A SOBERBA


 Antes de mais nada, vamos recorrer à etimologia da palavra “soberba”, para entender melhor o seu significado e o contexto em que ela se insere.

A palavra “soberba” tem origem no termo em latim “superbia”, que por sua vez deriva do adjetivo “superbus”, que significa “orgulhoso” ou “altivo”. Essa raiz latina — “super” — está relacionada à ideia de estar acima, de se elevar acima dos outros.

Além disso, a palavra “superbia” também está associada ao verbo “superare”, que significa “ultrapassar” ou “estar acima”. Essa conexão etimológica reflete a natureza da soberba como um sentimento de superioridade e arrogância, ou seja, uma elevada opinião de si mesmo em relação aos outros.


Vício capital

No livro do Eclesiástico lemos que “O início do orgulho num homem é renegar a Deus, pois seu coração se afasta daquele que o criou, porque o princípio de todo pecado é o orgulho.” 1 Logo, percebemos que a raiz de todo pecado está na soberba.

Em primeiro lugar, o Catecismo da Igreja classifica a soberba como um pecado, ou vício, capital 2. Em seguida, afirma que ela gera ódio a Deus. O orgulhoso e soberbo opõe-se ao amor de Deus, nega a Sua bondade e “ousa amaldiçoá-lo, como aquele que proíbe o pecado e lhe inflige o castigo”. 3

Sendo assim, a soberba é um pecado contra o amor de Deus. De tal forma que, antes da criação do homem, tal pecado já existia em Satanás, que desejava ser como Deus. De fato, nós somos chamados a ser santos — a ser como Deus —, mas não pelas nossas próprias forças, como Satanás queria, e sim por meio da graça de Deus.

Além disso, o Catecismo nos apresenta como algumas consequências da soberba a guerra 4, a inveja 5 e a dificuldade de nos reconhecermos pecadores 6 — o que nos leva também não conseguir rezar bem. Isso porque não reconhecemos a nossa dependência de Deus.

A soberba na Bíblia

São Tiago retratado por Rembrandt, que escreveu sobre a soberba,
São Tiago retratado por Rembrandt.


No Antigo Testamento, encontramos uma riqueza de sabedoria nos Provérbios que nos orientam sobre os perigos da soberba. Por exemplo, Provérbios 16, 18 nos alerta: “A soberba precede à ruína; e o orgulho, à queda.”

No Novo Testamento, a carta de São Tiago nos traz a famosa afirmação de que “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” 7. Essa passagem ressalta a postura de Deus diante dos soberbos, revelando que Ele se opõe àqueles que se exaltam em seu próprio orgulho, enquanto demonstra Sua graça aos humildes de coração.

Nos Evangelhos, Jesus frequentemente destacava a importância de ser como “pequeninos” para entrar no Reino dos Céus. “Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus. Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos Céus. 8 E em Lucas 14, 11, Jesus afirma: “Pois todo aquele que se exalta será humilhado, e todo aquele que se humilha será exaltado”.

Além disso, nas bem-aventuranças, encontradas no Evangelho de São Mateus, Jesus apresenta um conjunto de atitudes e virtudes que levam à vida eterna com Deus. E, dentre as bem-aventuranças, há uma clara oposição entre a humildade e a soberba.

“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus” 9, “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” 10, “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” 11 A mansidão e a misericórdia são enfatizadas representando atitudes opostas à arrogância e ao egoísmo, associados à soberba.

Dessa forma, nas bem-aventuranças, fica evidente que a humildade é uma virtude fundamental para alcançar a felicidade eterna e a comunhão com Deus, enquanto a soberba é um obstáculo que nos afasta desse objetivo.

Magnificat: o cântico da humildade


Outra passagem muito importante neste contexto é o Magnificat, o cântico de Maria, registrado no Evangelho de São Lucas. Nesse cântico, Maria expressa sua humildade diante da grandeza de Deus e Seu plano de salvação. Ela reconhece sua condição de humilde serva e glorifica a Deus, contrastando a humildade dos humildes com a soberba dos poderosos e como Deus age em relação a cada um. 

“E Maria disse: Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isso, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo. Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.” 12

Retrato do encontro entre a Virgem e Santa Isabel.

Veja também: Festa da Visitação de Nossa Senhora: a alegria de um encontro.

Como combater a soberba?


Para combater a soberba, é essencial cultivar as virtudes opostas a ela, sendo a humildade a principal delas. A humildade nos lembra da nossa dependência de Deus e nos faz reconhecer que todas as nossas habilidades e conquistas são dons que recebemos Dele. Ademais, ela nos coloca em nosso devido lugar diante de Deus e dos outros. “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos.” 13

O exercício da humildade requer vigilância constante sobre nossos pensamentos, palavras e ações. Devemos estar atentos às tentações de nos vangloriar, de buscar atenção excessiva ou de menosprezar os outros. É um trabalho contínuo de autoexame e humildade diante de Deus.

Além disso, outra virtude importante no combate à soberba é a gratidão. Quando reconhecemos e expressamos gratidão a Deus por todas as coisas — “Em todas as circunstâncias, dai graças […]” 14 — evitamos cair na armadilha de nos considerarmos superiores aos outros. Ao cultivar a gratidão, também desenvolvemos uma atitude de apreciação pelas qualidades e realizações das outras pessoas. O que afasta de nós o sentimento de superioridade e até de inveja — que é outro pecado capital.

Referências

  1. Eclo 10, 14-15
  2. CIC 1866
  3. CIC 2094
  4. CIC 2317
  5. CIC 2540
  6. CIC 2728
  7. Tiago 4,6
  8. Mt 18, 3-4
  9. Mt 5, 3
  10. Mateus 5, 5
  11. Mt 5, 7
  12. Lc 1, 46-55
  13. Fl 2, 3
  14. ITs 5, 18

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