“AKATHISTOS”: UMA PÉROLA PRECIOSÍSSIMA

 



“Akathistos”: é a postura do orante, «não sentado», que dá o título a este hino mariano nascido na Igreja bizantina do século V, e por isso pertencente à antiga Igreja indivisa. Cantava-se levanta-se de pé, tal como se escuta o Evangelho.

De autor anónimo, este canto é uma pérola preciosíssima de todo o cristianismo, para além das divisões eclesiais, uma síntese admirável do mistério da salvação na estreita correlação entre incarnação e redenção: com efeito, canta, na primeira parte, os acontecimentos da encarnação e do Natal, a que se seguem, na segunda, as intuições teológicas dos mistérios da salvação na fé professada pela Igreja, de acordo com os concílios de Niceia, Éfeso e Calcedónia.

Antes de tudo, é um hino de louvor ao Senhor, ao mesmo tempo em que se canta à Mãe; um canto à Santíssima Trindade por meio e juntamente com Maria: o canto à Mãe em função do louvor a Ele.

Na liturgia bizantina, entoa-se no quinto sábado da Quaresma; na Igreja católica, João Paulo II, que várias vezes o quis e presidiu (para o aniversário dos concílios de Constantinopla e Éfeso, por ocasião da festividade da Anunciação no ano mariano, para a Imaculada Conceição no jubileu do ano 2000), concedeu a indulgência pela sua recitação, a par do terço.


«Era tudo aqui na Terra / e de si todos os céus / preenchia o Deus Verbo infinito: / não já uma troca de lugares, / mas um doce abaixar-se de Deus / para o homem / foi o nascer da Virgem, / Mãe que todos aclamamos: / Ave, Tu que és sede de Deus, o Infinito / Ave, Tu que és porta do sagrado mistério »



Por quanto melhores sejam as traduções, não poderão compensar a execução da métrica grega, o ritmo na repetição – com variantes – na participação de toda a assembleia desencadeia a energia do canto coral e restitui experiencialmente o sentido da beleza que pertence a toda a tradição filocálica [amor da beleza divina e humana proveniente e criadora duma escola mística da oração interior] da espiritualidade oriental.

Em solidão, particularmente, a oração – meditativa – pode conduzir à contemplação.

Estruturado em duas partes, a primeira litúrgica e a segunda dogmática, compõe-se de 24 estrofes, das quais as de número ímpar, mais extensas, preveem a participação dos fiéis, os quais, em resposta a uma breve sequência de narração bíblica, variando a cada verso a invocação, por 12 vezes repetem, cantando, a palavra de saudação do anjo, «ave»: «Ave, por ti a alegria resplandece/ Ave, por ti a dor se extingue/ Ave, salvação de Adão decaído/ Ave, resgate do pranto de Eva…». Sem variações em todas as estrofes ímpares é a 13.ª saudação, como uma antífona: «Ave, Virgem e Esposa!».

As estrofes pares têm apenas oito versos, o último dos quais ressoa com uma só palavra de júblilo, «aleluia!» ao Senhor Deus nosso salvador.

Maria é o ventre sem mácula preparado pelos séculos para acolher o Filho de Deus, Filho do homem: «Não tivesses tu a candura, como poderia/ acontecer a ti aquilo que aclara agora a noite?», canta-lhe Rilke – na “Vida de Maria –, figurando o Menino como sol que se ergue.


O pastor em substituição do cordeiro, por cada um dos seus cordeiros, ou das ovelhas. De quantas palavras precisamos para exprimir este inefável núcleo de irradiante beleza!



Maria é, em Cristo, a Mãe da humanidade redimida. Como mãe – o seu sangue, sangue do Filho; a palpitação do grande coração do pequeno, no seu coração de mãe –, a súplica a ela dirigida («preservai-nos de toda a desgraça, todos! Do castigo merecido/ Liberta-nos a nós que gritamos: aleluia!) faz-se motivo de esperança na cândida beleza deste antiquíssimo hino que, verosimilmente, esteve na base das fórmulas litânicas, admiráveis sínteses teológica do plano da salvação desde as origens da Criação ao seu cumprimento, do mistério pascal e eclesial.

«Era tudo aqui na Terra/ e de si todos os céus/ preenchia o Deus Verbo infinito:/ não já uma troca de lugares,/ mas um doce abaixar-se de Deus/ para o homem/ foi o nascer da Virgem,/ Mãe que todos aclamamos:/ Ave, Tu que és sede de Deus, o Infinito/ Ave, Tu que és porta do sagrado mistério (…).»

«Para salvar a criação/ o Senhor do mundo/ de boa vontade cá abaixo desceu./ Como Deus era nosso Pastor,/ mas quis aparecer entre nós/ como Cordeiro:/ com o humano atraia os humanos,/ como Deus o aclamamos:/ Aleluia!»

Esplêndida imagem do Cordeiro Pastor. Na vida normal, o pastor cuida do rebanho, mas depois, para viver, tem de sacrificar o cordeiro.


«Ave, uma pastagem amena fazes germinar;/ Ave, um pronto refúgio preparas aos fiéis.// Ave, de súplicas incenso agradável;/ Ave, do mundo suave perdão.// Ave, para o homem clemência de Deus;/ Ave, do homem confiança em Deus,// Ave, Virgem e Esposa!»



Na tradição de Israel, a lei prescrevia que se imolasse, para celebrar a Páscoa do Senhor, um cordeiro perfeito, macho, sem mácula, jovem, nascido nesse ano… O Rei Pastor, que ama as ovelhas ao ponto de as ir procurar quando se perdem, uma a uma, chamando-as pelo nome, abole o sacrifício antigo e oferece-se a Ele próprio.

O pastor em substituição do cordeiro, por cada um dos seus cordeiros, ou das ovelhas. De quantas palavras precisamos para exprimir este inefável núcleo de irradiante beleza!

Não há ser como palavras dos antigos hinos a reunir novamente em oração os cristãos das Igrejas divididas que ocorrem dificuldades para se reconciliarem no plano dogmático, mas que têm em comum o Senhor e a Mãe, e que são as palavras de invocação comum para toda a humanidade nos momentos de festa e nos de dor? Aos convites familiares, cada pai deseja ver reunidos os filhos, à mesa, ainda que vindos de estradas distantes e de histórias totalmente diferentes… O pai espera, o seu amor chama no silêncio; a mãe prepara e reúne ...

Dirigido a Maria, na qual os dois polos humano e divino convergem, na estrofe da visitação deste hino o pequeno João, no ventre de Isabel, exprime assim a sua exultação: «Ave, ó sarmento de santo Rebento; / Ave, ó ramo de Fruto ilibado.// Ave, cultivo do divino Cultivador, / Ave, dás vida ao Autor da vida.// Ave, Tu campo que dás frutos de riquíssimas graças; / Ave, Tu mesa que trazes plenitude de dons.// Ave, uma pastagem amena fazes germinar; / Ave, um pronto refúgio preparas aos fiéis .// Ave, de súplicas incenso agradável; / Ave, do mundo suave perdão .// Ave, para o homem clemência de Deus; / Ave, do homem confiança em Deus, // Ave, Virgem e Esposa!

 

Anna Maria Tamburini 
In   L'Osservatore Romano
 Trad .: Rui Jorge Martins

Fernando vanini de maria

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