A PERSPECTIVA DA IGREJA NA AMÉRICA LATINA DIANTE DE UMA ÉTICA INDIVIDUALISTA

 


Sabemos que com o Concilio Vaticano II foi nos apresentada uma ousada renovação de toda a Igreja. Foi um novo marco no diálogo com o mundo moderno . Na sua identidade encontramos agora a unidade da fé construída no diálogo com a sensos fidei que está presente no mundo , apesar de não se  confundir com ele, mas que existe para a salvação deste mesmo mundo, ao modo de sacramento . É a Igreja que se percebe como sacramento universal de salvação , ou seja , da íntima comunhão com Deus e das pessoas entre si. Esta igreja se compreende , então , como presença de serviço estabelecendo a via do diálogo como instrumento para que possa, com toda a humanidade , responder ao desafio da construção de um mundo fraterno e solidário , com sólidas bases na justiça. Note bem que quando uso o termo “mundo” refiro-me no âmbito da Doutrina Social da Igreja , ou seja, o ambiente social em que vivemos . Isto deve ser entendido na atual realidade de separação entre Igreja e Estado , que gerou a partir do século XX , um mundo laico. É com este mundo que se entende independente do mundo eclesial que a Igreja encontra o desafio de dialogar . Poderíamos , assim, falar de mundo da política, mundo da cultura, mundo da economia etc. A sociedade moderna tem como uma de suas características principais a secularização , ou seja, o divórcio entre o sacro e o profano. O sujeito é individualmente livre , mas carrega uma forte sensação de insegurança o individualismo se volta contra o individuo e acaba matando a tão sonhada liberdade gerando solidão . De certa forma o subjetivismo relativista é suicida. Com esta afirmação, um tanto trágica e radical quero afirmar que ninguém se basta . Aquele que pretendia resumir a vida na busca egoísta de seus próprios anseios acaba em um beco sem saída . O resultado é a náusea e ausência de sentido para a vida . Sabemos bem o resultado desta postura no plano individual . Mas se o subjetivismo relativista se torna uma “atitude social”, a tragédia do não sentido se transfere para a sociedade e provoca o “mal estar” já identificado pela Gaudium et Spes. Assim a Igreja não fica indiferente ante as tremendas injustiças sociais existentes na América Latina, que mantêm a maioria de nossos povos numa dolorosa pobreza, que em muitos casos chega a ser miséria desumana. Os problemas morais das maiorias empobrecidas não poderiam, desde então, ser ignorados: fome, doença, miséria, desemprego, terra, moradia, dignidade humana, injustiça social. A Igreja então dá um grande passo na aproximação entre a moral vivida ou “realidade” da vida do povo na sociedade e na Igreja, com as formulações da fé, em termos de princípios, critérios, novas visões do mundo e da sociedade. O peso das preocupações éticas recai sobre as estruturas da vida social e para as opções fundamentais que regem as pessoas e suas instituições. A Igreja, na América Latina, desenvolveu uma perspectiva teológica e eclesiológica a partir dos pobres. Ela prefigurou o início da análise dos mecanismos e dos sistemas de opressão emergentes da sociedade neoliberal e da busca de uma prática histórico-salvífica de libertação do povo, afirmando sempre a necessidade de conversão de toda a Igreja para uma opção preferencial pelos pobres. Assim, todo esforço ético religioso – especialmente ecumênico – deverá ter como objetivo o anúncio do Cristo Salvador, que lançará luz sobre a dignidade do homem, especialmente do homem empobrecido, marginalizado e excluído levando-os à comunhão com o Pai e os irmãos, mediante a vivência da pobreza evangélica. Portanto, na América latina, a opção solidária que a Igreja fez pelos pobres torna-se um conceito-chave e um critério verificador da ética cristã. O pobre continua sendo o centro da reflexão ético-religiosa, reafirmando, porém, a necessidade de uma nova ordem econômica, pois “não pode haver uma economia de mercado criativa e ao mesmo tempo socialmente justa, sem um sólido compromisso de toda a sociedade e seus atores com a solidariedade, através de um marco jurídico que assegure o valor da pessoa, a honra, o respeito à vida e à justiça distributiva, e a preocupação efetiva com os mais pobres. O documento de Medelin descreve a miséria que marginaliza grandes grupos humanos em nossos povos. Essa miséria, como fato coletivo, se qualifica de injustiça que clama aos céus Entretanto, o que talvez não se esclareceu suficientemente é que os esforços que foram feitos, em geral, não foram capazes de assegurar que a justiça seja respeitada e realizada em todos os setores das respectivas comunidades nacionais. As famílias, muitas vezes, não encontram possibilidades concretas de educação para seus filhos; a juventude reclama seu direito de entrar nas universidades ou em centros superiores de aperfeiçoamento intelectual ou técnico-profissional; a mulher reivindica sua igualdade, de direito e de fato, com o homem; os camponeses pedem melhores condições de vida; os produtores, melhores preços e segurança na comercialização; a crescente classe média sente-se atingida pela falta de perspectivas. Iniciou-se um êxodo de profissionais e técnicos para países mais desenvolvidos; os pequenos artesãos e industriais da América Latina são pressionados por interesses maiores e não poucos grandes industriais vão passando progressivamente a depender das grandes empresas internacionais. Não podemos ignorar o fenômeno desta quase frustração universal de legítimas aspirações, que cria o clima de angústia coletiva que já estamos vivendo. No campo econômico implantaram-se sistemas que encaram só as possibilidades dos setores com alto poder aquisitivo. Esta falta de adaptação ao que é próprio e às possibilidades de nossa população, origina, por sua vez, uma freqüente instabilidade política e a consolidação de instituições puramente formais. A tudo isto deve-se acrescentar a falta de solidariedade, que provoca no campo individual e social, verdadeiros pecados, cuja cristalização aparece evidente nas estruturas injustas que caracterizam a situação da América Latina.  Segundo o mesmo documento a  Igreja latino-americana julga dever orientar-se para a formação de comunidades nacionais, que refletem uma organização global, onde toda a população, porém, especialmente as classes populares, tenha, através de estruturas territoriais e funcionais, uma participação receptiva e ativa, criadora e decisiva, na construção de uma nova sociedade. Essas estruturas intermediárias entre a pessoa e o Estado devem ser organizadas livremente, sem uma intervenção indevida da autoridade ou de grupos dominantes, no seu desenvolvimento e na sua participação concreta na realização do bem comum total. O sentido de serviço e realismo exige da hierarquia de hoje uma maior sensibilidade e objetividade sociais. Para isso se torna imprescindível o contato direto com grupos distintos, social e profissionalmente, em encontros que proporcionem a todos uma visão mais completa da dinâmica social. Portanto a Igreja, cumpre educar as consciências, inspirar, estimular e ajudar a orientar todas as iniciativas que contribuem para a formação do homem. Cumpre também denunciar todos aqueles que ao irem contra a justiça, destroem a paz. Por fim concluímos também que mesmo passado mais de cinquenta anos , a Gaudium et Spes ainda reserva surpreendentemente uma incrível atualidade e continua servindo como base para uma boa reflexão teológico-pastoral..

FONTE: GAUDIUM ET SPES- 1965  / DOCUMENTO DE MEDELIN - 1968



Fernando Vanini de Maria

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem

"A leitura abre as janelas do entendimento e desperta do sono a sabedoria"