas omitem metade da verdade, e, na pior, mentem" (The Church of England and Reunion, p. 2S).

15.        Você acha que é imparcial quando imputa motivos indignos aos reformadores protestantes?

Sim. O Revdo. Ór. Goudge escreve no livro pouco citado, pp. 41-42: "Nenhum católico romano instruído nega agora a tremenda condição da cristandade ocidental no comêço daquele século, ou o fracasso do movimento conciliar ou de outros movimentos refor- madores para combatê-la com êxito. Nenhum protestante instruído nega agora que motivos políticos e pessoais influíram muito na Reforma Protestante ... E' dever dos membros mais bem informados de tôdas as comunhões corrigir os erros dos menos infor- mados, e pecialmente quando êsses erros os levam a julgar mal aquêles de quem estão separados".

16.       Quanto tempo da sua vida Martinho Lutero levou como católico, e quanto como protestante?

Martinho Lutero levou trinta e sete anos como católico, e vinte e seis como protestante. Nasceu em Eisleben, na Alemanha, a 10 de novembro de 1483. Declarou que tinha tido uma infância infeliz, e que, num estado de depressão, impelido pela brutalidade da sua vida doméstica e escolar, entrou para um mosteiro Agostiniano. Ali estêve bastante feliz a princípio. Viveu vidà fervorosa e estrita, e, finalmente, foi ordenado sacerdote em 1507. Mas tinha um temperamento neurótico, provàvelmente por efeito de uma infância supra-reprimida, e gradualmente tornou-se vítima de escrúpulos e de melancolia. Alternava en- tre acessos de completo descuido dos seus deveres e de violenta penitência pela sua infidelidade. Ninguém podia considerá-lo um homem de juízo equilibrado. A crise na sua vida veio com a publicação da Bula Papal de Indulgências concedidas aos que contribuís- sem para a construção da Basílica de S. Pedro em Roma. Êle fêz disso pretêxto para um ataque contra todo o sistema penitencial da Igreja e contra tôda a autoridade eclesiástica. A 31 de outubro de 1517, pregou à porta da igreja de Wittenberg as suas famosas 95 teses, desafiando o ensino da Igreja. :Êle  não era profundamente versado nesse ensino. No seu panfleto Hans Worst, publicado em 1541, escreveria êle: "Tão certo como Nosso Senhor Jesus Cristo me remiu, eu não sabia o que era indulgência". Mas persistiu obstinadamente na sua rebelião contra a Igreja, e em 1520 foi excomungado pelo Papa, tendo então trinta e sete anos de idade. Na Dieta de Worms, em 1521, contam que êle disse: "Aqui fico, não posso fazer de outro modo. Assim me ajude Deus". Porém investi- gações protestantes provaram não serem autênticas essas palavras, e sim mera lenda. Em 1525 êle se casou com Catarina de Bora, ex-freira. Morreu a 18 de fevereiro de 1546.

 

17.        Lutero não visitou Roma em 1511 e não perdeu a fé na Igreja Católica por causa dos escândalos que ali viu?

Em 1511 êle visitou Roma a negócios monásticos, mas não perdeu a por causa de quaisquer abusos que ali tivesse visto. Voltou para a Alemanha tão forte na sua católica como o era antes dessa visita. anos mais tarde, depois de haver sido excomungado da Igreja, que êle escreveu dizendo que achara Roma "uma cloaca de iniqüidade, os seus sacerdotes infiéis, os homens da côrte papal com vidas vergonhosas", e que a sua reverência para com Roma se convertera em nojo. Mas assim 'êle interpretava um estado de mente anterior, à luz de preconceitos posteriores. Na realidade, cartas escritas por Lutero após o seu regresso de Roma falam do Papa com o maior respeito.


18.        Tendo perdido a na Igreja Católica, Lutero converteu-se ali mesmo ao verdadeiro Evangelho.

Contam a história de que êle subia de joelhos a "Scada Santa", quando de súbito luziu-lhe na mente êste pensamento: "O justo vive da fé". Mas em parte alguma, em nenhum dos seus escritos, o próprio Lutero menciona isso. O incidente não é histórico, e sim uma lenda forjada por seu filho Paulo, que aí sacava sôbre a sua própria imaginação.

t 9. Mas, seja como fôr que ela tenha ocorrido, você não pode negar a realidade da conversão de Lutero.

Não nego que lhe haja sobrevindo uma mudança quatro ou cinco anos depois da sua visita a Roma, e que, ao passo que êle foi católico até ser finalmente excomungado pela Igreja em 1520, de então por diante foi protestante. Mas nego que essa mudança tenha sido uma conversão sobrenatural devida à graça de Deus. Lutero fracassara na sua própria vida em viver conformemente aos ideais de santidade que a Igreja Católica lhe apresentara. Para alcançar a paz de ·espírito nos seus próprios baixos ideais, êle persuadiu-se de que a Igreja estava errada exigindo quaisquer boas obras. Convenceu-se de que o homem é totalmente depravado, de que êle não tem livre arbítrio, e de que Deus não espera que o homem seja outra coisa senão depravado. Então inventou o consolador evangelho de que o homem é salvo pela fé somente, e não pelas obras. Crença, e não bom proceder, foi de então por diante o segrêdo da salvação ensinado por Martinho Lutero.


20.    Lutero não foi um bravo em seguir as suas convicções a despeito da oposição da Igreja Católica?

Êle tinha uma coragem natural. Mas isso não era virtude mais do que o é a coragem freqüentemente achada em malfeitores. Coragem meramente humana não é sinal de bom cristão.

 

21.    Por que é que os católicos dizem que Lutero foi tão mau assim?

Os protestantes que idealizam Martinho Lutero apresentam a sua suposta santidade como argumento em favor da Reforma Protestante. Para fazer face a êsse argumento os católicos não têm outra alternativa senão evidenciar que Lutero absolutamente não foi um santo homem. Os católicos argúem que quem proclama ter sido incumbido por Deus de revelar Cristo ao mundo degenerado deve exibir em si mesmo uma vida cristã. Mas Lutero assim não fêz; e é inconcebível que um tipo de homem qual êle era fôsse escolhido por Deus para reformar a Igreja de Cristo.

 

22.    Aos protestantes sempre foi ensinado que Lutero era verdadeiramente um homem de Deus.

dois Luteros: o Lutero de ficção fascinadora, e o Lutero da história e do fato. O Lutero de ficção aparece no púlpito protestante, nas escolas dominicais e em biografias partidárias. Mas o Lutero real será achado nos seus escritos e certamente me refiro às edições dêles não expurgadas. Protestantes bem informados não falam mais da '.'santidade" dêle. Detêm-se sôbre a sua qualidade de campeão do livre pensamento, e sôbre o seu êxito em derrubar a tirania de Roma. Porque, enquanto que Lutero era indu- bitàvelmente um homem religioso, era também um homem muito desequilibrado, que fracassou em regular  as suas inclinações religiosas de acôrdo com as leis de Deus, e que condescendeu com outras inclinações em trilhas igualmente indesculpáveis. Lutero teve um caráter estranhalarmente complexo. H. A. L. Fisher fala da sua "vasta fôrça animal, da sua alegria e agudeza, da sua rusticidade e chiste, da sua selvagem veia de romance e áspero escolasticismo, das suas ingênuas superstições aldeãs, e da sua mórbida autocrítica" (A History of Europe, p. 543). Lutero era amável, generoso, terno e sentimental, mas era tam- bém orgulhoso, incrivelmente vaidoso e teimoso. O "eu" era supremo nêle. Tôda oposição ao "eu" de Lutero era uma afronta à "Liberdade Cristã"; a doutrina tinha de ser ajustada para quadrar com o "eu" dêsse homem introspectivo; e êle exigia para si mesmo uma "absoluta segurança" que negava veementemente à Igreja. O caráter pessoal de Lutero desacredita-o para sempre como mestre de religião.

23.    Você diz que protestantes bem informados têm modificado a sua apreciação sôbre Lutero como homem de Deus. Pode citar um dêles?

O Deão W. R. Inge, de S. Paulo em Londres, é indubitàvelmente uma sumidade. E', também, indubitàvelmente, um protestante que não se o trabalho de esconder a sua antipatia pela Igreja Católica. Contudo, eis aqui a sua apreciação sôbre Lutero, como dada no seu livro ,Protestantism, p. 28: "Lutero, portanto, foi um reformador que não era nem filósofo nem teólogo. Era reacionário de vários modos, e os Humanistas, que a princípio tinham esperanças nêle, não tardaram a descobrir que muito pouca simpatia poderia haver entre si. Exaltando a fé e rebaixando as boas obras, e usando a "Fé", com as suas associa- ções intelectuais, êle deu mais importância a corrigir a crença do que nem mesmo os católicos o haviam feito. Êle não quis estender a tolerância aos Anabatistas e a outros sectários, e em princípio não fêz objeção à perseguição. A sua atitude durante a Revolta dos Camponeses fica sendo uma mancha na sua carreira, embora se deva admitir que a sua posição era extraordinàriamente difícil. Todo o futuro da obra de sua vida parecia depender da bem sucedida defesa da sua autoridade pelos príncipes. Finalmente, a despeito do caráter fortemente ético do seu ensino, houve no seu trato das questões sexuais uma grosseria que repercutiu desfavoràvelmente sôbre a moral do povo alemão".

24.     Sabe de algum bem em Lutero?

· Sei, mas não o bastante para compensar vícios inteiramente deslocados num homem que é olhado como equilibrado e como santamente reformador. O "caráter fortemente ético" que o Deão Inge descobre nos escritos dêle ocorre somente em certos lugares. Com bastante freqüência Lutero ensina doutrinas as mais imorais, e põe-nas em prática na sua própria vida. S. Paulo diz que os que são de Cristo crucificam a sua carne com os seus vícios e concupiscências (Gál 5, 24). Entretanto, que Lutero condescendia com seus vícios e concupiscências torna-se claro pelos seus ·próprios escritos, onde êle dá vergonhosas descrições da sua própria indulgência para com tudo quanto é apaixonado. Os seus diários registam chocantes excessos de sensualidade, que não poderiam ser impressos em nenhum livro decente hoje em dia.


Um verdadeiro apóstolo de Cristo não dá curso a expressões tais como: "Ser continente e casto não está em mim"; ou: "Por que ando sempre empapado em vinho?" Autocontrôle era coisa que não existia em Lutero. :Êle soltava as rédeas às suas paixões mais baixas, dizendo calmamente que assim deve fazer o homem, e não será responsável por essa conduta.

25.    Lutero escreveu os mais belos hinos, e parece estranho que um homem assim tão mau como você retrata pudesse ser tão religioso a ponto de os escrever.

Contudo, lado a lado com os seus belos hinos Lutero escreveu grosseiras e chocantes espurcícias como tais não divulgadas. Psicológicamente, êle era um caráter estranho, quase médico e monstro alternativamente. Nos momentos religiosos, a sua imaginação derramava-se em poesia e em hinos. Mas êstes, e muitas outras belas passagens, que podem ser colhidas dos escritos de Lutero, eram meros resíduos da sua herança católica. Nos momentos sensuais, êle se reboleava nas suas paixões. Quando vinha a melancolia, embriagava-se. Nos momentos de luta era inexorável em alto grau, e descascava os seus opositores com violentas torrentes de injúria. A grandeza de Lutero não foi nem uma verdadeira grandeza humana, nem uma verdadeira grandeza cristã. Foi simplesmente, como Maritain e Fisher indicaram, uma grandeza animal, uma grandeza de fôrça, energia e veemência de caráter.

26.    Desafio-o a produzir a evidência de haver Lutero alguma vez usado qualquer linguagem má.

E' claro ·que você só conhece o Lutero lendário. Nenhum  protestante decente  poderia ler o  livrinho Hans Worst, escrito por Lutero em 1541, sem extremo nojo. Zwínglio, seu companheiro de reforma protestante, queixava-se da vil linguagem dêsse sujo panfleto. Repito, nenhum protestante decente poderia ler a Conversa de mesa de Lutero sem pejo e indignação.  D.  P.  Smith, o biógrafo protestante, no ,seu livro Luther, p.  321, escreve:' "Fere o  moderno leitor de nada menos do que de pasmo, quase de horror, o descobrir a conversa particular do grande mo ralista com os seus comensais e filhos, as suas aulas a estudantes, até mesmo os seus sermões, densamente permeados de palavras, expressões e histórias confinadas hoje em dia aos freqüentadores dos mais baixos botequins". Não dúvida de que os ensinamentos e os conselhos práticos de Lutero, e o seu exemplo na conversação, estavam infinitamente abaixo das normas morais da Igreja Católica que êle descompôs, e abaixo mesmo das normas ora geralmente aceitas pelos próprios Protestantes.

27.    Uma fonte não pode lançar, no mesmo jato, água salgada e água fresca.

Pode, se a fonte fôr enchida alternadamente de água salgada e de água fresca. E os pensamentos que acudiam à mente de Lutero eram alternadamente bons maus. Quase todos os biógrafos de Lutero admitem que a linguagem dêste era invariàvelmente grosseira e vulgar, imprudente e impetuosa. Porém as descri- ções que êles  fazem carecem de realidade,  ou pelo fato de não terem êles querido mostrar o verdadeiro caráter de Lutero, ou por não terem querido ofender o senso de decência dos seus leitores. Sem embargo, Lutero era capaz de expressões baixas, soezes e vergonhosas, capazes de espantar até mesmo um pagão.


28.     Pois bem: então ou são os católicos ou são os protestantes que estão certos na sua apreciação de. Lutero. Porém quais?

lhe disse várias apreciações protestantes substancialmente concordes com a apreciação católica. Sôbre o único ponto que poderia ficar em discussão, posso apenas dizer que qualquer protestante que diz que a revolta de Lutero contra a Igreja Católica foi inspirada por Deus está, sem dúvida alguma, enganado.

29.     Como justifica essa afirmação?

Que a revolta de Lutero contra a Igreja Católica não foi inspirada por Deus, isto deveria ser evidente a quem quer que crê em Cristo e tem algum conhecimento dos Evangelhos. O próprio Cristo disse: "Edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela". Quem quer que diz que a Igreja, tal como Cristo a estabeleceu, falhou tanto posteriormente que os homens tiveram de deixá-Ia e de iniciar novas Igrejas, quem tal diz contradiz Cristo. E, no entanto, foi o que Lutero fêz. Dizendo que as fôrças do mal haviam prevalecido contra a Igreja Católica, êle deixou esta para fundar uma nova Igreja sua. Isto significava que Cristo não tinha podido cumprir a sua promessa de proteger a sua Igreja contra semelhante corrupção radical. Que no tempo de Lutero houvesse abusos .entre católicos, quer clérigos quer leigos, ninguém poderia negá-lo. O próprio Cristo predisse êsses abusos quando disse que a sua Igreja seria como uma rêde que apanha bom e mau peixe. Havia grande quantidade de mau peixe na rêde ao tempo da Reforma. Porém mau peixe não significa má rêde. Onde Lutero cometeu o engano foi em condenar a rêde tanto como o mau peixe, e em se afastar para fazer uma rêde sua. Se êle realmente queria uma reforma, deveria ter ficado na rêde garantida por Cristo, e ter despendido as suas energias em converter o mau peixe em bom peixe. Verificando isto, os bons protestantes hoje em dia deveriam voltar à rêde que Lutero abandonou -  a Igreja Católica.

30.     Se Lutero alguma vez escreveu as coisas ignominiosas que você lhe atribui, está fora de dúvida que, anteriormente, Deus disse a êle: "O justo vive da fé, e não da penitência".

Deus nunca disse tal coisa a Lutero. Lutero atribuiu a Deus os frutos da sua própria imaginação. Tomemos, porém, o ponto que você apresenta. Lutero começou a sua carreira, como pretenso reformador, de 1517 em diante. O seu imundo livro Hans Worst foi escrito em 1541. A sua Conversa de mesa é cheia de expressões e sentimentos indecorosos e lascivos proferidos depois que êle se erigira em reformador. Bullinger, o reformador potestante suíço, escreveu a respeito de Lutero: "Ai! é claro como a luz do dia e inegável que ninguém jamais escreveu mais vulgar, mais grosseira, mais indecorosamente, em assuntos de fé, e de modéstia cristã, e em todos os assuntos sérios, do que Lutero. Há escritos de Lutero tão sujos, tão imundos, tão vulgares e grosseiros, que não seriam desculpados num pastor de porcos mais do que num pastor de almas". Pregando em Wittenberg: depois de deixar a Igreja Católica, Lutero disse: "Se Moisés tentar intimidar-vos com os seus estúpidos Dez Mandamentos, dizei-lhe imediatamente: Suma-se daqui para os Judeus!" Quantos protestantes apoiariam palavras como estas?


31.   Mesmo se Martinho Lutero não pode ser defendido, por que então o seu mau caráter haveria de ser um argumento contra a Igreja Protestante, e no entanto, maus Papas não seriam argumento contra a Igreja Católica?

Porque os maus papas não pretenderam ser fundadores de novas religiões, como o fêz Lutero. O único fundador da Igreja Católica, ficou, e êsse foi indubitàvelmente santo, pois foi o próprio Jesus Cristo. Além disto, nenhum mau papa pretendeu jamais que os seus pecados estivessem de acôrdo com os ensi- namentos de Cristo e da Igreja Católica; nem papa algum ensinou oficialmente que os membros da Igre- ja eram livres de proceder de tal modo. Mas Lutero corrompeu as próprias doutrinas de Cristo, e deu aos outros permissão para pecar. Finalmente, os Papas que não viveram boas vidas privadas possuíram autoridade apostólica para a sua legislação oficial· em nome da Igreja -  legislação que em si mesma foi tôda certa. Mas Lutero não tinha autoridade apostólica para as suas inovações heréticas e cismáticas.

 

32.  Então você nega que Lutero foi um homem enviado por Deus, ou que absolutamente não teve qualquer missão divina?

Nego. Ele persuadiu-se de que tinha uma missão divina. Mas isso não era coisa difícil para um homem do seu temperamento. E não mais fundamentos para acreditar na missão divina de Martinho Lutero do que para crer na missão divina de Mrs. Eddy para propagar a "Ciência Cristã", ou do Juiz Rutherford para fundar as "Testemunhas de Jeová". Lutero estêve tão iludido na sua pretensão de uma missão divina como o estêve em muitos outros assuntos.


33.    Você nega a sinceridade dêle?

Não inteiramente. Êle não errou sómente no seu próprio interêsse. Tinha convicções sinceras, embora muito desarrazoadas. Mas era muito inescrupuloso quanto aos meios que empregava para atingir os seus fins. Foi um estranho misto de misticismo e realismo. E, se em alguns êle atendia a um genuíno desejo de reformà, em outros atendia ao seu apetite de escândalos, ao seu amor da novidade, e às suas paixões nacionalistas. Os seus caminhos estiveram muito longe de se parecer com os de Cristo.

34.    Ninguém pode dizer que Lutero não era deveras zeloso.

Infelizmente, no caso dêle, era um zêlo sem conhecimento e sem caridade. Defendendo as suas teses contra as autoridades católicas, êle adotou uma atitude de orgulho e arrogância, abandonando a razão pela invectiva. Êle destilava escárnio desprezador nas suas críticas, e logo manifestou um ódio cego a Roma e ao Papa. nem depois procedeu diferentemen te para com outros mestres protestantes que diver- giam dêle. Os seus sermões eram obstinados e ·dogmáticos. Êle não suportava contradição. Não tolerava rival. ·Arrogava-se a     própria infalibilidade que êle · negava ao Papa.

35.     Ele    desejava apenas corrigir abusos e reformar homens.

Êle nunca teria sido condenado como herege se houvesse apenas desejado corrigir abusos e reformar homens. Porém foi mais longe. Disse que a própria doutrina católica se corrompera, e que ÊLE tornara a descobrir o Evangelho. Mas ·os novos princípios que êle ensinava eram muito linsonjeiros para a natu- reza humana. Apelavam fortemente para o espírito de independência, e abriam o caminho para um relaxamento ainda maior. Os homens viram nêle uma eman- cipação da autoridade da Igreja e de ·tôda restrição moral.

 

36.   Você oferece essa explicação como o segrêdo da influência de Lutero?

Em parte. Outro e grande fator foi a situação po- lítica no seu tempo. Lutero não era um profundo pen- sador, mas tinha intuição para ver a inquietação re- ligiosa que reinava na Alemanha, e as ambições po- líticas dos príncipes alemães. De fato, a Alemanha era um vulcão político-religioso, e Lutero não teve senão que dar expressão apaixonadamente contagio- sa às recriminações contra Roma e às aspirações à independência política muito difundidas. Por isso êle se deu o trabalho de suscitar um furacão de ódio religioso e racial, de jogar com o sentimento políti- co e nacional, e inflamar tôda a Alemanha tanto con- tra .o Imperador como contra o Papa. Lutero, o re- formador, tornou-se Lutero o revolucionário e 6 herói que sustentou a oposição nacional a Roma. Não houve aí sinais quaisquer de uma missão puramente religiosa e espirjtual recebida de Deus!

 

37.   Parece estranho que outros não tenham chegado a essa sua interpretação da história.

Êsses fatos parecem estranhos· aos que só conhe- cem o Lutero da lenda, e que nunca estudaram o as- sunto por si mesmos. Porém sumidades- protestantes estão inteiramente prontas a concordar com as explicações que eu dei.· No seu livro A History of Europe, p. 500, H. A. L. Fisher escreve que Lutero "foi um gênio religioso a se experimentar a si mesmo, o qual, na sua busca de salvação pessoal, gradativamente foi levado a assumir uma atitude que o fêz campeão da nação germânica contra as pretensões da Igreja de Roma". Quando os Judeus quiseram que Cristo se fi- zesse o campeão da sua nação, êle se recusou. Não era por tais meios que o Reino de Deus devia ser es- tabelecido.

38.  Martinho Lutero pelo menos não forçou a Igre- ja Católica a reformar-se?

As multidões arrebatadas à Igreja Católica pela re- volta luterana certamente convenceram os dirigentes desta da urgente necessidade de uma reforma real; e essa reforma real foi efetuada pelo Concílio de Trento. A severa legislação e os decretos disciplina- res dêsse Concílio •erradicaram os pronunciados abu- sos que deram ocasião à separação protestante da Igreja; e desde então não mais houve movimento tal. Até onde a Igreja Católica entra em questão, o pro- testantismo gastou a sua fôrça nos primeiros anos da revolta; e desde então já não houve qualquer perigo real em larga escala para a fé dos católicos. A notá- vel tendência hoje em dia é para os protestantes se tornarem católicos, e não para os católicos se faze- rem protestantes.

39.  Então,  certamente, você deve algum agradeci- mento a Martinho Lutero.

Lutero, nós não podemos respeitá-lo. 1::le não tinha o direito de deixar a Igreja Católica e de começar uma Igreja própria sob o pretêxto de reforma. Êle deveria ter ficado na verdadeira Igreja e trabalhado para reformar os católicos . relapsos dentro dela. Vo-  lava um prato que precisa de lim2eza; não o que- bra. Na ordem dos fatos, em 1521 o mundano Papa Leão X morreu, e foi sucedido pelo Papa alemão Adria- no VI. Adriano era justamente um Papa como Lutero pretendia. Era austero e santo, e imediatamente se pôs em obra para reformar os membros da Igreja, começando pelos próprios Cardeais, e lutando contra o relaxamento italiano. O bravo velho Papa teria sido vastamente ajudado pelo apoio germânico e pela ces- sação da oposição no Norte. Mas Lutero não fêz es- · fôrço nenhum para ajudar um verdadeiro reformador pôsto na verdadeira de onde a reforma devia par- tir. Em vez de ajudar um compatriota que era justa- mente um chefe da Igreja tal como êle declarara ne- cessário, êle                           continuou a vomitar insultos           contra o Papa como se êste fôsse o demônio. Adriano VI mor- reu de pesar, e a contra-Reforma real veio com o Con- cílio de Trento, perto de vinte anos dep,ois. Então o caos grandemente difundido forçou a ação; mas a re- forma foi devida ao poder inato da Igreja viva, de re- novar a sua própria vitalidade.

40.  Ao menos Deus fêz uso de Lutero para provocar na Igreja uma reação salutar. Do seu próprio ponto de vista você deveria admitir a missão di- vina dête para fazer isso.

Indiretamente, nos planos da Providência de Deus, a revolta de Lutero forçou as autoridades da Igreja Católica a empreenderem a obra de reforma. Porém êle não é mais digno de respeito por causa disso do que o foi Átila, no século V, invadindo a Itália, de- vastando o país e destruindo as igrejas at,é às portas de Roma. Os católicos do século V consideraram a invasão de Átila como um castigo dos seus pecados e um aviso para a penitência; e falavam de Átila co- mo do "Flagelo de Deus". Nenhum cristão admitiria que Átila tivesse recebido missão divina para matar, pilhar e profanar, mesmo havendo Deus permitido o desastre e feito uso dêste tirando o bem do mal. Do mesmo modo, Deus· permitiu a defecção de Martinho Lutero do seio da Igreja e fêz uso da sua revolta, pa- ra induzir os dirigentes católicos a um senso de res- ponsabilidade. Mas a verdadeira reforma foi efetua- da, não por Lutero, e sim por outros; e foi efetuada não sómente sem Lutero, mas contra Lutero.

41.     Que é que você consideraria como doutrinas dis- tintivas de Lutero, constituindo uma separação para com o verdadeiro Cristianismo?

As mais importantes são as seguintes. Êle declarou que a Igreja Católica incidira em êrro doutrinal. Ne- gou que a Igreja houvesse jamais significado ser uma instituição visível. Rejeitou a existência de todo sa- cerdócio especial na Igreja. Insistiu em que a Bíblia deve ser a única regra de fé. Além disto, consoante Lutero, cada homem tem o direito de interpretar a Bíblia por si mesmo. A justificação é alcançada pela fé sem obras. À alma justificada é concedida uma segurança pessoal de salvação. A fé cristã não neces- sita, nem pode ter, qualquer íundamento racional. 

 

42.    Você censura Lutero por ter deixado a Igreja Ca- tólica. Mas, em vista dos abusos que você ad- mitiu1 não em necessária urna reforma?

Sem dúvida. Mas não havia necessidade disso a que se chama a "Reforma Protestante". Alguns abusos entre os membros da Igreja sempre clamarão ur-, gentemente por uma reforma. Mas o Protestantismo não foi um movimento de reforma real. Êle fêz dos abusos reinantes         uma desculpa para abandonar ao mesmo tempo a Igreja, em vez de ficar com ela, e nela procurar efetuar a conversão dos seus membros relapsos para melhores caminhos. Ademais, o Protes-· tantismo                conservou     muitos. dos próprios abusos, e apenas                procurou justificá-los negando estarem êles errados. Coisa que á Igreja Católica nunca fará. Po- de ela admitir, com tristeza, que seus filhos às vêzes caiam em pecado; mas nunca dirá que aquilo que é pecado não é pecado., como o fizeram muitos reforma- dores.

43.    Então você nega que a Igreja Católica, como tal, provou ser um guia inafiançável?

Nego. Cristo disse: "Edificarei a minha Igreja, e, as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16, 18). Quem quer que diga que a Igreja falhou em qualquer período da sua carreira assevera que as portas do inferno prevaleceram contra ela! Cristo ou era Deus ou não era. Se não era, foi um impostor e um blasfemador, e deveríamos renunciar inteiramen- te a crer nêle. Mas, se era Deus, então podia fazer o que disse que faria  preservar a sua Igreja, atra

vés das idades, contr.a tôdas as fôrças do mal. Não · é a em Cristo, mas sim a falta de em Cristo, que tem levado os homens a abandonarem a Igreja que êle estabeleceu.

 44.  Lutero declarou que a Igreja visível fracassou, mas não a Igreja invisível; e que a verdadeira Igreja é, necessàriamente, invisível.

Êle achou necessário inventar essa teoria para jus- tificar a sua rebelião contra a Igreja Católica visível. Mas não foi ·coerente. Quando desejou suprimir os Anabatistas, recorreu à autoridade de uma Igreja vi- sível, conhecida pelo batismo, pela celebração da Ceia do Senhor e pela pregaçãÓ do próprio evangelho dêle. Mas no fim achou que, a fim de reforçar as suas idéias, tinha de apelar para o Estado. Repudiada a autori- dade papal, restava a autoridade civil.

44. Com Lutero, nós sustentamos que a Igreja está nas almas dos homens.

Se a Igreja é uma qualidade invisível confinada nas almas dos homens, então nenhum ser humano po- deria dizer onde deve ser achada a verdadeira Igre- ja, e ninguém poderia ouvir a voz dela ou obedecer- lhe aos preceitos. Não. Nosso Senhor estabeleceu uma sociedade visível neste mundo, embora não sendo dêste mundo. f: comparou-a a uma cidade situada bre uma colina, a qual não pode ficar escondida.

Uma das Igrejas visíveis e organizadas neste mundo hoje em dia é a dêle. E a Igreja Católica pode mos- trar os característicos que êle declarou que a sua Igre- ja possuiriá.

46.     A Igreja é. formada, não dos que pertencem a uma organização visível, mas sim dos que nasceram do Espírito Santo.

Uma. Igreja assim não poderia ser julgada pelos homens. Ninguém poderia, portanto, dizer quem é que pertencia à verdadeira Igreja e quem não. Cristo es- tabeleceu uma Igreja visível, e designou Apóstolos vi- síveis para governarem essa Igreja. Nos Atos dos Apóstolos  20, 28, lemos: "Tomai cuidado convosco e com o rebanho inteiro, onde o Espírito Santo vos co- locou como bispos para governardes a Igreja de Deus". Como poderiam os bispos governar a Igreja se não soubessem quem é que pertencia a ela?

 

47.     Cristo disse: "O reino de Deus está dentro de vós".

O reino de Deus conforme estabelecido por Cristo é a um tempo uma Igreja visível neste mundo e um reino invisível de graça dentro da alma. A adesão ex- terna ao reino visível exige também que Cristo reine na alma pela graça. Mas essa graça interior não dis- pensa o homem de aceitar a vontade de Cristo desde que êle se dê conta desta, nem da obdgação de se jun- tar à Igreja visível por êle estabelecida neste mun- do. Cristo disse: "Se alguém não escuta a Igreja, seja como o pagão". àbviamente êle se referia à _autori- dade de uma Igreja visível. Êle também comparou sua Igreja a uma rêde que apanha bons e maus pei- xes. Isto não pode referir-se somente a um reino de graça espiritual  e invisível, porquanto  maus peixes não estão em estado de graça.

 

48.     A idéia de um sacerdócio visível, distinto do lai- cato, não tem ligação com a doutrina de uma Igreja visível?

Tem. E é igualmente ensino do Novo Testamento que deve haver um sacerdócio visível na Igreja.



49, Mas Lutero provou, com o Novo Testamento, que não sacerdócio distinto do laicato. ele

· mostrou o claro ensino do Novo Testamento de que todos os cristãos são um santo sacerdócio.

Mas isso é apenas parte do ensino do Novo Tes- tamento, e não todo êle. O batismo implica uma certa· consagração sacerdotal a Deus, e a obrigação de oferecer o sacrifício de louvor por uma sincera vi- da de oração e de boas obras. Mas, dentre os batiza- dos, certos homens devem ser escolhidos e especial- mente ordenados para oferecer o continuado Sacrifí- cio do Corpo e Sangue de Cristo, e para perdoar pe- cados. Neste último sentido, nem todos os cristãos são sacerdotes.

50.       Onde é que, no Novo Testamento, menção dêsse sacerdócio especial?

Que é um sacerdote? E' alguém escolhido de en- tre os homens, dedicado a Deus por sagração, e qe- legado para oferecer sacrifício a Deus, para ensinar e para santificar os homens. Ora, Cristo certamente fêz escolha especial de certos homens. S. Lucas 6,

13 diz: "Chamou os seus discípulos e escolheu doze dêles". Consagrou-os. Deu-lhes a Sua própria missão, dizendo: "Como meu Pai me enviou, assim eu vos en- vio". Comunicou-lhes o seu próprio poder. "Soprou sôbre êles e disse: Recebei o Espírito Santo" (Jo 20, 21-22). Havendo-os escolhido e consagrado, mandou- lhes ensinarem e santificarem os homens. Em S. Ma- teus 28, 19 disse-lhes: "Ide, ensinai tôdas as nações". Quanto a santificá-los: "Batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo" (Mt 28, 19). E ainda: "Aquêles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados" (Jo 20, 23). S. Tiago (5, 14) escreve: "Alguém está doente? Mande chamar os sacerdotes da Igreja, e orem êstes sôbre êle, ungindo-:o,com óleo, e, se êle houver cometido pecados, êstes lhe serão perdoados". Finalmente, Cristo ordenou-lhes oferecerem sacrifício a Deus. Na última Ceia êle dis- se: "Isto é meu corpo que é entregue por vós. Isto é meu sangue que é derramado por vós. Fazei isto em memória de mim; e, tôdas as vêzes que o fizerdes, anunciareis a morte do Senhor". Tôdas as vêzes que um sacerdote legalmente ordenado celebra a Missa, oferece êsse sacrifício. A mesma Vítima é oferecida, Jesus Cristo, e pelo sacerdócio de Jesus Cristo no ce-· lebrante. por um sacerdócio sucessivo e perpétuo, por escolha, consagração e incumbência divina, é que isso pode ser feito.

51.     Se tudo é tão claro como você diz, por que entã.o tê-lo-ia Lutero negado?

Lutero ignorou a evidência do Novo Testamento, em favor das suas novas teorias, que o absorviam com exclusão de tudo o mais. A chave para esta po- sição deve ser achada na sua história pessoal. Ob- sesso pela violência das suas próprias paixões, e pela consciência dos seus muitos pecados, Lutero foi le- vado a um estado de abatimento, melancolia e deses- pêro. Ansiando por uma certeza de que não seria con- denado, argumentou que o pecado original viciara to- talmente a natureza e a vontade do homem, e que era impossível, para êste, viver vida boa. Era inútil ten- tar. Portanto, o homem não pode fazer nada para promover a sua salvação. Mas aquilo que o homem não pode fazer, pode-o Deus. Nós devemos simples- mente crer no poder de Cristo para efetuar a nossa redenção, imputando a nós a sua bondade. Embora não possamos senão continuar pecando, podemos ao menos pôr a nossa completa confiança em Cristo, e, assim fazendo, sermos salvos. Nesta doutrina da jus- tificação ·pela fé sozinha está contida em germe a subseqüente negação da Igreja visível, do sacerdócio, do sacramentalismo, do livre arbítrio, e finalmente, a asserção da própria predestinação.

52.    Se a teoria de Lutero era nova, era porque o po- vo não conhecia a Bíblia. Coube a Lutero des- cobrir a Bíblia e dá-la ao mundo.

Depois de .deixar a Igreja, Lutero disse que no mosteiro descobrira uma Bíblia, "um livro que êle nunca tinha visto antes na sua vida", e que "só êle no mosteiro" lera. Mas isto é contrário a fatos demons- tráveis. A Regra da Ordem Agostiniana, a que Lutero pertencera, incluía o mandamento de que todos os membros deviam "ler assiduamente as Escrituras, ou- vi-las devotamente, e aprendê-las fervorosamente". Os estudos bíblicos floresciam naquela época, e comen- tários bíblicos existiam em profusão. Lutero não disse a verdade, e o mito do seu descobrimento de uma Bíblia desconhecida foi abandonado por tôdas as su- midades protestantes de confiança.

53.    tle foi o primeiro a traduzir a Bíblia para o ale- mão, de modo que o vulgo pudesse lê-la por si mesmo.

Havia vinte e sete edições da Bíblia em alemão antes de Lutero publicar a sua tradução. Essa tra- dução foi feita em Wartburg, mas, ao passo que o seu valor literário era alto, ela foi estropeada por mutilações e más traduções. A Lutero pouco se lhe dava de alterar a verdadeira Palavra de Deus, no in- terêsse das suas próprias doutrinas. :Êle rejeitou a Epístola de S. Tiago como uma "epístola de palha" porque ela não quadrava com a sua negação da necessidade das boas obras. Na epístola aos Romanos, 3, 28, S. Paulo escrevera: "Julgamos que o homem é justificado pela fé". Na sua tradução Lutero aditou a palavra "apenas", para fazer a sentença ser lida co- mo: "Nós somos justificados pela fé apenas". Repta- do, sôbre essa perversão do texto, por Emser, Lute- ro escreveu: "Se o seu papista o incomodar por cau- sa da palavra (apenas), diga-lhe imediatamente: Dr. Martinho Lutero quer que assim seja. Quem não qui- ser ter a minha tradução, mande-a às favas; o diabo agradece a quem a censura sem a minha vontade e conhecimento. Dr. Martinho Lutero assim o quer, e êle é um doutor acima de todos os doutôres no Papa- do"· (Amic. Disc. I, 127). Lutero não merecia confian- ça como tradutor da Bíblia.

54.     Lutero ao menos defendeu o direito do juízo pri- vado.

A conta disso êle repudiou a autoridade da Igreja Católica somente para achar que, sob a mesma alega- ção, outros repudiassem a dêle. Assim êle esfacelou a unidade do Cristianismo na Europa, o qual se divi- diu em seitas litigantes que Lutero denunciou de mo- do mais intolerante do que a Igreja Católica jamais o havia tratado, a êle. E a sua doutrina conduziu às mais tremendas desordens morais e políticas. Um resultado direto dos seus ensinamentos foram a Revolta dos Camponeses e a horrenda sorte dos Anabatistas de Münster.  ,,

55.    De Lutero nós aprendemos a ler a Bíblia por nós mesmos e a aceitar como verdade o que desco- brimos nas páginas dela.

esse é um princípio errôneo. Muitos deixam de en- tender o verdadeiro sentido da Bíblia, e muitos mais lêem nela positivamente sentidos errados. Por isto S. Pedro diz que na Escritura há muita coisa difícil de entender, a qual o ignorante e versátil deturpa para sua própria perdição (2 Pedro, 3, 16). Os próprios frutos dessa interpretação privada deveriam ser prova suficiente de que Deus nunca poderia ter pretendido ta! método. Porquanto os homens fizeram a Bíblia apoiar as doutrinas mais opostas, e estabeleceram centenas de seitas distintas e irreconciliáveis, cada qual pretendendo representar a verdadeira religião de Cristo. Deus nunca poderia ter intentado um princí- pio que levasse a semelhante caos.

56.    Quando lemos a Escritura, devemos ser guiados sómente pelo Espírito Santo.

Por que argumento você decide que é realmente o Es- pírito Santo que o guia? Outros, justamente tão sin- ceros como você, chegam a outras conclusões. Por que então aceitar a conclusão sua de preferência às dêles? Tôda sorte de religiões estranhas foram dadas ao mundo por homens que declararam com a maior confiança que o Espírito Santo era responsável pe- las suas idéias. S. João deu a prova da verdade quan- do escreveu: "Aquêle que não nos ouve não é de Deus. Por aí conhecemos o Espírito de Verdade e o espí- rito de êrro" ( 1 Jo 4, 6). S. João apela para o ensi- no dos Apóstolos como constituindo a Igreja docente - dessa Igreja Católica da qual Cristo disse: "Se al- guém não ouve a Igreja, seja como o pagão" (Mt 18, 17). A autoridade da Igreja docente ,é a única prova sã. Comentando o estado de coisas fora da Igreja Ca- tólica, Rosalind J\'\urray escieve no seu livro The life of Faíth, . p. 46: "Quando comparamos os rigorosos regulamentos contra médicos práticos,. não qualificados, com a absÓluta liberdade concedida a todos os práticos religiosos não qualificados, é impressionan- te o tratamento diferencial. Os corpos da comunidade são salvaguardados, com cuidadosa e incansável vigi.lância, das aventuras da não-ortodoxia, mas as suas mentes e as suas almas são abandonadas em compun- ção aos caprichos do charlatão não qualificado". Mas esta é a conseqüência lógica do ensino de Lutero.

57.     Mas será que o leitor comum não tem nenhuma oportunidade de chegar ao s.entido exato da Es- critura?

Em muitas passagens da Escritura êle certamente poderia fazê-lo. Mas em muitas outras ·absolutamente não teria essa oportunidade. Não há, entretanto, dú- vida alguma de que a Bíblia é um dos livros mais di- fíceis de entender. Precisa-se de um vasto conheci- mento de línguas antigas, de história e de costumes; e deve-se estar inteiramente familiarizado com as ex- pressões hebraicas e gregas alegóricas, metafóricas e típicas, inteiramente à parte da intuição espiritual re- querida para penetrar os mistérios mais sublimes. Quantos indivíduos estão assim qualificados?

58.     O Evangelho de Cristo é a própria simplicidade.

Em certo sentido, é. :Êle nos diz claramente que Cristo estabeleceu uma Igreja definida à qual deu a incumbência de ensinar tôdas as nações. :Êle é mui- to simples sob êste ponto de vista, pois os homens têm somente que aceitar a Igreja Católica e ser por essa Igreja ensinados. Mas o Evangelho não é a pró- pria simplicidade no sentido em que você o pretende.


59.     Lutero ensinou que nós temos sómente que crer em Cristo, e seremos salvos.

Não :é de admirar que êle conseguisse adeptos, com doutrina tão cômoda. Não vivendo à altura da .sua religião, os homens ambicionavam um meio assim tão simples de sair fora dela. Mas semelhante doutrina é oposta ao ensino de Cristo. :Êle disse: "Se queres en- trar na vida, observa os mandamentos".

 

60.     Lutero acreditava que é feliz aquêle cuja cons- ciência aprova o que êle faz.

Isso estaria muito certo se significasse: "Feliz aquêle cuja conduta nunca vai de encontro àquilo que uma boa consciência aprova". Mas Lutero que- ria dizer: "Feliz aquêle cuja consciência foi reduzida ao silêncio, seja qual fôr o mal que êle deseje fazer".

61.     Lutero não pregou a lei?

Pregou, mas não que ela deva ser observada. :Êle ensinou que ela não podia ser observada, e que a fi-' nalidade dela é sómente convencer os homens de ·como são depravados e pecadores. "A Lei", escreveu êle, "indica o que o homem tem de fazer, enquanto que o Evangelho revela os dons que Deus está desejoso de conferir ao homem. A primeira nós não podemos ob- servar; o último nós recebemos e aprendemos pela fé" (Tischreden I, c. XII, 7). Na Conv,ersa de mesa,

p. 137, lemos: "Quem diz que o Evangelho exige obras para a salvação, digo redondamente, é um men- tiroso". Outra vez: "Só a fé é necessária para a jus- tificação. Tôdas as outras coisas são completamen- te optativas, já não sendo mandadas ou proibidas" (Comentário sôbre Gál.  II).  Em O  Cativeiro  Babilônico, c. 3,, Lutero escreveu: "O cristão ou homem ba- tizado não pode, ainda quando o quisesse, perder a sua alma por quaisquer pecados, grandes que sejam, a menos que recuse crer; porquanto pecados nenhuns, sejam quais forem, podem condená-lo, mas somente a incredulidade". Logicamente, de acôrdo com êstes falsos princípios, de Wartburgo êle escreveu a Me- lanchthon, a 1.0 de outubro de 1521: "Seja pecador, e peque fortemente, mas creia mais· fortemente ainda ... Devemos pecar, já que somos o que somos ... O pe- cado não nos separará d':Êle, ainda quando cometês- semos fornicação ou morticínio, mil e mil vêzes ao dia" (Briefwechsel, Vol. III, p. 208).

62.     Como católico, você de dizer estas coisas de Lutero.

Citei as próprias palavras de Lutero. Mas escute estas outras de um escritor protestante. No seu livro The Re-Creatlon o/ Marz, p. 24, T. M. Parker escre- ve: "Lutero recusou admitir ser possível ao homem decaído santificar-se pela graça. O mais . que Deus poderia fazer por êle seria, por assim dizer, reputá-lo reto por ficção, encobrir-lhe a corrupção com a veste da justiça de Cristo, ficando o homem real sendo, to- do o tempo, sob o disfarce, aquilo que era antes. Se a visão liberal do homem desonra a Deus sugerindo que o homem pode passar sem :Êle, a visão luterana não o faz menos, ensinando que a imagem divina está inteiramente desfigurada no homem pelo pecado, e que excede o poder de Deus o refazer a sua cria- tura. Deus fracassou nos seus tratos com o homem, e o mais que êle pode fazer é encobrir-lhe a falta por uma justiça imputada,_ tal como o artista inábil esconde o seu retrato rejeitado".

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63.    Lutero iíegou tôda necessidade da nossa tenta- tiva para oferecer satisfação pelos nossos pecados, e foi por isto que êle atacou a venda das in- dulgências.

Lutero atacou muito mais do que a necessidade de oferecer satisfação pelos nossos pecados; mas você está certo em dizer que o ataque às indulgências foi uma decorrência lógica da teoria dêle de que nós so- mos justificados pela sozinha. Contudo, esta teoria é falsa.

64.    Você nega que as indulgências deram a Lutero razão suficiente para a sua revolta?

Nego. Êle fêz delas uma das desculpas para a sua revolta, porém elas não eram razão suficiente.

65.    Mas então as indulgências não davam aos cató- licos permissão para pecar?

Não. O ensino da Igreja Católica sempre foi que o pecado é essencialmente um mal. A todo custo so- mos obrigados a evitar o pecado. Jamais · qualquer permissão pode ser dada para fazer o que é pecami- noso. Se o houve, foi o próprio Lutero quem conce- deu indulgência total para cometer o pecado. A dou- trina da justificação só pela fé, negando a necessi- dade das boas obras, logicamente foi uma indulgên- cia para se fazer como se quiser.

66.    Com que fundamentos a Igreja Católica recla- ma estar no caso de conceder indulgências?

Com os fundamentos de que existe uma mútua co- municação espiritual entre Cristq e o cristão, como também entre todos os que são membros de Cristo. Isto é simplesmente uma aplicação da doutrina da Comunhão dos Santos, na qual professam crer todos os que recitam o Credo dos Apóstolos. E que a Igreja tem o poder de aplicar a seus filhos na terra o valor satis- fatório dos sofrimentos de Nosso Senhor e os dos Santos e dos Mártires, isto é evidente pelo fato de lhe haver Cristo dado o poder tanto de ligar como de desligar em seu nome. Êle disse à Igreja não sómen- te: "Tudo aquilo que ligardes na terra será ligado_ no céu", mas também: "Tudo aquilo que desligardes na terra será desligado também no céu" (Mt 18, 18). Por uma indulgência a Igreja remite para' nós uma ceita soma da expiaço que devemos oferecer pelos nossos pecados ou nesta vida ou na outra.   O Papa Leão X não vendeu indulgências na Ale- manha para arranjar dinhefro para a Basílica de S. Pedro? Não. Concedeu indulgências aos que dessem esmolas para a construção de São Pedro. Mas uma bênção es- piritual concedida aos que dão esmolas para uma boa obra não deve ser classificada como venda de bên- çãos espirituais. Cristo teve uma bênção especial pa- ra a viúva que deu o seu óbolo ao Templo. Você não o acusaria de estar vendendo essa bênção por um óbolo!

    Todos os historiadores falam de, abusos na Ale- manha, em ligação com o tráfico nas tndulgências. Sem dúvida houve abusos. Algumas das pessoas que eram delegadas para coletar esmolas para a Basílica de S. Pedro estavam mais preocupadas com os seus proventos do que com considerações espirituais, e adotavam meios inescusáveis para obter êsses proventos. Na sua pregação, iam muito além do ensino da Igre- ja. Mas não tinham autoridade para proceder dessa forma. Mais tarde o Concílio de Trento condenou to- dos êsses abusos, proibiu-os absolutamente, e exigiu que os bispos exercessem estrita vigilância sôbre to- dos os quê tivessem a seu cargo causas piedosas e obras de caridade para cujo amparo houvessem que ganhar indulgências.

69.     Lutero não podia suportar todo o esfôrço ansio- so para prover à sua própria salvação.

S. Paulo não hesitou em escrever aos Filipenses: "Com temor e tremor operai a vossa salvação" (2, 12).

70.    Quando a visão dos seus pecados o tentava de duvidar da sua salvação, êle exclamava: "Escrevam por cima de todos os meus pecados: O Sangue de Cristo me purifica".

O fato de exclamar isso não o torna verdadeiro. Quando Lutero era exprobrado pela sua consciência, . como tinha tôda a razão para ser, censurava o demô- nio pelos seus pensamentos inquietos, e assim se jus- tificava de os ignorar. E, mesmo quando falava da misericórdia de Deus, fazia dessa misericórdia uma escusa para continuar na sua conduta e para ofen- der ainda mais a Deus. Para achar a paz da alma, Lutero preferiu ajustar sua consciência à sua condu- ta, a ajustar sua conduta à sua consciência; e, em vez de renunciar aos seus pecados fazer penitência êles, prosseguiu nêles, exclamando: "Mas Cristo mor- reu por mim", tal como um· menino assobiaria num cemitério para sustentar a sua coragem.


71.   Ele nos easinou que estamos seguros de ser acei- tos por Deus "quando sentimos a segurança dis- so nos nossos corações".

Um escritor protestante, Dr. Claude Beaufort Moss, declara:                  "A doutrina da segurança é extremamente perigosa, porque "o coração é enganador acima de tôdas as coisas" (Jer 17, 9), •e os sentimentos são guias muito infiéis. Essa doutrina da segurança que está na raiz do individualismo e do subjetivismo, que são a ruína de todos os herdeiros da Reforma, e, em particular,                           do        Luteranismo"             (The               Christian Faith, p. 198).

72.     O senso de segurança produziu os mais fervo- rosos pregadores protestantes.

Isto não é garantia da verdade do ensino dêles, nem dá aos outros segurança de serem guias fiéis. No seu livro The Lif.e of Faith, p. 46, Rosalind Mur- ray observa com razão: "Que é que sentiríamos se nos víssemos nas mãos de um cirurgião que, não ten- do estudado anatomia, se aventurasse a cortar e abrir os nossos corpos, a operá-los fiado numa "espécie de sentimento", numa espécie de vaga segurança emotiva de "dever haver alguma coisa" dentro de nós?" Nas coisas sérias da vida, abandonar a razão pelo senti- mento é loucura.

73.    Lutero às vêzes pode ter-se enganado; mas dis- cutiria você a inata honestidade e sinceridade de propósitos dêle?

Em muitas ocasiões os seus pronunciamentos e a sua conduta perdem qualquer direito à nossa fé e confiança. Ninguém poderia dizer que êle fôsse habitualmente cuidadoso de dizer a verdade. Êle deve ter sabido             que não estava    dizendo a verdade quando disse que a Bíblia era desconhecida dos sacerdotes, seus companheiros no Mosteiro que êle abandonou. Certamente                    sabia que tinha             falsificado o texto   da Sagrada Escritura para justificar as suas novas· dou- trinas. Conscientemente exagerou os escândalos do . Papado. Para justificar o seu casamento com a ex- freira Catarina de Bora, deu a diferentes pessoas se- te razões diferentes para êsse passo. Dizia a primeira coisa plausível que lhe vinha à cabeça. Quando Filipe, Duque de Hesse, um sustentáculo da Reforma, pe- diu permissão a Lutero para tomar uma segunda mu- lher em aditamento à que tinha, Lutero deu-lhe permissão para cometer bigamia contanto que Filipe não falasse disso a ninguém. Mas a coisa tornou-se pública,                          e então Lutero disse a Filipe que negasse ter-se casado com uma segunda mulher e estar viven- do com ambas. "Que importaria", escreveu êle a Fi- lipe, "se para maior bem, alguém devesse pregar uma bruta e redonda mentira?" Em 1522 êle atacou Hen- rique VIII como o "vaso de Satanás", e· fêz tôda sorte de acusações . desaforadas contra êle. Dois anos de- pois, ouvindo dizer que Henrique vacilava na sua fi- delidade a Roma, ·e esperando ganhar nêle um con-. vertido, escreveu a Henrique e ofereceu-se para retratar publicamente tudo quanto antes dissera. "Isso

era simplesmente uma cavilosa hipocrisia", como o admite o seu biógrafo Dr. P. Smith. A verdade por amor da verdade significava muito pouco para Mar- tinho Lutero. 

74.     
Devemos agradecer-lhe ao menos a liberdade religiosa.

Lutero certamente libertou o povo da Igreja Cató- lica. Mas foi uma libertação das restrições impostas pela verdade revelada por Cristo e das leis morais de Cristo. Enquanto isso, êle próprio não concedeu li- berdade aos que o seguiram fora da Igreja Católica. Substituiu pela sua própria a autoridade do Papa. Incitou os príncipes germânicos a usarem da fôrça · para sustentarem a sua doutrina e suprimirem a de outros pretensos reformadores. Escreveu ao Eleitor de Saxônia, a 9 de fevereiro de 1526, que não permitis- se outra doutrina senão a sua. "Num lugar", disse êle, "só deve haver uma única espécie de sermão". E exigiu que, se algu,ém não desistisse de pregar dou- trina diferente, "as autoridades entregarão tal sujei- to ao mestre conveniente, o Mestre Executor" (Erlangen, vol. 39, pp. 250-254). O historiador protestante P. Wappler, falando da perseguição aos Anabatistas, acentua que "Lutero aprovou a pena de morte infli- gida pela exclusiva razão de heresia" (Die Stellung Kursachsens, p. 125).

75.    Lutero foi o verdadeiro campeão da liberdade de pensamento!

Isso é lenda. Na sua lntroduction to the History of Literature, Hallam assim escreve: "Os adeptos da Igreja de Roma nunca deixaram de lançar duas cen- suras sôbre os que os deixaram: uma, que a Reforma atcançou o seu fim mediante destemperados e calu- niosos insultos, mediante ultrajes de um populacho excitado, mediante a tirania dos príncipes; a outra, que, depois de estimular os mais ignorantes a rejei- tarem a autoridade da sua Igreja, ela imediatamente suprimiu essa liberdade de julgamento, e votou a uma violenta detracção, como às vêzes à prisão e à morte, todos os que tinham a presunção de desviar-se da linha traçada por lei. Estas censuras, ainda que seja uma vergonha para nós confessá-lo, podem ser pro- feridas, mas não podem ser refutadas". (Vol. I, p. 200, secção 34).

76.   Ele advogou uma completa separação entre a Igreja e o Estado.

A doutrina dêle aplicava-se sómente. a governantes opostos ao seu ensino. Portanto êle ordenaria aos príncipes temporais não se intrometerem em coisas es- pirituais, e declararia que o Estado era "do diabo", e que os cristãos não tinham obrigação moral de obe- decer a qualquer das suas leis. Mas tomava posição oposta quando os príncipes germânicos eram favorá- veis ao Luteranismo. Então o governante era o "agen- te de Deus", usando com razão o poder da espada para reforçar a religião. Então o príncipe era a úni- ca autoridade, quer espiritual quer temporal, dos seus súditos! Lutero contradisse-se a si mesmo nesta ma- téria de acôrdo com os ditames da conveniência.

77.   Ele queria liberdade para todos os homens.

Isso êle certamente não advogou. Lutero foi um forte defensor da escravidão. "Já que Deus deu a lei e ninguém a observa", escreveu êle, "em aditamen- to e1e instituiu mestres-de-varas, condutores e coac- tores: é por isto que há governantes para conduzir, bater, afogar, enforcar, queimar, degolar e despeda- çar sôbre a roda as massas do vulgo" (Erlangen, vol. XV, 2, p. 276). De outra vez, êle declara: "A escravidão não é contra a ordem cristã, ,e mente quem diz que é" (Weimar, vol. XVI, p. 244).

78.    E' a Lutero que nós devemos a democracia.

Os princípios dêle levam diretamente ao totalitaris- mo. Lutero simplesmente 'entregou a governantes tem- porais o despotismo político sôbre as consciências dos homens, quando entregou a religião nas mãos do Es- tado. Scherr, no seu livro German Culture, p. 260, es- creve: "Lutero foi o originador da doutrina da entre- ga incondicional ao poder civil". Em parte alguma isto é mais claro do que na história da Guerra dos Camponeses. Em 1524 os camponeses da Alemanha revoltaram-se contra a sua opressão pelos nobres, e exigiram a abolição da servidão. Foram incentivados nisso pelos pregadores revolucionários que advogavam a doutrina luterana da liberdade cristã. Mas Lutero precisava do apoio dos príncipes, e incitou êstes a matarem os camponeses impiedosamente. O escândalo foi enorme, e os sentimentos dos camponeses para com Lutero converteram-se em ódio amargo. Se ja- mais alguma coisa serviu para confirmar o povo da Alemanha Meridional na sua determinação de perma- necer católico, foi essa perfídia de Martinho Lutero, E digno de nota é que, nos nossos próprios dias, os Nacional-Socialistas da Alemanha, no seu repúdio aos princípios democráticos, tenham verificado que os seus maiores opositores na Alemanha eram a população católica.

79.    Isso não é uma narração deturpada da atitude de Lutero para com a Guerra dos Camponeses?

Não. O historiador protestànte H. A. L. Fisher es- creve: "A maneira como êle dissociou o seu movimento da rebelião camponesa ... e o incentivo que êle deu a um método de repressão tão selvagem que deixou os camponeses germânicos mais indefesos e rebaixa- dos do que qualquer classe social na Europa central ou ocidental, são sérias nódoas no seu bom nome. Os camponeses germânicos eram homens rudes e rudes combatentes; mas as suas queixas eram genuínas, e justas e razoáveis as suas exigências originais" (A His- tory of Europe, p. 506). Em todo caso, temos a pró- pria petulância de Lutero: "Eu, Martinho Lutero, du- rante a rebelião matei todos os camponeses, porque fui eu quem ordenou que êles fôssem mortos. Todo o sangue dêles está sôbre a minha cabeça. Mas eu o ponho todo sôbre Deus Nosso Senhor; pois foi êle quem assim me mandou falar" (Tischreden, Erlangen ed., Vol. 59, p. 284).

80.    Lutero foi um reformador social que fêz muitos esforços em favor dos pobres.

Os seus verdadeiros ensinamentos conduziram a um maior sofrimento entre os pobres, e impediram todos os esforços para lhes proporcionar alívio. Os pobres eram socorridos pelos mosteiros, mas os prín- cipes confiscaram para si mesmos a propriedade da Igreja, deixando o povo destituído. E os apelos de Lutero aos seus próprios seguidores para contribui- ções destinadas ao alívio dêles foram um completo fracasso, como êle próprio teve de admitir. Êle ensi- nara que não havia valor nas boas obras. Disse mes- mo: "E' mais importante guardar-se contra as boas obras do que contra o pecado" (Wittenberg Ed., vol. VI, p. 160). Para os luteranos não havia o "redima os seus pecados fazendo esmolas". Haviam-lhes ensina- do: "Já não há mais nenhum pecado no mundo ex- ceto a incredulidade". Era uma doutrina cômoda, mas sem nenhum freio sôbre o egoísmo humano. As obras de caridade diminuíram sob a influência dos ensina- mentos dêle, em assinalado contraste com o seu au- mento onde quer que o espírito católico prevalece.

81.    Você não pode negar que, na esteira do Protes- tantismo dado a nós por Martinho Lutero, seguiu- se um imenso progresso na arte e na literatura, no campo científico e mecânico, na prosperidade intelectual e material.

Embora tenha hctvido um extraordinário progresso nessas coisas desde o advento do protestantismo, êle não foi devido ao protestantismo, e certamente não foi devido aos princípios ensinados por Martinho Lu- tero. O impulso dado ao estudo da arte e da litera- tura, o desenvolvimento do espírito de investigação, o rápido avanço do interêsse educacional e científico, datam do Renascimento, que ocorrera antes de sequer se ouvir falar de Protestantismo. E o movimento te- ria prosseguido quer Lutero houvesse abandonado a Igreja quer não. De fato, os princípios de Lutero eram opostos ao progresso do saber, e onde êle foi bem suce- dido foi em levar a religião a tal descrédito, que aplai- nou o caminho para um racionalismo incrédulo que corrompeu o movimento progressista e conduziu a um puro materialismo.

82.     Foi Lutero quem ensinou os homens a usar a sua inteligência.

Isso é exatamente o oposto da verdade. No seu li- vro The Life of Faith, p. 19, Rosalind Murray escre- ve: "O primeiro êrro mais geral e destrutivo é a con- cepção da como. sendo oposta à Razão, como sen- do um impulso irracional, como sendo uma emoção alheia ao intelecto e hostil a êle; êste é o estado de mente para o qual apoiar a nossa com a razão é destruí-Ia; e êle achou uma das suas expressões mais de- sastrosas na demolidora teologia de Lutero: "A ra- zão deve ser deixada para trás, pois é inimiga da Fé 

... não nada tão contrário à fé como a lei e a ra- zão" (Tischreden, Weimar VI, 143, 25-35). Erasmo, o humanista, glorificou a razão. Lutero condenou-a.

E Erasmo escreveu: "Onde quer que o Luteranismo prevalece,   as letras morrem". Até mesmo Me- - . lanchthon, companheiro de Reforma de Lutero, teve de admitir: "Na Alemanha, tôdas as escolas estão de- saparecendo".

 

83.  Isso é contrário a tudo o que nos tem sido ensi- nado.

E, todavia, é verdade. Não só os católicos, mas também os próprios racionalistas recusam reconhecer qualquer dívida educacional a Lutero. H. A. L. Fisher diz: "Lutero não era nenhum teólogo profundo; e nem era filósofo. Não acreditou na livre investigação ou tolerância, e assim, longe de reconhecer a possi- bilidade de desenvolvimento no pensamento religioso, aferrou-se firmemente à crença de que tôda a verda- de quanto aos problemas últimos da vida e do espí- rito devia ser achada na Sagrada Escritura. Não é, pois, de Lutero, selvagem anti-semita, que os movimentos liberal e racionalista do pensamento europeu tiram a sua origem" (A History of Europe, p. 500). A era do moderno progresso educacional começou antes do advento do protestantismo, e teria continua- do sem êste. Tudo quanto o protestantismo fêz foi solapar os verdadeiros fundamentos da fé cristã, pre- parando o caminho para um desvio geral de tôda .a religião rumo a um secularismo que culminou em con- seqüências as mais desastrosas para a civilização.

84.  Semelhante conclusão demolidora não pode ser verdadeira!

Ela parece extravagante sómente aos que não fi- zeram um estudo profundo do assunto. Logo desde o comêço, •os ensinamentos de Lutero levaram a uma desintegração da sociedade e a uma degeneração da moral. No período mais primitivo da Reforma, Mar- tinho Bucer escrevia: "A maior parte das pessoas pa- rece terem abraçado o Evangelho para sacudir o jugo da disciplina e a obrigação do jejum e da pe- nitência, que pesavam sôbre elas no Papado, e para poderem viver conforme o seu próprio prazer, des- frutando sem contrôle os seus sórdidos e desregrados apetites. Essa foi a razão de haverem elas prestado ouvidos benévolos à justificação pela apenas e não pelas boas  obras, pelas últimas das  quais êles não tinham gôsto" (De Regn., Vol. I, c. I, 4). Lutero não pôde negar esta acusação. 1:.le mesmo escreveu: ,"Porque, depois que aprendemos o Evangelho, nós rou- bamos, mentimos, enganamos, praticamos gulodice e bebedice e tôda sorte de vícios. Agora que um demô- nio foi enxotado, sete outros, piores do que o pri- meiro, entraram em nós, como podemos ver nos prín- cipes, lordes, nobres, burgueses e camponeses. Assim êles agem e assim êles vivem, sem qualquer temor, sem fazerem caso de Deus •e das suas ameaças" (Er- langen, Vol. 36, p. 41 1). E onde tudo isso findou? O racionalismo minou a luterana na Alemanha e, em menor extensão, no mundo inteiro. Em 1935, por ocasião do seu 70.º aniversário, Ludendorff dizia: "Neste momento, nós alemães somos o povo que mais se libertou dos ensinamentos do Cristianismo" (Lon- don -Times, 9 de abril de 1935).

85.      Lutero ensinou a crença nos Evangelhos. Não pode ser censurado pelo procedimento dos que abandonaram a crença nos Evangelhos.

O ensino dêle é responsável pela perda da fé nos Evangelhos. le rejeitou a única autoridade capaz de preservar a sã doutrina - a autoridade sobrenatural e divina da Igreja Católica. O seu princípio do juí- zo privado levou a tôda sorte de novidades divergen- tes, e, para impedir estas, êle não teve outro recurso senão apelar para a autoridade do Estado, como su- premo até mesmo em assuntos religiosos. Isto, por sua vez, levou a abusos ainda piores. O Estado pra- zeirosamente lançou mão dêsse novo .acesso ao po- der; mas, se o Luteranismo só podia existir ao bel- prazer do Estado, não há nada que impeça o Estado de aboli-lo em favor de uma religião de puro nacio- nalismo inventada por êle mesmo. Foi em plena con- formidade com os princípios de Lutero sôbre a su- premacia do Estado que os nazistas procuraram im- por à Alemanha uma nova religião de "sangue e solo", distribuindo por todo o país centenas de milhares do folhêto Gott und Volk, em que se exortava o povo a escolher entre Cristo e os antigos deuses da Alema- nha. O Deão Inge, ex-deão da catedral de S. Paulo em Londres, é profundamente protestante em visão, e tem pouca simpatia pelo catolicismo; todavia, não hesitou em escrever: "Se desejamos achar um bode expiatório em cujas costas possamos depositar as mi- sérias que a Alemanha causou ao mundo, estou cada vez mais convencido de que o pior gênio do mal da- quele país não é Hitler nem Bismarck nem Frederico, o Grande, mas sim Martinho Lutero". E dá como ra- zão disso que, no Luteranismo, "a lei da natureza, que deve ser o tribunal de apelação contra a autori- dade injusta, é identificada com a ordem de socie- dade existente, à qual é devida absoluta obediência". E acrescenta: "Devemos esperar que o próximo ba- lanço do pêndulo porá fim à influência de Lutero na Alemanha" (citado na revista Time de 6 de novem- bro de 1944).

 

86.     Os protestantes no mundo inteiro aceitam os prin- cípios puramente religiosos de Lutero, e não os seus princípios políticos.

Se êle errou nos últimos, não garantia de ter acer- tado nos primeiros. E que os seus princípios re- ligiosos eram errôneos, isto é evidente pelos seus efeitos. As divisões do Protestantismo em tantas sei- tas litigantes, e a confusão reinante a respeito do que é e do que não é essencial à Fé Cristã, deveriam ser o bastante para fazer todos os protestantes re- flexivos reconsiderarem a sua posição. No seu livro Luther and His Work, Joseph Clayton, um convertido do protestantismo à Igreja Católica, escreve: "Até onde Lutero levou os seus sequazes? A que terra de promis- são, depois dos anos de peregrinação fora da unidade católica, são agora trazidos os protestantes que datam a sua emancipação de Martinho Lutero? Quatro sé- culos de jornadear desde que Lutero iniciou o êxodo, e ainda a terra de promissão do Evangelho luterano, tantas vêzes emergente, some-se da vista como a mi- ragem se desvanece no deserto. A terra inculta da dú- vida foi que os protestantes alcançaram - uma ter- ra inculta juncada de esperanças abandonadas e de credos alijados".



87.    Os protestantes de hoje não são responsáveis pe- las divisões efetuadas pelos seus antepassados.

Isto é verdade. Mas, se nós descobrimos que os nos- sos antepassados estavam enganados, não há razão para continuarmos no êrro simplesmente por terem êles estado em êrro. Nem tampouco, naqueles tempos de acesa dissensão, estavam os nossos antepassados tão aptos para ver a verdade como nós, que podemos não -somente olhar para trás calmamente depois de todos êsses séculos, como também ver como foi que os princípios por êles aceitos operaram na prática. E' dever nosso •estudar a questão com -um amor da ver-' dade só por causa desta. Se vivêssemos nos tempos de Martinho Lutero e conhecêssemos então tudo o que conhecemos agora, teríamos abandonado pelos seus novos ensinamentos a Igreja a que todos os cristãos na Europa haviam pertencido por todos os séculos precedentes? Ou teríamos ficado com a Igreja contra a qual Cristo prometeu que as portas do inferno não ha- veriam de prevalecer, e com a qual prometera ficar to- dos os dias até o fim do mundo? Se dêste último mo- do, certamente é dever nosso voltar à Igreja Católica, a qual os primeiros Protestantes nunca deveriam ter deixado.


Fonte : VOZES EM  DEFESA DA FÉ CADERNO   13 - 

PUBLICAÇÃO DO SECRETARIADO NACIONAL DE DEFESA DA FE'

EDITORA VOZES LIMITADA 1959   

I M P R I M A T U R

POR COMISSÃO ESPECIAL DO EXMO. E REVMO. SR. DOM MANUEL PEDRO DA


 CUNHA CINTRA, BISPO DE PE- TRóPOLIS. FREI DESIDÉRIO


 KALVER- KAMP, O. F. M. PETRóPOLIS, 2-111-1959.

 Título do original inglês: New Light on Martin Luther. Publicado ,pelos Fathers Rumble & Carty, Saint Paul 1, Minn. U. S. A.

Copyright by the RADIO REPLIES PRESS 

TODOS  os· DIREITOS  RESERVADOS

 

 Fernando Vanini de Maria


 

 

 

 

 

 

 

 

 


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