OS DEZ MANDAMENTOS - X - NÃO COBIÇAR AS COISAS ALHEIAS.


 No décimo e último mandamento, encontramos uma instrução que vai além da ação externa, atingindo o âmago do coração humano. “Não cobiçar as coisas alheias” nos adverte contra a cobiça, o desejo desmedido por aquilo que pertence ao próximo. Este mandamento desdobra e complementa os anteriores, destacando como a cobiça é a raiz de muitos males, incluindo o roubo e a injustiça.

Neste artigo, exploraremos o significado e a importância do décimo mandamento, bem como a sua aplicação na nossa vida. Vamos compreender como a cobiça pode afetar nossas vidas e relacionamentos, e como a mensagem contida neste mandamento nos convida a refletir sobre o verdadeiro valor das coisas e a importância de cultivar um coração livre de desejos desordenados.

Não cobiçar as coisas alheias nas Escrituras

A versão do Êxodo, no Antigo Testamento, declara: “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao teu próximo.”  Essa passagem faz parte dos Dez Mandamentos revelados por Deus a Moisés no Monte Sinai. Além disso, destaca a importância de respeitar aquilo que pertence ao outro.

No Deuteronômio, encontramos uma versão semelhante dessa proibição: “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao teu próximo.” . Essa repetição do mandamento agora, antes da entrada na Terra Prometida  enfatiza a sua relevância contínua ao longo da história do povo de Israel.

No Novo Testamento, Cristo expande o entendimento desse princípio ao ensinar sobre a importância de não apenas evitar o ato de cobiçar, mas também os desejos impuros do coração. Ele adverte que até mesmo o desejo de cometer um ato de pecado é pecaminoso em si mesmo, pois a pureza de coração é essencial para a vida espiritual. 

Outro exemplo é a advertência de Jesus sobre a ganância e o desejo por riquezas materiais. “E disse então ao povo: Guardai-vos escrupulosamente de toda a avareza, porque a vida de um homem, ainda que ele esteja na abundância, não depende de suas riquezas.” 

Ademais, Paulo também escreve em várias de suas epístolas sobre a importância de viver uma vida de contentamento e evitar a busca insaciável por riquezas materiais. “Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Acossados pela cobiça, alguns se desviaram da fé e se enredam em muitas aflições.” 

O que a Igreja ensina sobre Não cobiçar as coisas alheias

A desordem das cobiças

A cobiça é um desejo desordenado por coisas que não possuímos. Embora desejos legítimos, como comer quando se tem fome, sejam naturais, muitas vezes, esses desejos podem ultrapassar os limites da razão e levar à cobiça injusta do que pertence a outras pessoas. 

Sendo assim, o décimo mandamento condena a avidez e o desejo excessivo de possuir bens materiais, bem como proíbe a ganância desregrada que surge da paixão pelas riquezas e pelo poder. Além disso, o desejo de prejudicar o próximo em seus bens temporais também viola este mandamento. 

Obter coisas que pertencem ao próximo, desde que seja por meios legítimos, não é um pecado. No entanto, a catequese tradicional reconhece que algumas pessoas precisam tomar ainda mais cuidado com as suas cobiças. Comerciantes que desejam a falta de produtos para obter lucros maiores, por exemplo, ou médicos que desejam que haja doentes para aumentar sua clientela, ou advogados que buscam mais casos para benefício próprio, entre outros. 

A inveja é um vício capital e, portanto, deve ser banida do coração humano. Ela causa a tristeza diante do bem alheio, bem como o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo indevidamente. Desejar um mal grave ao próximo é pecado mortal, para Santo Agostinho, a inveja é o pecado diabólico por excelência.

Todo batizado deve combater os pecados, assim como a inveja, e se alegrar com o bem e os sucessos dos outros, glorificando assim a Deus. 

Os desejos do Espírito

A economia da lei e da graça direciona o coração do homem ao desejo do Sumo Bem e o conduz nos desejos do Espírito Santo. Dessa forma, desvia-o da cobiça e da inveja. 10 Deus nos adverte contra a cobiça, desde o princípio, no Éden, onde a sedução do que parecia ser bom levou à queda da humanidade. 

Mais tarde, a Lei foi dada a Israel, mas não era suficiente para justificar as pessoas. Em alguns casos, ela até se tornou um instrumento de concupiscência.  Isso demonstra o conflito entre a vontade humana de cumprir a Lei e a capacidade de fazê-lo. Assim afirma Paulo: “Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero.” 

No entanto, a fé em Jesus Cristo oferece uma justiça que não depende da Lei. Desse modo, os fiéis são chamados a crucificar suas paixões e desejos, impulsionados pelo Espírito Santo.  Portanto, superaremos a cobiça e a inveja, buscando a justiça pela fé em Cristo e seguindo o caminho do Espírito.

Um breve exame de consciência pode nos ajudar a reconhecer se somos invejosos, com perguntas como:

Fico feliz quando os outros têm sucesso ou conquistam algo importante em suas vidas?

Com que frequência comparo a minha vida, posses ou realizações com as de outras pessoas? Isso me leva à insatisfação e ao descontentamento?

Costumo fazer fofoca ou comentários negativos sobre as realizações alheias, especialmente quando estão indo bem?

Desejo que os outros falhem para que eu me sinta melhor?

Sou capaz de elogiar e celebrar as vitórias dos outros, especialmente amigos próximos ou família?

Poderíamos simplesmente indagar: “Estou agindo pelo espírito?” No entanto, sem dúvida, essas perguntas acima conferem maior concretude e sinceridade ao nosso exame.

Se você se descobriu um invejoso, não se desespere, busque o sacramento da confissão e peça ao Espírito a graça de se alegrar com o bem dos outros. Além disso, comece a cultivar as virtudes contrárias a estes vícios como a humildade, a gratidão e a caridade.

A pobreza de coração

O primeiro mandamento lembra-nos quem deve estar em primeiro lugar na nossa vida: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração […]” Isso significa que a tudo devemos preferir Cristo.

O desapego às riquezas é visto como essencial para alcançar o Reino dos céus.  Todos os fiéis são chamados a direcionar corretamente seus afetos, evitando que as riquezas e o apego aos bens terrenos atrapalhem o progresso na perfeição da caridade. 

As bem-aventuranças proclamam a felicidade dos “pobres em espírito”, aqueles cujos corações estão voltados para Deus e que priorizam o Reino dos céus. Essa “pobreza de espírito” envolve humildade voluntária e renúncia, refletindo a própria humildade de Deus ao se tornar pobre por amor à humanidade.

Isso não quer dizer que os bens materiais são ruins ou que não podemos conquistá-los, no entanto existe uma ordem de bens. Enquanto Jesus lamenta a busca desenfreada por riquezas, Ele elogia aqueles que confiam na providência divina e abandonam as preocupações com o futuro. Essa confiança prepara o caminho para a bem-aventurança, que é ver Deus. 

“Quero ver a Deus”

A promessa de ver a Deus ultrapassa todas as formas de bem-aventurança, pois na Escritura ver é equivalente a possuir. Assim, quem vê a Deus alcança todos os bens imagináveis. 18 Sendo assim, o desejo da verdadeira felicidade deve libertar o homem do apego excessivo aos bens deste mundo, uma vez que encontra sua plenitude na visão beatífica de Deus.

Para alcançar essa visão de Deus, os fiéis de Cristo são chamados a lutar, contando com a graça divina. Nesse caminho de perfeição, eles devem mortificar seus maus desejos e vencer as tentações do prazer e do poder. 

A comunhão perfeita com Deus é o objetivo desse caminho, onde a verdadeira glória, paz e honra serão encontradas. Deus se tornará a recompensa da virtude, e os fiéis O contemplarão sem fim, amarão sem saciedade e O louvarão sem cansaço.  Nada neste mundo representa riqueza maior que essa.

Portanto, a Igreja ensina que o desejo de ver a Deus e a comunhão perfeita com Ele devem orientar nossas vidas, levando-nos a superar os desejos terrenos e buscar a verdadeira felicidade na visão de Deus. A busca pela virtude e a confiança na graça divina são fundamentais nesse caminho de perfeição. No entanto, para desejar ver Deus, precisamos, nesta vida ainda, alimentar este desejo por meio da oração, do conhecimento de Deus e da prática da fé.

Santo Tomás de Aquino sobre o mandamento Não cobiçar as coisas alheias

Santo Tomás de Aquino explica o mandamento com base na concupiscência  a inclinação desordenada para o desejo. Ele argumenta que todo desejo humano se enquadra em três categorias: concupiscência da carne, dos olhos e soberba da vida.

Nesse sentido, Tomás destaca que, após o Pecado Original, a concupiscência tornou-se inerente à natureza humana, levando-nos a pecados veniais e mortais. Ele enfatiza que o pecado reina na carne quando a concupiscência domina a alma. “O pecado reina na carne, em primeiro lugar, quando reina no coração a concupiscência, por força do consentimento.” 

Desse modo, Santo Tomás destaca que para evitar o pecado da cobiça, é necessário evitar as ocasiões externas, como más amizades; controlar os maus pensamentos; praticar a mortificação da carne e buscar a ajuda de Deus por meio da oração e do jejum. Além disso, afirma que ocupar-se com atividades lícitas também é uma estratégia recomendada para afastar a concupiscência. Pois já nos lembra o Esclesiástico, “a ociosidade ensina muita malícia.” 

Como se aprofundar no estudo dos 10 Mandamentos?

Se você se interessou pelo tema dos 10 Mandamentos e gostaria de se aprofundar nele, Santo Tomás de Aquino deu algumas catequeses sobre cada um dos mandamentos, incluindo amar a Deus sobre todas as coisas. A obra Catequeses de Santo Tomás reúne não só essas catequeses, como também sermões do santo sobre o Pai Nosso, a Ave Maria, os Sacramentos e o Credo. Para saber como adquirir essa obra, acesse: Catequeses de Santo Tomás.

Referências

Ex 20,17

Dt 5, 21

Mt 5, 27-30

Lc 12, 15

ITm 6, 10

CIC 2535

CIC 2536

CIC 2537

CIC 2539

CIC 2541

CIC, 2542

Rm 7, 15

CIC 2543

CIC, 2544

CIC, 2545

CIC, 2546

CIC, 2547

CIC 2548

CIC 2549

CIC 2550

Santo Tomás de Aquino, Catequeses. Tradução: Tiago Gadotti — 1. ed. — Dois Irmãos, RS : p.218[↩]

Eclo 33, 29

Fernando Vanini de Maria

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