EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS

 




O Evangelho segundo Mateus é o livro mais lido pelas comunidades e mais comentado pelos exegetas. Ele marca a passagem das promessas antigas para a realização em Jesus Cristo. Está colocado como primeiro livro da biblioteca do segundo testamento porque faz a ponte entre os testamentos. Esta ponte é formada por cinco colunas que são os cinco discursos de Jesus que correspondem aos cinco livros de Moisés, unidos e cobertos

O Evangelho segundo Mateus é o livro mais lido pelas comunidades e mais comentado pelos exegetas. Escrito desde a perspectiva judaica, marca a passagem das promessas antigas para a realização em Jesus Cristo. Colocado como primeiro livro da biblioteca do Segundo Testamento faz uma espécie de ponte entre os testamentos. Esta ponte é formada por cinco colunas que são os cinco discursos de Jesus que correspondem aos cinco livros de Moisés, unidos e cobertos por onze expressões repetidas: “para cumprir as escrituras”, por 60 citações bíblicas explícitas e inúmeras alusões ao Primeiro Testamento.

O Evangelho estabelece uma síntese entre os ditos populares de Jesus, conhecidos como fonte Q, e o evangelho segundo Marcos, destinada a judeus cristãos, exilados ou dispersos pelo império romano. O exílio se deu com a guerra judaica contra o império nos anos 66-70 d.C. que resultou na destruição de Jerusalém com seu templo.

Este Evangelho teve uma importância muito grande nos dois primeiros séculos do cristianismo, justamente quando se estabeleceram os alicerces das comunidades cristãs.

 Aspectos gerais do Evangelho de Mateus

 O contexto sócio-histórico da Comunidade de Mateus

a) Lugar e data de redação

As comunidades que deram origem a esse Evangelho certamente procederam da Judeia, onde Pedro teve uma atuação marcante. Não por menos, Pedro recebe maior destaque, como podemos ver no texto de Mt 16,13-19.

Com a guerra judaico-romana, muitos membros destas comunidades migraram para outras regiões, levando consigo seu legado. Essa migração se intensificou com a perseguição sofrida por parte das lideranças das sinagogas dos anos 80 a 90 d.C.

Há um debate entre autores/as, sugerindo lugares como Jerusalém ou Palestina, Cesareia Marítima, Séforis ou Tiberíades na Galileia, Pela, na Transjordânia, ou Síria. Mas, há boas razões para pensar na cidade de Antioquia, entre os anos 80 e 90 (com toda certeza depois de 70 e antes do ano 100 d.C.):

  •  Inácio de Antioquia, em suas cartas escritas entre os anos 100 a 110 para todas as Igrejas, utiliza material só encontrado em Mateus.
  • A Didaqué (8,1-3), escrita na mesma época, cita a oração do Senhor, o Pai Nosso, na versão de Mateus.
  • Em Mt 4,24, diferente do que se lê na fonte utilizada (Mc 1,28.39), o evangelho dá uma cor local, referindo-se à fama de Jesus espalhada “por toda Síria”.
  •  O Evangelho destaca o papel proeminente de Pedro: ele é o primeiro a ser chamado, o único que confessa Jesus como “Cristo, o filho de Deus”, presente no Getsêmani e na crucifixão. Isso poderia ser um reflexo de sua importância na Igreja de Antioquia, como podemos perceber na carta de Paulo aos gálatas (Gl 2,11-14).

b) O autor (ou autores) e língua original

O cobrador de impostos chamado para o seguimento de Jesus é nomeado Levi em Marcos (2,13-14) e em Mateus (Mt 9,9), mas não lhe é dada maior relevância neste evangelho. Ele figura como o oitavo da lista dos discípulos (10,2-4). Além disso, o conjunto da obra depende muito de Marcos. No entanto, o evangelho foi atribuído a ele. Não é de estranhar. Os cobradores de impostos sabiam contar, ler e escrever.

A atribuição do Evangelho a Mateus se dá no século II d.C. O primeiro a fazê-lo foi Papias, que escreveu nos anos 100-120 d.C. com um texto enigmático: “Mateus escreveu na língua hebraica as frases/logia [de Jesus], e cada pessoa as interpretou segundo sua capacidade” (SICRE, 1999, p. 167). Na mesma direção segue a tradição com Irineu, Clemente, Orígenes e Jerônimo. Contudo, se existiu um texto do evangelho em hebraico ou aramaico, o que teria sido feito com ele? O fato é que temos o texto grego. “O Antigo Testamento é citado às vezes pelo Texto Massorético e outras pelos LXX, o que indica não ser mera tradução. O vocabulário, a gramática e a sintaxe são conformes ao grego” (SICRE, 1999, p. 168).

O que podemos deduzir é que, certamente, Mateus foi uma figura significativa para a comunidade à qual o Evangelho é endereçado. Dessa forma, ele é homenageado e a autoria da obra recebe a força de um discípulo do grupo de Jesus. O nome Mateus significa presente de Deus. E em grego, o termo é parecido com a palavra discípulo: mathetés = aprendiz.

Seu estilo revela ser um escriba judeu-cristão helenista (fala e cultura grega), versado em semitismos. Conhece o aramaico, mas pensa em hebraico (no evangelho são encontrados 329 casos de semitismos: expressões tomadas das sinagogas e do templo); é possível que o livro tenha sido fruto da escola de rabinos e escribas cristãos de Antioquia, “discípulos” de Mateus. Com certeza, os autores eram profundos conhecedores das Escrituras judaicas e usam a versão grega, a septuaginta, para fazer transcrições para a composição de sua narrativa, como, por exemplo, em Mt 1,23; 2.6.15.18. Tiram destes textos verdadeiros “tesouros” e acrescentam a novidade do Nazareno (“coisas novas”, cf. Mt 13,52).

O estilo é semítico e mais intelectual, dado a repetições e sumários, estribilhos e duplicatas. O tom é de ensinamento. Os personagens perdem vitalidade. Por exemplo, a cena tensa, de tom profético e de indignação com os seus adversários (Mc 3,2-5), Mateus converte numa cena em que Jesus aparece como mestre que ensina (Mt 12,10-12). Compare os dois textos.

c) Destinatários/as

O evangelho de Mateus se destina a cristãos e cristãs de origem judaica, como o confirma a tradição e a análise do Evangelho: usa expressões tipicamente hebraicas e não traduz os semitismos, dá por conhecidos os costumes judaicos e importância a temas caros a eles como a lei antiga e a nova. São judeus/judias cristãos/ãs nascidos/as na Palestina e espalhados/as pela Galileia e Síria, expulsos/as de suas terras e fiéis às suas tradições (6, 1-6.16-18; 10,17-21; 13,10-16; 16,1-12; 21,33-46; 22,1-14; 12,1-29). Dentre eles encontramos pessoas sem terra (5,1-5), desempregados (20,1-16), migrantes (2,13-27; 4,13-16.24-25; 19,1), perseguidos (5,10-12; 23,13-32), pobres (11,25-26; 25,34ss...).

Segundo Warren Carter (2002, p.23), o Evangelho é orientado para aqueles/as que já são discípulos e discípulas de Jesus. Trata de nutrir e fazer crescer a “pequena fé” dos seguidores e seguidoras em uma forma de vida ativa e leal. Legitima assim uma identidade e um estilo de vida. Ainda de acordo com Carter, audiência de Mateus não consistia predominantemente de “marginais involuntários” de nível social baixo, mas de uma amostra da sociedade urbana. Transparecem várias características de prosperidade e riqueza urbana:

  •  Uso de um estilo do grego que revela um ambiente urbano;
  • Ênfase à palavra “cidade”, citada 24 vezes (8 em Mc), enquanto a palavra “aldeia” é citada só 4 vezes (7 vezes em Marcos);
  •  O texto supõe um pouco mais de familiaridade com a riqueza ou de conhecimento do contraste entre pobres e ricos. Enquanto os discípulos em Mc não devem pegar moeda de cobre na jornada da missão (Mc 6,8), os discípulos em Mt não devem pegar o dinheiro de primeira qualidade “ouro, prata ou cobre” (10,9); Refere-se a “prata, ouro e talento” 28 vezes, ao passo que Mc uma única vez e Lc 4 vezes.

O final do evangelho nos dá um retrato da comunidade de Mateus (28,16-20): É a assembleia dos convocados sobre o monte, como povo em marcha. Alguns adoram Jesus, outros duvidam. É uma comunidade enviada em missão, preocupada com a fidelidade ao ensinamento de Jesus, mas vivendo um forte conflito: como se trata de um texto escrito por e para judeus, transparece em vários textos a ideia de que Jesus veio para os judeus (“não tomem o caminho dos gentios, não entrem na terra dos samaritanos”; ver Mt 10,5). Por outro lado, é preciso entender que a missão é universal (“ide a todas as nações”; magos vindos do Oriente, ou seja, “pagãos”, são os primeiros a visitar Jesus).

d) As Fontes de Mateus e suas razões

Além das coletâneas de parábolas, de curas, de relatos da paixão, morte e ressurreição de Jesus que circulavam pelas comunidades da primeira e segunda geração de cristãos e de cristãs, a comunidade teve suas próprias fontes de informações, oriundas da tradição das comunidades judaicas de cristãos e de cristãs. Os autores também tiveram acesso à possível “coleção de ditos de Jesus” (Q), também utilizada por Lucas.

O acesso ao evangelho de Marcos, por ser uma primeira síntese das atividades e da mensagem de Jesus, deve ter gerado ânimo nas comunidades. Ao mesmo tempo, deve ter brotado o desejo de enriquecer o esquema de Marcos com novos materiais, respondendo ao novo contexto das comunidades dispersas e perseguidas pelo império romano.

Por mais que gostassem do evangelho de Marcos, ele não se adaptava plenamente à comunidade de Mateus, formada em grande parte por pessoas de tradição judaica, ao passo que o evangelho de Marcos fora escrito para pessoas procedentes de fora do judaísmo. Por uma parte sobravam as explicações sobre os costumes judaicos, pois as sabiam de memória, e por outra, convinha mostrar que as antigas profecias se cumpriram em Jesus. Faltava também uma exposição mais detalhada do ensinamento de Jesus. Em Marcos encontramos apenas dois capítulos. Em Mateus eles crescem em tamanho e em quantidade: cinco grandes discursos.

Sicre apresenta ainda outros motivos que levaram a comunidade de Mateus a escrever nova narrativa:

  • Os conflitos com as autoridades religiosas judaicas tinham aumentado nos últimos anos, até se converterem numa luta mortal. É certo que Marcos deixava clara a animosidade dos fariseus contra Jesus. Porém era necessário insistir mais nisso, desmascarar mais claramente a hipocrisia farisaica, as falsas acusações que dirigiam contra os cristãos. Finalmente, é forçoso dizer, Mateus não estava muito de acordo com a forma com que Marcos às vezes apresentava Jesus. Parecia-lhe demasiado humano. Mateus tinha uma imagem mais grandiosa e soberana de Jesus. Tudo isto influi no aparecimento de uma nova obra, que coincide em muitos aspectos com a anterior, mas com um enfoque às vezes muito diferente (SICRE, 1999, p. 123).

Muita coisa havia mudado no cenário político e religioso depois de quinze anos da narrativa de Marcos, com os acontecimentos da guerra judaica. A religião judaica, agora sem templo e sem sacerdotes, se recompôs com um sinédrio formado por rabinos fariseus, em torno da cidade de Jâmnia os quais passaram a atacar e perseguir os cristãos expulsando-os das sinagogas. Era necessário dar uma resposta mais contundente às perseguições sofridas pelas autoridades religiosas judaicas que se converteram em batalhas mortais. Era necessário desmascarar a hipocrisia farisaica, as falsas acusações que dirigiam contra os cristãos.

A nova narrativa de Mateus responde, portanto, à polêmica criada com a comunidade judaica, conduzida agora pelos fariseus (7,15-19; 23,1-36), e reconstrói a tradição de Israel a partir da fé em Jesus de Nazaré como o Messias e Filho de Deus. Dá, assim, uma identidade ao novo Israel, formada por comunidades cristãs hegemonicamente de origem judaica. A imagem de Jesus profundamente humana apresentada por Marcos, de certa forma, chocava a sensibilidade religiosa judaica. Além disso, a cristologia também se ampliava nas comunidades. Por isso será modificada para uma imagem de Jesus mais soberana e divina, relacionada ao próprio nome de YHWH, Deus presente (Ex 3,14). “Ele será chamado Emmanuel, Deus conosco” (1,23), presente na comunidade reunida em seu nome (18,18) até o fim dos tempos (28,20). Na relação com ele se prima o respeito e a reverência.

Tudo isso explica porque Mateus não copia todo o evangelho de Marcos: aproximadamente 510 versículos dos 678, o que equivale a 75,22% do total, conforme quadro sinótico das fontes oferecido por BOHN GASS (2005): 


Além do evangelho de Marcos, Mateus conhecia os ditos de Jesus, fonte Q, dos quais utiliza cerca de 230 versículos, e de Material exclusivo (ME), aproximadamente 330 vv.

e) Ênfases

Jesus é apresentado como novo Moisés, mais que profeta, mestre da Justiça. Por isso, ao longo de todo o texto a insistência de que Ele veio para “cumprir toda justiça” (3,15; 5,6.10; 6,33; 20,1-16) e para realizar a “vontade de Deus” (6,10; 7,21; 12,50; 21,28-31). A narrativa quer ensinar a Igreja a seguir as pegadas do Mestre, estimulando o espírito de serviço (20,26-28), o amor aos fracos e pecadores (18,6.10-14), a correção fraterna (18,15-18), denunciar a hipocrisia (7,5.13.23; 22,14), fortalecer e questionar a fé (6,30; 8,26; 14,31; 16,8; 12,20), vigiar sem temer a longa espera (24,42; 25,12; 26,38) e ser “luz para as nações” (5,13-16).

A eclesiologia do evangelho de Mateus é de reconciliação e de solidariedade. Insiste na vivência fraterna, especialmente no primeiro e quarto discurso (5-7; 18). É o único Evangelho a denominar as comunidades de ekklesia, que significa tanto a Igreja universal (16,18) quanto a assembleia local (18,17).

Recebem importância particular os conflitos em torno da Lei: havia os que buscavam no ensinamento de Jesus uma legislação que desse segurança, e havia os que eram tentados a não dar valor nenhum à Lei (12,1-14). Refletem-se ali as tensões entre os/as cristãos/ãs vindos/as do Judaísmo e os/as cristãos/ãs vindos/as de outras culturas (5,17-48).13

O evangelho de Mateus responde também às situações específicas:

  • Acento demasiado nas curas e exorcismos (7,21-23) e o esfriamento da caridade (24,12). Não fazem as obras que deveriam fazer (23,2-3.25-27)
  •  Comunidades cada vez mais heterogêneas (13,36-43.47-50);
  •  Farisaísmo: fazem somente para serem vistos (6,1-18; 23,23; 22,34-40);
  • Cansaço por causa da demora da vinda do Senhor (25,31-46);
  • O ideal da perfeição se havia atenuado (5,48; 19,21);
  • Prepotência de pessoas que buscam a Deus e ao dinheiro (6,24-34).

 A estrutura literária

Quanto à estrutura literária do evangelho os comentaristas seguem diversos modelos: o modelo dos cinco livros, o modelo quiástico e o modelo geográfico marcano que divide o evangelho em duas partes.

a) Modelo dos cinco livros

O ponto de partida são os cinco discursos de Jesus antecedidos por uma parte narrativa. Esse conjunto é introduzido pela narrativa do nascimento e infância de Jesus e concluída pela narrativa da paixão, morte, ressurreição e ascensão, formando ao todo sete partes. Copiamos a seguir a estruturação proposta por Ildo BOHN GASS.14

1ª Parte (1-2): Narrativas a respeito do nascimento e da infância de Jesus, que o apresentam como o Rei que vai fazer justiça.

2ª Parte (1º livro): A justiça do Reino (3-7):

3-4: Parte narrativa: João Batista, o batismo e as tentações de Jesus, chegada do Reino.

5-7: Discurso: A nova justiça do Reino no sermão da montanha.

3ª Parte (2° livro): A justiça do Reino liberta os pobres (8-10):

8-9: Parte narrativa: Libertação das doenças e da opressão (dez milagres).

10: Discurso: Envio dos missionários do Reino.

4ª Parte (3° livro): A justiça do Reino produz conflitos (11,1-13,52):

11-12: Parte narrativa: Os mistérios do Reino geram conflitos.

13,1-52: Discurso: As parábolas sobre a justiça do Reino que vencerá.

5ª Parte (4° livro): Comunidade, sinal do Reino (13,53-18,35):

13,53-17,27: Parte narrativa: A Igreja como seguidora do Mestre da justiça.

18: Discurso: Relacionamento entre os filhos do Reino na comunidade.

6ª Parte (5° livro): A parusia próxima do Reino (19-25):

19-23: Parte narrativa: No Reino tem lugar para todos.

24-25: Discurso escatológico: A vinda definitiva do Reino vence as injustiças.

7ª Parte (26-28): Narrativas sobre a paixão e ressurreição de Jesus. Lutar pela justiça leva à morte, mas também gera vida e justiça plenas.

Este modelo põe em relevo os cinco discursos de Jesus, mas dá menor importância aos relatos da infância de Jesus e aos relatos da paixão, morte e ressurreição. Há também o problema de os capítulos 8 e 9 estarem mais relacionados ao discurso do sermão da montanha (5-7) do que ao discurso da missão (10).

b) Modelo quiástico

A estrutura em forma de quiasmo é comum na prosa e na poesia do primeiro testamento. Consiste em estruturar o texto em partes que se correspondem, colocando em relevo o assunto de maior importância. Sicre propõe uma estrutura tendo como centro as parábolas do reino (13) em que se alternam as narrações (N) e os discursos (D)15:

1) N 1-4, Nascimento – começo da atividade de Jesus;

2) D 5-7, bem-aventuranças – promulgação do Reino;

3) N 8-9, autoridade do Messias e convite ao Reino;

4) D 10, discurso da missão;

5) N 11-12, o Messias rejeitado;

6) D 13, parábolas do Reino;

5) N 14-17, o Messias reconhecido pelos seus;

4) D 18, discurso eclesial;

3) N 19-22, autoridade do Filho do Homem e convite ao Reino;

2) D 23-35, maldições – realização do Reino;

1) N 26-28, morte, ressurreição, novo começo.

c) Modelo geográfico marcano

O ponto de partida é o corte programático existente depois da afirmação de Pedro que Jesus é o Messias, que se dá em 16,21: “A partir dessa época, Jesus começou a mostrar aos seus discípulos...”. A mesma expressão aparece em 4,17: “a partir desse momento começou Jesus a pregar...”. Desta forma fica claro que Mateus segue de perto a estrutura do evangelho de Marcos organizado em torno do percurso de Jesus, em duas grandes partes: Depois de sua apresentação (1,1-4,16), Jesus percorre a Galileia onde ele se revela, é rejeitado pelos dirigentes de Israel e constrói a Igreja (4,17-16,20), parte para Jerusalém, onde se dá a confrontação, morte e ressurreição (16,21-28,20). Pablo Richard16

e Warren Carter17 seguem esta estrutura. Carter faz um comentário sociopolítico e religioso a partir das margens. Lê o evangelho de Mateus como contranarrativa: um trabalho de resistência contra o status quo dominado pelo poder dominante e o controle da sinagoga; e um trabalho de esperança que constrói uma cosmovisão e uma comunidade alternativa.

3.1.3 A estratégia literária

A narrativa do evangelho apresenta ao mesmo tempo a memória de Jesus histórico e de que modo esta memória é vivida nas comunidades. Em cada passagem estão Jesus e a Comunidade-ekklesia que valorizam a herança deixada pela tradição de Israel. As comunidades são o verdadeiro Israel e Jesus é o novo Moisés que traz a herança de Israel (1,1-17), realiza o novo êxodo (2,1-15) e pronuncia cinco discursos como os cinco livros da Lei de Moisés.

Galileia é o lugar da esperança: Fogem de Herodes para o Egito; de Arquelau para a Galileia. Jesus vive ali a maior parte do tempo. Sai apenas para o Batismo e para subir a Jerusalém. De lá volta à Galileia como ressuscitado. Jesus mais que Moisés: atravessou o deserto da morte.

Embora siga de perto a narrativa de Marcos, mantenha o mesmo itinerário, responda as mesmas perguntas de Marcos – Quem é Jesus e o que significa ser discípulo dele – Mateus não o copia ipsis literis. Omite detalhes importantes para Marcos, outras informações ele amplia enormemente. E, por fim, o que é mais difícil de entender, modifica alguns textos profundamente. Qual terá sido o critério?

a) Passagens que Mateus omite ou altera18

É raro que Mateus omita textos de Marcos por inteiro, mas há algumas situações peculiares compreensíveis se tivermos em conta a mudança de destinatários e do contexto. Em Marcos, a parábola da semente que cresce por si só (Mc 4,26-29) tem relevância para explicar que a força do reino cresce de forma gradual e de que é necessário paciência histórica. Mateus omite esse texto, como também omite a cura do surdo-mudo (Mc 7,32-37) e do cego de Betsaida (Mc 8,22-26), porque podem ser interpretados como se Jesus fosse um mago ou um curandeiro (SICRE, 1999, p. 125).

E é claro, omite as explicações dos costumes judaicos (Mc 7,1-5), pois o seu público os conhece de coração e os detalhes anedóticos do “jornalista” Marcos. Compare os seguintes textos:


Mais difícil é entender por que omite a intervenção de João e a resposta de Jesus (Mc 9,38-39). Possivelmente está relacionado à perspectiva de Mateus em dar uma imagem mais positiva dos discípulos, pois aquela intervenção demonstra resistência ao ensinamento de Jesus sobre o seguimento da cruz.
Em outras circunstâncias Mateus altera profundamente passagens de Marcos para proporcionar uma nova imagem do protagonista Jesus (como por exemplo, na cura do surdo-mundo - Mc 7,32-37; Mt 9,32-34) e dos seus discípulos e suas discípulas (como, por exemplo, o final dramático do evangelho de Marcos em que as mulheres, por medo, não contaram nada a ninguém - Mc 16,8). Mateus dirá que “correram para anunciá-lo aos discípulos” e que o próprio Jesus lhes apareceu e repetiu a mesma ordem (Mt 28, 8-10).
Alguns temas Mateus trata com mais amplitude:


b) Abundância nas citações das escrituras
Não falta a Marcos a compreensão de que Jesus veio cumprir as escrituras. Mateus, no entanto, trata desse assunto de maneira insistente e largamente ao longo de todo evangelho. Sicre explica que: Mateus
[...] deseja sublinhar que a pessoa de Jesus, sua mensagem e sua atividade não supõem um corte com o antigo, mas pelo contrário, são o cume de todas as promessas. Isto se nota desde os relatos da infância. Neles se cumprem cinco profecias. Que o Messias nasceria de uma virgem (Isaías), que nasceria em Belém (Miqueias), que seria chamado do Egito (Oseias) junto com o pranto de Raquel por seus filhos (Jeremias). Além disso, uma profecia enigmática sobre “se chamará nazareno”.
O fato de que começa a pregar na Galileia, no território de Zabulon e Neftali, não é indiferente; nessa passagem cumpre-se o anunciado por Isaías 8,23-9,1 (Mt 4,12-16). Quando cura enfermos e impõe silêncio, está realizando o ideal do Servo de Yahweh (Is 42,1-4 citado em Mt 12,18-21). O destino de Jonas se repete no do Filho do Homem (Mt 12,40). E quando entra em Jerusalém sentado num burrinho, cumpre-se a profecia de Zc 9,9 (ver Mt 21,4). Até na atitude do povo, incapaz de compreender as parábolas, cumpre-se o que foi dito por Is 42,18 (ver Mt 13,14-15) (SICRE, 1999, p.127).

 Além de cumprir as escrituras, Jesus é um profundo conhecedor delas. Cita-as para responder ao tentador no deserto, refuta as interpretações dos escribas (5,21-48) e, com a citação de um salmo (Sl 8,3) silencia os protestos dos sacerdotes e escribas na entrada triunfal em Jerusalém (Mt 21,15-16).

c) Textos que Mateus acrescenta

  • A infância de Jesus 1-2
  • O sermão da montanha 5-7
  • Cura do servo do centurião 8,5-13
  • Casos de seguimento 8,18-22
  • Cura de dois cegos 9,27-31
  • Não paz, mas espada 10,34-11,1
  • Emissários de João Batista 11,2-19
  • Condenação de algumas cidades galileias 11,20-24
  • “Vinde a mim" 11,18-30
  • O Servo escolhido 12,15-21
  • As parábolas do trigo e do joio 13,24-30+13,36-43
  • Parábola do fermento 13,33
  • Parábola do tesouro e da pérola 13,44-46
  • Parábola da rede 13,47-50
  • Parábola do pai de família 13,51-52
  • O primado de Pedro 16,17-19
  • O imposto do templo 17,24-27
  • Parábola da ovelha desgarrada 18,12-14
  • O perdão das ofensas 18,15-35
  • Parábola dos trabalhadores 20,1-16
  • Parábolas dos dois filhos 21,28-32
  • Parábola dos convidados às bodas 22,1-14
  • Lamento por Jerusalém 23,37-39
  • Parábola das dez virgens 25,1-13
  • Parábola dos talentos 25,14-30
  • Parábola do juízo final 25,31-46
  • Morte de Judas 27,3-10
  • Informação dos soldados 28,11-15
  • Missão dos discípulos 28,16-20
 Nova imagem de Jesus
Mateus repete tudo o que Marcos já nos havia informado desde o começo, que Jesus é o Messias, Filho de Deus e o Filho amado do Pai, mas o faz com maior clareza e dramaticidade. Começa com a genealogia onde informa que ele é “filho de Davi”, portanto, digno de aspirar ao cargo de Messias, e “filho de Abraão”, um autêntico israelita.
A genealogia, com seu complicado jogo numérico, demonstra que em Jesus culmina a história de Israel e ele abre a etapa definitiva, a sétima série de gerações. Mas não é um Messias encerrado no estreito marco de Israel; também é luz para o mundo inteiro, como demonstra a visita dos Magos; se se deve esperar alguma rejeição, será, por desgraça, a de seu povo. (SICRE, 1999, p. 128).

 Ele é o “Novo Moisés” muito superior a ele, como veremos no sermão da montanha e o “novo Israel” que vence o adversário no deserto. Em comparação ao Jesus apresentado por Marcos, a imagem que Mateus apresenta é um Jesus soberano, mais divino que humano.

a) Imagem diferente por omissão ou por acréscimo

Ao utilizar a fonte do evangelho de Marcos, Mateus omite alguns detalhes que, tomados em seu conjunto, formam outra imagem de Jesus, mais sublime e com menos insistência na humanidade. Omite a expressão dos sentimentos de Jesus, tão abundantes em Marcos: na cura do leproso (Mc 1,41), Mateus omite o “movido de compaixão” (Mt 8,2-3); não faz referência à ira (indignação) de Jesus (Mc 3,4 // Mt 12,12), nem à admiração de Jesus diante da incredulidade dos conterrâneos (Mc 6,6a), ao carinho com o jovem rico (Mc 10,21 // Mt 19,21), à irritação com os discípulos que afastam as crianças (Mc 10,14) e sua relação afetuosa e humana com elas.

Mateus omite também detalhes que poderiam ser interpretados como ignorância de Jesus (Mc 5,21-43 // Mt 9, 18-26) ou que dessem a ideia de que Jesus exercia artes mágicas. Por isso, revisa o texto da cura do surdo-mudo (Mc 7,32-37 // Mt 9,32-34) e omite a passagem do cego de Betânia (Mc 8,22-26). Uma imagem de Jesus que toca a orelha dos surdos e, com saliva, a língua do mudo, e que cospe nos olhos do cego para curá-lo, não cabe na imagem que a comunidade de Mateus faz de Jesus.

Mateus omite, igualmente, detalhes que pudessem dar a impressão de impotência de Jesus, como poderia parecer a cena da visita de Jesus a sua comunidade de Nazaré. Marcos diz que “Jesus não podia fazer ali nenhum milagre” por causa da incredulidade deles. (Mc 6,5-6). Mateus dá outra informação: “E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles” (Mt 13,58).

De outra parte, Mateus acrescenta cenas ou frases que ressaltam a importância de Jesus. Uma cena típica é o batismo de Jesus (Mc 1,9-11 // Mt 3,14). Em Mateus, João Batista tenta dissuadir Jesus, mas ele dá as suas razões: ... nos convém cumprir toda justiça. Fica claro que Jesus não é um pecador nem um homem como outro qualquer. Não tem necessidade de se submeter a um batismo de penitência, e vem para cumprir a nova justiça. Outra alteração que Mateus introduz é que a voz do céu não se dirige a Jesus como em Marcos (Tu és o meu filho amado...), mas aos presentes (Este é meu filho amado...). Com isso Mateus sublinha que o batismo para Jesus não significa uma experiência nova de Deus.

Mais intrigante e difícil de entender é o silêncio de Jesus diante da mulher cananeia que pede a cura de sua filha (Mc 7,24-30 // Mt 15,21-28). Em Marcos Jesus responde logo argumentando ser uma questão de prioridade, mas a mulher o vence pelo argumento. Em Mateus Jesus silencia, obrigando os discípulos a intervirem para tentar resolver a situação embaraçosa que se havia criado. A resposta de Jesus surpreende: eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt 15,24). Com isso Mateus estaria respondendo à acusação dos fariseus da época que diziam que Jesus só se dedicou aos pagãos e que, portanto, não é o Messias nem se deve dar atenção à sua doutrina (SICRE, 1999, p. 130). Contudo, a atitude da mulher com sua argumentação, faz Jesus mudar de opinião, não devido ao argumento, como afirma Marcos, mas por causa de sua fé.

b) Detalhes significativos sobre os títulos de Jesus

Os títulos empregados por Mateus são praticamente os mesmos que Marcos, mas as formas e os personagens que os pronunciam mudam. Em Marcos o título mais usual é “mestre” e em Mateus “Senhor”. Ressalta-se uma atitude de respeito para com a pessoa de Jesus. Embora o título “Senhor” seja também usual na relação do filho com o pai (Mt 21,30), era usado também para se dirigir às autoridades (27,63), e pelos servos da parábola dos talentos (25,20.22.24)

Procuramos resumir em forma de tabela o estudo de Sicre (1999, p. 130-132) para ressaltar a diferença:

 


 Nova imagem dos discípulos e de outras personagens

a) Imagem positiva dos discípulos

A imagem que Marcos apresenta e dos doze, particularmente Pedro, Tiago e João, é muito dura. Eles têm dificuldade em entender a dinâmica do Reino inaugurada por Jesus e recebem fortes críticas, principalmente quando querem interferir em pontos fundamentais de seu anúncio. A tensão entre os discípulos e Jesus se dá desde o começo, quando Jesus joga um balde de água fria no entusiasmo fácil de Pedro quando diz “todos te procuram” (Mc 1,37) até a deserção total dos discípulos no Getsêmani, exceto algumas mulheres que o seguiam e serviam desde a Galileia (Mc 15,40-41), passando pela negação sistemática do seguimento da cruz. São duros de entendimento, resistentes ao novo aprendizado, desconfiados e por vezes querem tomar a frente (Mc 8,32-33). Recebem duras repreensões.
Mateus apresenta uma imagem mais positiva dos discípulos. São mais compreensíveis, tratam Jesus com respeito, confiam nele e não recebem repreensões. Vejamos alguns exemplos:
Na parábola do semeador, os discípulos, quando estão sozinhos com o mestre, interrogam a respeito da parábola e Jesus lhes pergunta com ironia: se não compreendeis essa parábola, como podereis entender todas as parábolas? (Mc 4,10.13). Em Mateus, em vez de confessarem sua ignorância, os discípulos perguntam inteligentemente: por que lhes falas em parábolas (Mc 13,10), e Jesus não expressa o que sente. Simplesmente diz: ouvi, portanto, a parábola do semeador.
Pela mesma razão Mateus omite algumas frases irônicas ou de duras repreensões no evangelho de Marcos: Mc 4,40; 5,31; 6,37. Ou então, suaviza a dura crítica. Compare Mc 8,17-18 com Mt 16,8.
Para sublinhar a relação respeitosa dos discípulos para com Jesus, Mateus altera ou omite algumas situações, destacando a iniciativa de Jesus e a confiança no poder absoluto de seu “Senhor”. Vejamos alguns exemplos:

b) Imagem positiva da família de Jesus
Mateus apresenta também outra imagem da família de Jesus. Suprime a informação de que a família achou que Jesus tinha enlouquecido (Mc 3,21). Apenas diz que a mãe e os irmãos estavam fora procurando falar com ele. Suprime os tons polêmicos e se fixa apenas no ensinamento sobre a verdadeira família de Jesus (Mt 12,46-47).
c) Polêmica com as autoridades religiosas judaicas
Em Marcos, a polêmica com as autoridades está presente de maneira velada na primeira parte do evangelho, quando Jesus manda o leproso curado se apresentar ao sacerdote (Mc 1,4) e pelos fariseus que se aliam aos herodianos para montar uma estratégia de matar Jesus (Mc 3,6) e não o deixam em paz (Mc 8,11); e de confronto e enfrentamento direto nas atividades de Jesus em Jerusalém, na segunda parte, em que vence os chefes dos sacerdotes, escribas e anciãos, fariseus, saduceus e escribas (Mc 11 e 12). Termina com um escriba simpático a Jesus que o elogia e é elogiado. Mateus não consegue imaginar um escriba de boa fé. Do começo ao fim, o tom é polêmico e cerrado:
  •  Inteirados do seu nascimento pelos magos, os sacerdotes e doutores sabem que ele nascerá em Belém, mas não movem uma palha para lhe render homenagem (Mt 2,5);
  •  João Batista os denuncia como raça de víboras (Mt 3,7-10);
  •  Jesus denuncia os fariseus como cegos conduzindo cegos (Mt 15,12-14);
  • A breve invectiva de Jesus em Marcos contra os escribas (Mc 12,38-40) se converte em trinta e seis versículos que começam assim: Os escribas e fariseus estão sentados na cátedra de Moisés e continua com sete ais terríveis (Mt 23,1-36).
  •  Os fariseus não deixam Jesus em paz nem depois do enterro. Vão pedir a Pilatos que vigie o túmulo de Jesus (Mt 27,62-66) e subornam os soldados para que dissessem que os discípulos tinham roubado o cadáver de Jesus (Mt 28,11-15).
A nova justiça do Reino no sermão da montanha
Para a finalidade de nosso estudo, seria exaustivo propor uma análise sistemática de todo evangelho de Mateus. Vamos nos ater a alguns textos da fonte própria de Mateus, dando um destaque à apresentação de Jesus como mestre da justiça.
Daremos destaque ao primeiro dos cinco discursos de Mateus, o sermão da montanha, e à parábola dos trabalhadores da vinha no contexto da narrativa do quinto livro do evangelho de Mateus.
O anúncio da chegada do reino dos céus é o cerne da pregação de João Batista (3,2), de Jesus (4,17), dos doze quando enviados em missão para as ovelhas perdidas da casa de Israel (10,7). Jesus o fará desde a Galileia (4,12) que é reconhecida como terra estrangeira, de refugiados e marginais, o que dá ao anúncio um caráter universal. Cafarnaum é terra da promessa (Dt 34,1-4) e luz para os não judeus (Is 42,6; 49, 1-7).
O modo como Jesus o faz Mateus resume neste versículo: Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando toda e qualquer doença ou enfermidade do povo (4,23; 9,35). Esta prática o evangelista desenvolve a seguir: O ensinamento como atividade educativa no alto da montanha (5-7), a pregação no envio dos doze (10) e a atividade curativa em dez sinais (8-9).
A primeira palavra que sai da boca de Jesus, conforme a apresentação de Mateus, é o esclarecimento do significado de Jesus receber o batismo de João Batista, sendo que Ele não é pecador: Deixa estar por agora, pois nos convém cumprir toda justiça (3,15). Este será o tema central do ensinamento da montanha. Ele vem cumprir toda justiça (5,17-20), numa nova perspectiva de fidelidade à lei e à aliança. O que acontece em Jesus é vontade de Deus.
O discurso da montanha tem lugar quando os primeiros discípulos e as multidões se reúnem ao redor dele. Segundo Sicre,
[...] é um discurso programático, que delimita a postura cristã diante de outras opções religiosas da época. Antes de instruir seus discípulos para a missão, antes de revelar-lhes o mistério desconcertante do Reino ou de instruí-los sobre os possíveis problemas e tensões comunitárias, Jesus expõe a forma de vida que espera e exige de seus seguidores (SICRE, 1999, p. 141).

 O discurso é marcado claramente por um começo que descreve o público e o ambiente recheado de simbolismos (5,1-2) e um fim (7,28-29) que descreve a reação do público, colocando em destaque o diferencial em relação ao ensinamento dos escribas. O discurso começa com a proclamação das bem-aventuranças que descrevem as atitudes diante da justiça do reino que liberta todos os que estão oprimidos e esmagados, apesar dos riscos que assumem (5,3-16) e termina com um epílogo que descreve os requisitos para manter uma atitude cristã coerente com o novo ensinamento no horizonte escatológico (7,13-27). No corpo central do texto uma advertência preliminar sobre o cumprimento da lei compreendida normalmente como vontade de Deus (5,17-20); a atitude diante da Lei em contraposição aos escribas (5,21-48), a atitude diante das obras da piedade, também chamadas de práticas de justiça, promovidas pelos fariseus (6,1-18), a atitude diante do dinheiro e da providência (6,19-34) e a atitude diante do próximo (7,1-12).

O conteúdo de seu ensinamento é o Reino, semente da justiça que liberta, fundamento da prática de Jesus, e, consequentemente, da prática dos seguidores e das seguidoras.

As bem-aventuranças: Jesus apresenta seu programa de vida (5,1-16)

a) Ambientação (5,1-2)

Vendo as multidões... descritas nos dois versículos anteriores como pessoas acometidas por doenças diversas e atormentadas por enfermidades, bem como endemoninhados, lunáticos e paralíticos... vindas da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judeia da região além do Jordão (4,24-25). Não era gente importante e poderosa, não se diz nada de seu interesse pela libertação de Roma, mas que estavam à procura da cura de suas enfermidades. Mateus diz que Ele os curava. Mas Jesus quer oferecer algo mais: a possibilidade de formar o novo povo de Deus. Por isso vai proclamar seu programa do Reino de Deus (cf. SICRE, 1999, p.143).

...subiu à montanha, o que contrasta com o monte mais alto (4,8-10) onde Jesus venceu o adversário e demonstrou que é possível ser fiel ao único Deus. A montanha é uma referência ao Sinai, onde Moisés subiu nove vezes, e ao Sião, onde as nações, na nova era messiânica chegam para aprender os caminhos.

Jesus sobe o monte como Moisés subiu ao monte Sinai para receber as tábuas da aliança. Mas, há uma grande diferença:

  •  Moisés subiu sozinho e o povo não podia nem tocar a montanha (Ex 19,12-21). Jesus sobe com as multidões e elas se aproximam dele;
  •  Antes de Moisés receber as leis, há uma teofania com trovões, relâmpagos, nuvens espessas, o Sinai fumegando e YHWH desceu sobre ele no fogo e o povo pôs-se a tremer. Jesus se senta como mestre que ensina e os discípulos se aproximam dele.
  •  Moisés recebe as tábuas da lei. Jesus como Filho de Deus se pôs a falar e ensinava a torá messiânica que cria a nova aliança (cf. Mt 26,28).

O contraste entre as duas cenas é particularmente significativo se tivermos em conta que Mateus escreve para pessoas de tradição judaica. O contexto da relação com o divino não é de medo, fogo e relâmpagos, mas de familiaridade. Os discípulos sobem com ele e se aproximam sem serem necessariamente convidados e Jesus não precisa esperar que Deus lhe fale. Ele mesmo toma a palavra e ensina e sua autoridade suprema é conferida pelas multidões no final do discurso (7,28-29).

b) As bem-aventuranças (5,3-12)

O gênero literário de bem-aventuranças é conhecido no primeiro testamento. Por exemplo: Há nove coisas que considero felizes em meu coração e uma décima que declaro com a língua... (Eclo 25,7-11).

Jesus declara felizes os pobres, caracterizados de oito maneiras: neles o Reino de Deus se faz presente como dom de Deus em meio de nós e apesar de nós. Três grupos provêm da fonte Q: os pobres, os que têm fome e os que choram. Estão na segunda pessoa do plural, como aparecem em Lucas 6,20-23. E cinco categorias novas, na terceira pessoa do plural, de caráter mais universal: os pobres de todas as épocas.

A palavra grega é makárioi, geralmente traduzido por felizes, bem-aventurados, ditosos ou, literalmente, benditos. André Chouraqui traduz com a expressão em marcha, em pé, que caminha. Como quem diz: levante-se! Ergue a cabeça! “Sacode a poeira e dá volta por cima”. Segundo W. Carter,19 em seu grande comentário bíblico, “bem-aventurado exprime o favor e a bênção de Deus não sobre a pobreza, mas sobre ‘as pessoas que’ são pobres”. Ele distingue dois grupos de quatro bem-aventurados: 5,3-6, com 36 palavras e 5,7-10, também com 36 palavras. Ambos concluem com uma referência à justiça: 5,6 e 5,10. Os versículos 3 a 6 descrevem situações opressoras de aflição ou infortúnio, que são honradas, porque o Reino de Deus as revoga. Criticam a tribulação política, econômica, social, religiosa e pessoal, consequência do império romano aliado à elite judaica. Os

versículos 7 a 10, por sua vez, expressam ações humanas, inspiradas pela experiência do Reino de Deus (5,3-6) que são honradas, porque expressam o reinado transformante de Deus.

No centro das menções à felicidade está a misericórdia (5,7). Com certeza, os ouvintes familiarizados com os Escritos, devem ter recordado o Salmo 1 que descreve os dois caminhos: o caminho dos justos e o caminho dos ímpios. É necessário optar. Jesus acentua a gratuidade do Reino (3 vezes) e abre a felicidade do Reino a todos. Pela vinda do Reino se acabarão as injustiças que marginalizam.

Felizes os pobres em espírito porque deles é o Reino dos Céus (5,3). Esta bem-aventurança é a que mais discussões exegéticas têm gerado devido à expressão pobres em espírito.

O problema não está na palavra espírito cujo termo para os judeus indica força e atividade vital - presença de Deus na pessoa (CNBB, 1998, p. 47), mas em saber a quem o termo pobre designa. Daí as várias traduções possíveis em nossas versões em português. Tradicionalmente a expressão vinha sendo traduzida como pobres de espírito (primeiras edições da Bíblia Ave Maria - AM), tradução abandonada porque em português significa “mesquinho” ou “insignificante”. Não há convergência entre os tradutores: Pobres em espírito (BJ), pobres no espírito (CNBB), pobres de coração, lit. pobres pelo espírito ou em espírito (TEB), pobres com espírito (P. Richard), humildes de espírito (Almeida - revisada e atualizada), espiritualmente pobres (NTLH), os que têm coração de pobre (M. Barros)...

A quem se refere Mateus ao usar a categoria pobre em espírito? Aos pobres reais, os mesmos a quem se refere Lucas, ao simplesmente dizer felizes os pobres sem nenhum adjetivo? Ou espiritualmente pobres como sugere a nova tradução na linguagem de hoje (NTLH)? O que entenderiam os ouvintes de Jesus, gente pobre e simples que veio de toda parte?

Sicre (1999) concordando com Juan Mateus que dá como chave de leitura a interpretação de Jesus em 6,24, a opção entre Deus e o dinheiro, explica que

[...] no contexto nacionalista e revolucionário da Galileia, não era estranha a exaltação dos pobres, típica do Antigo Testamento. O que chama a atenção é que se acrescente ‘em espírito’. Quer dizer que o importante não é somente a pobreza material, mas também a atitude interior. Jesus não proclama feliz o pobre, sem motivo aparente, mas o pobre que não quer ser como os ricos.

 Já para Strack/Billerberck, aqui estaria sendo traduzida a expressão rabínica usual no tempo de Jesus para designar o povo simples do campo, que não tivera acesso maior aos círculos sinagogais e por isso eram tidos como ignorantes e rudes (RIBLA 27, p. 51). 

Para os autores do “Semeador do Reino”, os interlocutores de Mateus são os empobrecidos de suas comunidades; Os pobres indigentes, pobres da terra, os fracos (Am 8,4-6); Os anawim (israelitas submissos à vontade divina); oprimidos que reclamam justiça para os fracos, pequenos e indigentes (Sf 2,3); os que colocam sua esperança somente em Deus (Sl 40,18). Os que não seguem outros deuses (Mt 6,24; Dt 5,7). “Eles são felizes não por serem pobres, mas porque estão recebendo a missão de construir o Reino” (CNBB, 1998, p.48).

Para W. Carter (2002), Mateus ao se referir aos pobres em espírito, se refere

[...] aos pobres literais, físicos, os despossuídos carentes de recursos, explorados e oprimidos, aqueles que vivem na dificuldade social e econômica, carecendo de recursos adequados, explorados e oprimidos pelos poderosos (Lv 19,10.13; Pr 14,31; 28,15) e desprezados pela elite. Eles incluem o estrangeiro, o órfão, a viúva, o necessitado, os aleijados fisicamente (cego, coxo) e os impotentes (cf. Dt 34,19; Jó 29,12-16); (...) São aqueles economicamente pobres e cujos espíritos ou seres são esmagados pela injustiça econômica. (...) Até Deus parece ter-se esquecido deles (Sl 10,1-3; Sl 34,17.22-23; 68, 1-2; 82; Jó 24); (...)

 Sicre (1999) segue na mesma direção, lembrando o público que o próprio Mateus menciona imediatamente antes das bem-aventuranças:

[...] Quem são tais pessoas? São os nomeados em Mt 4,18-22, encerrados em um sistema econômico explorador (tributação e dívida) com nenhum controle sobre seus próprios destinos. São os enfermos, os possuídos por demônios, os epilépticos e os lunáticos (4,24) cuja doença significa que eles carregam nos seus próprios corpos os efeitos terríveis do sistema imperial (...) (SICRE, 1999, p. 179-180).

 Somente lhes resta uma esperança: que Deus intervenha como acontece na prática de cura descrita em Mt 4,23 e nos capítulos 8 e 9, sinais de que o Reino está em marcha.

Portanto, tratam-se dos pobres reais, empobrecidos e injustiçados, que colocam em Deus sua esperança e que são perseguidos por causa da justiça (5,10). Deles é o Reino dos Céus (5,3b.10b).

Felizes os aflitos, porque serão consolados (5,4).20 Esta bem-aventurança e as que seguem são como que um detalhamento da primeira. Dos muitos textos referenciais do primeiro testamento para compreender o alcance do que Jesus está proclamando é o texto de Is 61,1-3, citado por Lucas como programa de Jesus na proclamação do Reino (Lc 4, 18-19). Os que deploram ou lamentam o impacto destrutivo dos impérios (Babilônia, Roma) que oprimem o povo. Deus escuta o clamor dos que sofrem humilhação, cativeiro, prisão (Ex 3,7; Jr 14,2). Uma ação divina acabará com a opressão e transformará a tristeza em alegria (Js 3,26-4,1; Is 60,20; 61, 1-3; 66,10; Is 16,9).

Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra (5,5). Os mansos são os pacifistas, os não violentos. Esta bem-aventurança é de particular importância tendo-se em conta que a época de Jesus e das comunidades de Mateus era de muita violência. Os pacifistas que se recusavam usar da mesma violência em suas lutas revolucionárias poderiam ser mal vistas pelo povo. No entanto, Jesus os proclama felizes. A inspiração parece vir do Salmo 37 que reflete o problema das pessoas honradas e justas espoliadas de suas terras pelos poderosos. Em vez de responder na mesma moeda e se vingar com as próprias mãos (37, 8-11) o salmo propõe defender o que é seu sem usar de violência. Quem coloca a esperança em YHWH terá a terra por herança, estribilho que se repete por sete vezes (37, 3.9.11.18.22.29.34), pois a terra pertence a Deus (Cf. Lv 25,23; Dt 4,1) e significa liberdade e independência.

A bem-aventurança perpassa também a dimensão da não violência religiosa. Em várias circunstâncias Jesus se sensibiliza pela situação de pessoas simples subjugadas e oprimidas pelas autoridades religiosas que amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem com um dedo se dispõem a movê-los (23,4). Diante disso, Jesus mesmo se apresenta como manso e humilde de coração e convida a virem a ele todos os que estão cansados sob o peso do fardo e lhes promete dar descanso (cf. 11,28-30).

Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (5,6). Esta bem-aventurança resume as anteriores. Também aqui o sentido não se esgota na injustiça social, e sim na busca coerente de cumprir a vontade de Deus como o denuncia o profeta Isaías no texto clássico que expressa o jejum que agrada a Deus (Is 58,1-10). Sicre (1999, p. 148), afirma que o termo utilizado no Evangelho tem uma conotação diferente e poderia ser traduzido: “bem-aventurados os que têm fome e sede de serem fiéis a Deus, de cumprirem a vontade de Deus”. Ele fundamenta a afirmação citando a experiência do batismo em que Jesus aceita a vontade misteriosa de Deus, embora tenha de aparecer publicamente como um pecador a mais. O termo utilizado por Mateus para dizer “cumprir toda justiça” (dikaiosyne - 3,15) é o mesmo empregado na bem-aventurança. E o faz porque tem fome e sede de justiça.

Várias referências do primeiro testamento dão também este sentido, tanto os salmos: vagueiam com fome e sede a busca do caminho (Sl 107,5-6; Sl 42, 1-2.9), como os profetas: fome de ouvir a Palavra, de procurar a justiça e buscar o Senhor (Am 8, 11-12; Is 51,1-8).

Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (5,7). Ser misericordioso é de importância tradicional (Pr 14,21; Os 6,6; Tb 4,5-7). Parece fácil, mas não é, porque não se trata de uma ajuda passageira, mas de colocar a vida a serviço dos outros. Os que sentem na pele o problema do outro e prestam ajuda; fornecem os recursos econômicos necessários (5,42; 6,2-4; 25,31-46); perdoam (6,12-15); estendem o amor aos inimigos (5,38-48), aos marginais, estrangeiros e mulheres (15,22); solidarizam-se pelos laços da justiça e misericórdia (Mt 25, 31-46). Misericórdia é o que quero, e não sacrifício (9,13; 12,7); por isso ela não deve ser negligenciada (23,23). Quem a vive terá sorte. Encontrá-la-á.

Felizes os puros de coração, porque verão a Deus (5,8). A bem-aventurança se inspira no salmo 24: pode ver Deus quem tem mãos inocentes e coração puro (Sl 24,4), que transpiram integridade e retidão. O coração é o âmago, o lugar de tomar as decisões, de querer decidir e atuar de acordo com a experiência da libertação de todas as escravidões (Dt 6, 4-19). Portanto, o que caracteriza a vida dos puros de coração é a sua postura de amor a Deus, que exclui toda forma de idolatria, e o amor ao próximo, que exclui toda forma de injustiça.

A promessa é ver Deus: imagem de encontro íntimo face a face com Deus. É algo prometido ao justo (Sl 11,7; 15,2; 17,15), embora isso pareça impossível ao ser humano (Ex 3,6; 19,21).

Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (5,9). Fazedores de paz. Paz sem derramamento de sangue; promovem a paz e tranquilidade, o direito e a justiça; paz cósmica de Deus em que todas as coisas estão em justa relação entre si e com seu criador. Opõe-se à pax romana. Paz do reinado de Deus: defesa do pobre e necessitado (Sl 72,4.7.12-14); O fruto da justiça será a paz (Is 32,17) que compreende muitos aspectos, como o explica Sicre:

Não se trata somente de paz política entre as nações, ou de paz social, dentro do próprio país. Inclui também a paz com Deus, a paz na família, as boas relações de todo tipo. E, junto com isto, o conceito judeu de paz inclui também a ideia do bem-estar individual e social (SICRE, 1999, p. 151).

 A promessa é que serão chamados filhos de Deus: viver como Deus faz (5,48) e como Jesus. Agir como Deus é ser um dos filhos de Deus agora (5,45; 6,9); formados não por origem étnica (cf. Dt 14,1), mas pela imitação de Deus (cf. Mt 3,9).

Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus (5,10). A última bem-aventurança se liga à primeira. Ambas estão no presente. O reinado de Deus já está no meio das comunidades dos pobres que lutam por justiça a partir da prática da misericórdia, e, bem por isso, mexe com os interesses dos poderosos, daí a perseguição. O justo incomoda, mas Deus virá em seu auxílio (cf. Sl 54,5-6; Sb 2,10) .21

Mateus reforça a última bem-aventurança referindo-se diretamente à perseguição, termo repetido duas vezes, por causa do seguimento de Jesus (5,11-12). Como na tradição do justo perseguido (Sl 35,37; Sb 2,12-24), o império contra-ataca como Mateus já havia relatado com a perseguição de Herodes (2,13-23). A felicidade prometida como recompensa não se dará pelo merecimento, mas como resposta justa de Deus à fidelidade, pois foi assim que perseguiram os profetas (Ne 8,26; 1Rs 18,4.13; 19,10.14).

c) Sal da terra e luz do mundo (5,13-16)

As comunidades corriam dois riscos: perder a força do sal e esconder a sua luz. O sal é polivalente22: é um artigo de primeira necessidade (Eclo 39,26), tempera alimentos (Jó 6,6), purifica a água (2Rs 2,19-23), é relacionado ao sacrifício (Ez 43,24) e é partilhado como sinal de lealdade (Esd 4,14) e aliança (Lv 2,13; Nm 18,19) ou como símbolo da Sabedoria e da Lei. Na Palestina conduzia as ovelhas de volta ao rebanho.

A comunidade dos discípulos deve ser como sal da terra: vida temperadora, purificadora e sacrificial, comprometida com o bem-estar do mundo e fiel aos propósitos de Deus. Ela deve ser portadora da Sabedoria de Jesus (11,25). Ela perde sua identidade como sal quando cessa de viver no mundo conforme o reinado de Deus descrito em 5,3-12.

A comunidade de Mateus não poderia concordar com Cícero que descrevia Roma como uma “luz para o mundo todo”.23 Sua perspectiva é a missão do servo de YHWH, Israel, luz e salvação para todos os povos (Is 42,6; 49,6). A Luz de Deus brilha e aponta onde estão as injustiças. No evangelho de João, Jesus proclama eu sou a luz do mundo (Jo 8,12). Aqui Jesus dá essa missão aos seguidores e às seguidoras de iluminar a humanidade com a luz do Reino, que não pode ficar escondida, o que é ilustrado por dois exemplos.

Quando os discípulos e as discípulas vivem as bem-aventuranças sua luz desmascara as injustiças. As boas ações serão descritas em 5,21-48.

 A justiça na tradição dos escribas e fariseus e a do Reino dos céus (5,17-48)

A partir de 5,17, Mateus apresenta a postura de Jesus diante dos escribas e fariseus. Sua proposta poderia parecer em desacordo com a tradição de Israel. Por isso o alerta inicial: Não penseis que vim revogar a leis e os profetas... mas dar-lhes pleno cumprimento.

À primeira vista, ao se referir a não omitir uma vírgula sequer, poderia parecer que está defendendo o cumprimento legalista da lei, o que estaria em desacordo com o que segue. Na realidade, Jesus não está defendendo a letra da lei, mas o seu espírito, como ensina logo em seguida: a justiça dos seus seguidores e de suas seguidoras deve exceder a dos escribas e a dos fariseus. Ele reconhece a lei escrita e a tradição oral, só que não de maneira fundamentalista. A lei apenas aponta a Vontade de Deus. O essencial da lei é a prática da justiça e da misericórdia (23,23). Jesus usa as Escrituras para exigir algo mais: a reconciliação, a fidelidade conjugal, a veracidade, tolerância, o amor universal. O rigor de 5,17-18 é equilibrado com a ética do amor em 5,43-46.

O contexto é de comunidade perseguida e em diáspora, o que implica constante desinstalação (5,25; 6,2-4; 6,25-33). A dinâmica de assumir a perspectiva do Reinado de Deus vivida em comunidade cristã se contrapõe à prática da sinagoga e da academia de Jâmnia, dirigida pelos escribas e fariseus.

Com as inúmeras observâncias e costumes, eles transformaram a lei em observância mecânica e lucrativa para os bolsos das elites religiosas. O Essencial da Lei é a prática da justiça e da misericórdia (23,23) é essa prática que possibilita aos discípulos e discípulas de Jesus ultrapassarem a justiça dos escribas e fariseus (5,20) (CNBB, 1998, p. 49).


 Para deixar mais claro em que consiste esta justiça, dá seis exemplos de retidão e vida que o Reino de Deus exige (5,17-48).24

Sobre ira e relacionamento (5,21-26): O quinto mandamento é claro: não matar. Porém, não se trata apenas de respeitar a vida física, mas toda a sua pessoa e evitar todas as formas que geram morte: fome, guerra e ódio. Segundo o livro do eclesiástico, quem priva o pobre de pão é assassino (Eclo 34,25). Portanto, neste caso Jesus leva a lei às suas consequências mais radicais.

Sobre adultério e libido masculina (5,27-30): Também aqui Jesus vai além do ato físico do cumprimento da lei. Exige que os homens se esforcem para eliminar seu desejo de posse.

Sobre o divórcio e os maus tratos masculinos às mulheres (5,31-32): Jesus combate os privilégios dos homens e revoga a lei que dava a eles o direito de despedir a mulher por qualquer motivo, cf. 19,3-9, como explica Carter:

[...] Deuteronômio 24 reconhece que um homem poderia repudiar sua mulher se encontrasse nela “algo censurável”. Esta expressão foi interpretada como referindo-se a vários comportamentos incluindo impropriedade pré-matrimonial (Dt 22,13-21), adultério (Jr 3,8) ou simplesmente desgosto (Dt 22,13). No primeiro século, a escola de Schammai restringira a causa de adultério (m. Git. 9,10), mas a posição mais dominante sustentada pela escola de Hillel a interpretava muito mais amplamente para referir-se a qualquer coisa que desagradasse ao marido (CARTER, 2002, p. 199).

 Jesus denuncia assim o machismo presente nas relações humanas e aponta para a reciprocidade nas relações entre homens e mulheres.

Sobre a integridade de palavra e ação (5,33-37). Jesus anula a lei em vigor. As relações de comunidade baseadas na veracidade e na integridade dispensa o juramento.

Sobre a resistência não violenta ao mal (5,38-42). Jesus muda a lei da equivalência entre delito e infração, conhecida como lei do talião, para romper o círculo da violência com uma norma mais exigente, em conformidade com as bem-aventuranças que rompem a cadeia da violência pela resistência não violenta ao malfeitor. As exemplificações de não revidar ao agressor, de se dispor a andar duas milhas com quem impõe andar uma milha, provavelmente para carregar o armamento de um soldado, surpreendem e questionam: mas por que ele faz isso? Assim, vai se rompendo o círculo vicioso da violência.

Sobre o amor aos inimigos (5,43-48). Nenhum texto bíblico fala de ódio aos inimigos, mas aparecem afirmações similares (cf. Dt 20,1-18; Sl 139,21-22; Eclo 12,4-7, e nos textos de Qumrã 1 QS 1,10-11). Jesus muda a lei e estabelece uma norma mais existente.

Inimigos devem se tratados como o próximo na perspectiva proposta pelo livro do Levítico (cf. Lv 19,18; Ex 23,4-5) o que não é fácil, pois inclui os que estavam perseguindo os seguidores e as seguidoras de Jesus. Isso não significa, porém, se acomodar “gentilmente” aos conflitos, mas desafiar as injustiças e a opressão pela não violência afetiva, criativa e ativa.

O objetivo de tal amor indiscriminado e ativo é pra que possam ser filhos de vosso Pai que está nos céus. Isto tem dimensões presentes e futuras (escatológicas). Agindo agora como promotores de paz (cf. 5,9), orando pelos próprios inimigos, fazendo o bem etc., marca a comunidade como filhos de Deus, em relação de aliança com Deus como Pai (ver 5,16; 23,9), constituída não pela etnicidade (cf. Dt 14,1), mas por seguir a Jesus na sua imitação de Deus (cf. Mt 3,9) e participando na consumação dos propósitos de Deus (CARTER, 2002, p. 209).

 Segundo Paulo Lockmann,

Trata-se da ética do amor (Mt 5,43-46), a qual é a síntese da nova lei do Evangelho. Está presente em todo o texto do Sermão do Monte, resgatando com justiça o direito dos pobres, das mulheres, enfim, dos marginalizados (LOCKMANN, 1997, p.50).

 O fundamento deste amor indiscriminado está no Criador (Gn 1 e 2) que faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos.

O versículo final (5,48) recapitula os seis exemplos anteriores. A justiça maior (5,20) necessária para entrar no Reino dos céus se alcança imitando a Deus em sua plenitude. Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito, o que implica em coração indiviso, íntegro, que conhece e lealmente faz a vontade de Deus (Dt 18,13). Lucas, em outro contexto, irá destacar a misericórdia de Deus: sede misericordiosos...

Um novo modo de ser e de se relacionar com o Pai (6,1-18)

O tema abordado na parte anterior, sobre a prática da justiça diante da Lei, continua agora na explicação da prática diante da justiça do Reino diferenciando a prática divulgada pelos fariseus em dar esmola, orar e fazer jejum em relação ao modo como os seguidores e as seguidoras de Jesus devem praticá-la. O termo “justiça”, que tem vários significados na tradição bíblica, aqui é aplicado como “piedade verdadeira”.

Já havia ficado claro que o espírito com que se deve vivenciar a lei é buscar imitar o Pai sendo, perfeito, íntegro como Ele (5,48). Mas como fazê-lo? Como conhecer a vontade do Pai e ser íntegro como Ele? A discussão não está em praticar ou deixar de praticar as obras da justiça, mas em como praticá-las: não para serem vistos diante dos outros, o que seria mero marketing de promover-se a si mesmo, como adverte o versículo primeiro, demarcando, assim, a fronteira com as sinagogas. Seria transformar o culto em teatro ou espetáculo para impressionar os outros. A esmola, a oração e o jejum devem ser praticados em segredo, na intimidade com o Pai, a serviço da vida, com integridade e plenitude. Os discípulos devem pescar pessoas, não impressioná-las (4,19) e serem testemunhos não de si mesmos, mas da luz de Deus (4,16). São duas posturas bem distintas: a dos hipócritas e a dos e das seguidoras de Jesus.

Dez vezes Jesus cita a palavra PAI nestes dezoito versículos (6,1-18) o que demonstra que ele define sua prática da justiça em função do plano de salvação dele. No coração do texto, a oração do “Pai Nosso” que, mais do que uma oração, é um programa de vida que perpassa e revoluciona todas as dimensões e relações da vida: a solidariedade para com os mais pobres, a partilha do pão cotidiano, o perdão das dívidas e a gratuidade.

Primeiro ato de justiça: dar esmola (6,1-4). Deus é Pai que não aceita subornos. Ele conhece nossos pensamentos (Sl 139, 2-3); quer justiça e misericórdia (Mq 6,8; Pr 21,27; 22,22-23; Eclo 34,18ss).

Segundo ato de justiça: oração (6,5-15). A comunicação com o Pai acontece no mais profundo do ser humano.

Para indicar esse espaço de intimidade, Mateus usa imagens como: quarto, fechar/chave, porta para enfatizar a reação do Pai à nossa oração. O Pai que está “escondido” (v.6), invisível, fora de nosso controle, recompensará ampliando seu reinado em nossa vida (CNBB, 1998, p. 54).

 O “Pai Nosso” é modelo de oração, resumo do ensinamento sobre o Reino, programa de vida para as cristãs e os cristãos. Visa colocar-nos na sua relação de intimidade com o Pai.

Os três primeiros pedidos referem-se à restauração do relacionamento com o Pai: louvor a Deus e seu Reino, a primeira coisa a ser buscada na oração; Dimensão gratuita e contemplativa da fé. O contexto é o do Êxodo (Ex 4,22) e da Aliança (Dt 32,6; Os 11,1-2; Jr 31,9; Eclo 23,1-4; Sb 14,3)

Quatro pedidos relacionados ao cotidiano que apontam nova base social para que todos os filhos e filhas de Deus vivam com igual dignidade: O pão de cada dia lembra o maná (Ex 16,4) como exigência de partilha; o perdão das dívidas que lembra a Lei do ano sabático (Dt 15,1-2) e do ano jubilar (Lv 25,1-22); não repetir o comportamento do povo no deserto (Ex 32,1-6; Dt 9,7-29), e imitar Jesus que venceu a tentação (4,1-17); livramento do maligno e de seu poder que procura desviar do Reino de Deus.

Tanto o “Pai nosso” quanto o “pão nosso” referem-se à gratuidade do Reino: Deus vem ao nosso encontro e, ao mesmo tempo, quer ser procurado (Is 55,6-9; Jr 29,12-14; Sl 34,4).

No centro dos sete pedidos está o pão partilhado, a convivência fraterna. Voltaremos à oração no capítulo quinto, ao comparar a versão de Mateus com a de Lucas.

Terceiro ato de justiça: Jejum (6,16-18). Igualmente deve ser praticado em segredo, na intimidade com o Pai. Jejum temporário faz bem para a saúde, porque proporciona descanso aos órgãos digestivos. A partilha dos alimentos é um gesto de solidariedade com quem passa fome, para que todas as pessoas tenham vida.

O Reino e sua Justiça (6,19-34)

A vida é feita de opções, sejam pequenas decisões cotidianas, sejam opções fundamentais. As pequenas opções são consequência da opção fundamental. Daí a importância de se perguntar: Com que meu coração realmente se ocupa? Em acumular tesouros na terra ou juntar tesouros nos céus. O que estou acumulando e para quê? Que consequências trazem: preocupações porque podem estragar, enferrujar ou serem roubados, ou paz e confiança? Pois onde está o teu tesouro aí estará também teu coração. Na explicação de Ildo Bohn Gass, Jesus vai ao ponto central da nossa condição humana: deixar-se levar pela cobiça e servir à riqueza, ou deixar-se conduzir pelo dinamismo do amor e servir a Deus? São dois modelos econômicos, duas formas de organizar a sociedade. Uma tem como base o poder da riqueza, que gera angústia, fome, preocupações e injustiças. A outra prioriza uma estrutura social que privilegia a justiça do reinado de Deus, gera dignidade, alegria e vida cidadã (BOHN GASS, 2013, p. 196).

a) O compromisso de coração

O coração é o centro das decisões, iluminado pelos olhos. Olho sadio, para os judeus, significa um olhar generoso, liberto do desejo ardente de acumular sem repartir; olho doente significa mesquinhez.25 Tobias já havia alertado para isso ao argumentar a favor de esmola como prática de partilha do que se tem (Tb 4,8-9). O profeta Ezequiel havia falado do coração novo, de carne (Ez 36,26), liberto da cobiça.

b) Servir a Deus ou ao dinheiro

Portanto, é preciso escolher entre Deus e o dinheiro. Jesus pede para não acumular bens, pois o acúmulo de uns é causa de empobrecimento de muitos, como já havia denunciado o profeta Miqueias (Mq 2,1-5). Escolher entre acumular bens, que causam uma série de preocupações para não perdê-los, quer seja por desastre natural ou por roubo, e entre tesouros nos céus, investimento que ninguém pode tirar.

Não há meio termo: não dá para servir a dois senhores. É preciso escolher: servir a Deus ou ao dinheiro, idolatrado como bem absoluto, acima de Deus e do próximo, justificando até mesmo roubo, assassinato e indiferença em relação às necessidades dos outros. Remeto-me mais uma vez à explicação de Bohn Gass: 

Nosso texto usa a palavra mamona, aqui traduzida por dinheiro, como símbolo máximo da riqueza. Mamona é todo o poder econômico que produz morte. É a riqueza acumulada, endeusada. É o olho que cobiça, que deseja bens pra guardar em celeiros. Do aramaico, Mamona é uma referência a toda riqueza idolatrada, tornada fetiche. O Dicionário de Houaiss, fetiche é qualquer objeto a que se atribui poder sobrenatural ou mágico e se presta culto. É claramente o caso do dinheiro. (...) Torna-se um ídolo que adoramos como nosso Deus. Temos a ilusão de que possuímos riquezas, quando na verdade são elas que nos possuem e nos governam. Não foi por acaso que as comunidades pós-paulinas escreveram: Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro (1Tm 6,10). A cobiça é a mãe de todos os males. A cobiça é idolatria (cf. Cl 3,5). (BOHN GASS, 2013, p. 199).

c) Aprender da vida e buscar o Reino e sua justiça.

A preocupação e ansiedade pelo dinheiro como prioridade reflete total falta de fé na providência de Deus, tema que Mateus desenvolve a seguir. O texto é uma verdadeira obra de arte a favor da confiança na provisão da criação (Gn 1; Sl 24,1) e na bênção da aliança (Dt 28,4-14). É a concretização da primeira bem-aventurança: ser pobre em espírito (5,3) livre para aderir ao projeto de Deus, desapegado/a, que tem gosto em partilhar e liberto/a das preocupações consumistas.

Seis vezes aparece a palavra preocupação, em forma de substantivo ou verbo, no presente e no futuro. Contrário a esta ansiedade pelo acúmulo de riqueza estão dois imperativos: aprendei da natureza, das aves do céu, dos lírios do campo, e buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça. As preocupações, a ansiedade em acumular para o dia de amanhã, são superadas pela confiança na providência divina. É essa a essência do Pai Nosso / pão nosso de cada dia. O dia de amanhã, o futuro, se preocupará consigo mesmo.

Esta é a atitude fundamental: confiar na providência divina e ao mesmo tempo buscar o Reino e sua justiça. Além da luta diária de satisfazer as necessidades básicas, há uma luta maior: de uma parte, romper com as estruturas injustas que geram concentração de renda e desigualdade social; romper com a ganância que leva à exploração dos bens naturais até a exaustão, ameaçando a sobrevivência das gerações futuras, pois estes são bens para todos os seres vivos; e de outra parte, construir estruturas econômicas, sociais e políticas baseadas nos princípios de bem-viver, de felicidade humana, de convivência fraterna, de comunhão com a natureza e o cosmos. Estamos todas, todos na mesma embarcação, o planeta terra. Há vários furos abertos no barco principalmente pelos países desenvolvidos, e muitos outros sendo abertos pelos que se acham com o direito de também se desenvolver e abrir novos buracos na única embarcação. Não há meio termo: ou mudamos o nosso jeito de viver e concertamos os furos, ou perecemos todos no fundo do mar.

Fazei aos outros tudo o quereis que eles vos façam (7,1-12)

A atenção se volta agora para a prática de justiça nas relações sociais entre os membros da comunidade: o papel da correção fraterna sem prejuízo do outro (7,1-6), a busca de Deus na vida e na oração (7,7-11) e a regra de ouro de fazer ao outro o que desejaria que ele lhe fizesse (7,12).

a) Não julgueis (7,1-5)

Em geral somos muito duros ao fazer juízo dos outros. Pior ainda quando o fazemos a partir da nossa medida, causa do fundamentalismo religioso. Daí o imperativo não julgues para não serdes julgados. Pois com o julgamento com que julgais sereis julgados... O verbo utilizado aqui quatro vezes em sentido proibitivo refere-se ao julgamento escatológico (cf. 19,28). Não compete agora aos discípulos usurpar o papel de Deus, como se fosse seu representante, e condenar alguém ao inferno. Do jeito como nós medimos o outro, ou do jeito que nós o perdoamos ou não, seremos perdoados ou não (6,14). A falta de amor impede a objetividade dos fatos. O contraste – cisco e trave – enfatiza a incapacidade de ver as próprias faltas e a habilidade de ver as faltas dos outros, por menores que sejam. Denota arrogância e hipocrisia, típica dos escribas e fariseus que classificam as pessoas em boas ou más a partir da prática da Lei (6,2.5.16), perigo do qual os membros da comunidade cristã não estão livres.

Mas isto não quer dizer que podemos ficar indiferentes diante da conduta errônea dos outros. Cabe a correção, só que a partir de outra base de relacionamento: amar o próximo como a si mesmo (cf. Lv 19,17-18). Tendo tirado a trave do próprio olho, verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão. O tema da correção fraterna entre os irmãos e irmãs da comunidade será retomado no capítulo 18, 15-18, começando com um diálogo a sós.

b) Discernir a realidade (7,6)

No entanto, não dá para ser ingênuo. O contexto é de conflito e perseguição. Por isso, é preciso discernir bem a quem entregar o que é santo, as pérolas, tesouros preciosos. Cães e porcos, na tradição judaica, são animais impuros. Representam “os impuros de coração”, capazes de praticar injustiças com os irmãos quando seus interesses estão em jogo. Perigo que a comunidade pode e deve evitar.

c) A busca de Deus na vida e na oração (7,7-12)

Os três imperativos – pedi... buscai... batei... – indicam tenacidade na oração e, ao mesmo tempo, disposição fiel, progressiva e um modo de vida centralizada em Deus. Embora não seja uma linguagem exclusiva para oração26, a atitude de pedir abre a consciência da necessidade e dos limites e nos dispõe a acolher o dom de Deus. O que sustenta a vida da comunidade – pão e peixe - o Pai concederá a quem o pedir. Porém, estas palavras, interpretadas ao pé da letra, podem ser mal interpretadas ou gerar crises de fé por não ser atendido em seu pedido, por mais justo que seja. Talvez por isso Lucas altere o final: ... o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem! (Lc 11,13). A única vez que os evangelhos registram um pedido de Jesus a seu favor é no horto das Oliveiras: Meu Pai, se é possível, que passe de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres (26,39). Há duas condições: se é possível, e como tu queres. Jesus não é liberto da morte, mas recebe força para enfrentá-la.

d) A regra de Ouro (7,12)

A regra de Ouro (7,12) não é exclusiva de Jesus. Aparece tanto de maneira positiva quanto negativa na cultura grega, no confucionismo e em mestres judaicos.27 Jesus o aplica ao seu ensinamento.Tudo aquilo, portanto, que quereis que os outros vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas. A regra não está referida a qualquer circunstância ou interesse egocêntrico, mas circunstanciada ao ensinamento de Jesus que a precede, desde 5,17 que afirma que Jesus veio completar a Lei e os Profetas, e propor uma justiça maior (5,20), dando um espírito novo a uma prática antiga. Desta forma, a regra pode ser compreendida como um princípio ético que dá uma direção de como discernir todas as circunstâncias da vida. No fundo, é o que todo pai deseja: ver que seus filhos se amam.

A prática de justiça no horizonte escatológico (7,13-29)

Como manter esse novo espírito de vida? Em forma de conclusão, Mateus relaciona o modo de vida esboçado no discurso com o horizonte escatológico: as duas portas, dois caminhos (7,13-15), o discernimento dos falsos profetas (7,15-23), ouvir e fazer a vontade de Deus (7,24-27).

a) Escolher a porta estreita e o caminho da vida (7,13-14)

O tema não é novo. É referencial no primeiro testamento: Dt 11,26; 30,19; Sl 1. A porta estreita opõe-se a grupos pagãos que buscam a felicidade a qualquer preço. No evangelho de João, Jesus diz: eu sou o caminho (Jo 14,6); eu sou a porta (Jo 10,7). Escolher o caminho de Jesus, a porta estreita é fazer uma opção difícil, dura porque não segue a rotina da grande massa. Não é fácil romper com a estrutura consumista que nos é imposta hoje, mas as mudanças climáticas provocadas pela ação depredatória dos seres humanos indicam, através da reação da natureza, a urgência de escolher a porta e o caminho de Jesus.

b) Discernir os falsos profetas (7,15-23)

O cuidado com os falsos profetas infiltrados na comunidade será retomado no discurso escatológico para que os eleitos não se deixem enganar com sinais e prodígios(24,4.5.24). Pelos seus frutos os conhecereis. O critério é observar o que fazem, pois elas revelam o que está em seu interior. Os que aceitam a proposta do Reino só na aparência dão frutos ruins. Serão cortados, como já havia profetizado João (3,10).

Não basta falar Senhor, Senhor, é preciso colocar em prática a vontade de meu Pai que está nos céus. É a primeira vez que Jesus se refere a meu Pai. Das outras vezes Jesus se referia a vosso Pai.28 Duas vezes até aqui Deus tem se referido a Jesus como Filho (2,15; 3,17). Portanto, Jesus fala como representante e agente do julgamento de Deus. Não reconhecerá os que atuam em seu nome profetizando, operando curas ou exorcismos, mas em vez de promover a justiça do Reino, praticam iniquidade. No Sl 6,9 o termo é usado para designar aqueles que oprimem o justo. A palavra iniquidade vem do grego anomia, significa não lei. Uma acusação forte.

c) Ouvir e fazer a vontade de Deus (7,24-27)

Duas pequenas parábolas comparativas descrevem a situação da pessoa sensata/insensata que constrói sua casa sobre a rocha/a areia. O tema será retomado na palavra das dez virgens no discurso escatológico (25,1-13). Aqui o recado é claro: A comunidade deve ser construída sobre alicerces sólidos, o que se dá quando as palavras de Jesus ouvidas são colocadas em prática. Então os membros da comunidade se tornam rocha para fortalecer os seus irmãos e irmãs na fé, como Pedro (Mt 16,18) ou as comunidades locais (Mt 18,18) chamadas a se unir a Jesus e se tornarem pedras vivas pela escuta e pela prática da Palavra (1 Pd 2,4-10; Ef 2,19-22).

d) Conclusão (7,28-29)

Os ouvintes admiram a autoridade de Jesus e constatam que seus ensinamentos trazem justiça e vida. A autoridade será uma característica do ministério de Jesus expressa em suas palavras e ações (caps. 8 e 9; 28,18) que é debatida e disputada por seus adversários, os líderes religiosos (21,23-24.27), e é delegada aos discípulos (10,1).29

 Os trabalhadores da vinha e a justiça do Reino (20,1-16)

 Contextualização

O texto se situa na grande viagem da Galileia para Jerusalém dedicado ao ensinamento dos discípulos e das discípulas. Mateus assinala a passagem com a expressão - A partir desse momento / dessa época... - que assinala tanto o ministério na Galileia (4,17), como o momento crucial em que Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que era necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito..., e que fosse morto e ressurgisse ao terceiro dia (16,21).

Os capítulos 19 e 20 narram os acontecimentos e os ensinamentos dessa viagem demarcados claramente com um ponto de partida (19,1-2) e um ponto de chegada (21,1).

A coerência destes dois capítulos reside nas compreensões culturais predominantes de famílias. As discussões sobre as tradições domésticas estavam presentes na tradição aristotélica, no estoicismo, entre neopitagóricos, e no judaísmo helenístico. Consideram a família ideal como unidade básica de um estado, reino ou cidade, e um microcosmo da sociedade imperial, como explica Warren Carter:

Eles entendiam que a família constituía-se de quatro dimensões, isto é, três relações (marido-esposa; pai-filhos; senhor-escravo) e a tarefa do homem de ganhar riqueza. A dinâmica do poder controlava as relações nas quais o marido/pai/senhor dominava a mulher/filhos/escravos. A família era hierárquica e patriarcal, de modo que o homem mantinha sob controle mulheres e crianças. Era marcada pela diferenciação rígida de gênero. A mulher devia ocupar-se das tarefas domésticas, enquanto o homem representava o grupo familiar na sociedade (CARTER, 2002, p. 473).

Os capítulos 19-20 refletem este padrão doméstico, como se pode verificar no esquema abaixo, mas subvertem essa estrutura hierárquica patriarcal instruindo os discípulos a assumirem um padrão mais igualitário (cf. 20,12), enfim, uma família alternativa.

Resumidamente, temos a seguinte composição estrutural:

  •  19,1-2 Viajem da Galileia para Judeia 


Ao se opor às normas da sociedade, esta família encarna o caminho da cruz (16,21-28).

A reversão dos últimos que serão primeiros e dos primeiros que serão últimos aparece no começo (19,30), no meio (20,8) e na conclusão do texto (20,16). Forma uma espécie de moldura do texto e o subdivide em duas cenas: o chamado para trabalhar na vinha (20,1-7) e o acerto de contas (20,8-15).

Porque o Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que saiu de manhã cedo para contratar trabalhadores para a sua vinha. O porquê mostra a relação com o texto anterior; o verbo no tempo presente é semelhante, indica de que não se trata do julgamento final. Pai/chefe de família deveria ser homem de bens. Possuía uma vinha, contava com um administrador e tinha condições de investimento para contratar trabalhadores. A figura de chefe de família aparece também em outras parábolas (13,27.52; 21,33; 24,43). Em 10,25 o termo se refere ao próprio Jesus e aos discípulos como familiares. A vinha é símbolo do povo de Deus (Is 5,7). A palavra é citada cinco vezes nos oito versículos.

O chefe de família sai cedo de casa para contratar os trabalhadores, algo pouco comum, pois isso seria trabalho do administrador. Há, portanto, um envolvimento direto que proporciona uma resposta no desfecho final. Somente com os da primeira hora é combinado o preço de um denário, o que corresponde atender às necessidades diárias de uma família. O mesmo pai de família sai ainda às 9h, ao meio dia, às 15h e às 17h e encontra pessoas desocupadas, esperando na praça, chamada de ágora, a espera de um trabalho. Sua vida era imprevisível, marcada pelo desemprego. Chama todos para trabalhar na vinha. Aos chamados na hora terceira (9h) promete pagar o que for justo.

Chegou a hora do acerto. A iniciativa é novamente do chefe de família que chama o administrador para fazer o pagamento, cumprindo o que diz a lei: dá-lhe no mesmo dia o salário, para que o sol não se ponha sobre a dívida, pois ele é pobre, e o salário significa o seu sustento (Dt 24,15; Lv 19,13). O que não era comum é começar pelos últimos até os primeiros, e pagar a estes o mesmo que havia sido combinado com os da primeira hora que suportaram uma jornada de sol a sol, de doze horas, igualando-os na remuneração. O combinado com os primeiros era uma jornada de trabalho por um denário. Aos outros, a promessa de pagar o que for justo. Receberam por igual, o que causou tumulto. O texto diz que murmuraram contra o pai de família, o que lembra a situação do povo de Deus no deserto murmurando contra Moisés e Aarão por falta de comida (Ex 16,2; Nm 11,1; 14,27.29). Eles estão bravos com o chefe de família porque ele não agiu conforme as práticas consideradas normais, seja de merecimento, seja superioridade de uns em relação a outros, como aparece nas pretensões dos filhos de Zebedeu (20,20-28). Esquecem o que havia sido combinado e não se conformam em serem igualados aos últimos. Foram surpreendidos.

A primeira resposta do chefe de família é lembrá-los de que não os trapaceou. Pagou no final do mesmo dia, conforme recomenda a lei, o salário previamente combinado. A segunda, embora possa parecer de cunho elitista, tipo “o dinheiro é meu eu faço o que eu quero”, revela algo muito significativo, como explica Carter:

Ele afirma que, pagando a todos eles o mesmo e os tratando como iguais, não só fez o que é justo, mas fez algo bom (...). A sua pergunta final: É teu olho mau?, desafia os trabalhadores e a audiência para reconhecer o tratamento ‘igual’ como uma coisa boa, divina. (...) A pergunta deixa em aberto a resposta dos trabalhadores e da audiência, enquanto solicita seu/nosso consentimento (CARTER, 2002, p. 500).

A parábola também desestrutura o pensar teológico, como explica o comentário da CNBB: 

A salvação de Deus é pura gratuidade. O paradoxo dessa parábola quebra a lógica da teologia da retribuição que é a equivalência: a cada delito a sua pena. Jesus diz: a todos os delitos o perdão. Só consegue ultrapassar a lei da equivalência e da retribuição quem vive a lei do amor (CNBB, 1998, p. 112).

Deste modo, a inversão de valores do reinado proposto por Jesus desafia as estruturas hierárquicas e patriarcais a criar novas estruturas onde as relações de trabalho que proporcionem igualdade, dignidade e satisfação para todos e todas, como propõe o livro do Eclesiastes (cf. Ecl 3,13) e a filosofia dos povos indígenas de criar relações de bem-viver, de convivência, de partilha dos bens e dos dons. 

13 Marcelo Barros (1998), em “Conversando com Mateus”, aprofunda este aspecto estabelecendo um diálogo entre os dois irmãos: judeus e cristãos. Eles têm uma missão comum: viver e testemunhar a boa nova para todo ser humano.

14 A mesma estrutura com alguma variação aparece também em Storniolo (1991). 

15 Sicre (1999, p. 171). O comentário da CNBB, Ele está no meio de nós! O Semeador do Reino, 1998, segue uma estrutura parecida mostrando a correspondência da introdução e a conclusão e os cinco livros.

16 RICHARD, P. Evangelho de Mateus: uma visão global e libertadora. In: revista RIBLA n. 27 – 1997/2, pp. 7-28. Disponível em: <http://www.claiweb.org/ribla/ribla27/contenido.html>. Acesso em: 01 nov. 2019.

17 Carter (2002).

18 Seguimos aqui de perto e resumimos em forma de quadros o estudo de Sicre (1999, p. 124-139). Para fazer este estudo será de muita ajuda uma sinopse dos evangelhos sinóticos como a de Datler (1986) ou de Konings (2005). Bohn Gass (2005) oferece um quadro sintético das parábolas de Jesus, da estrutura dos evangelhos sinóticos e dos textos da fonte “Q” comuns a Mateus e Lucas.

19 Carter (2002, p. 178) faz um estudo aprofundado buscando o sentido de cada bem-aventurança a partir de referências do primeiro testamento. Seguimos de perto o comentário deste autor nesta parte.

20 Alguns manuscritos invertem a ordem do versículo 4 e 5.

21 Cf. CNBB (1998, p. 49 e 50).

22 Cf. Carter (2002, p. 187).

23 Citado por Carter (2002, p. 188) (In Cat 4,11).

24 Cf. Carter (2002, p. 194-211).

25 Cf. Sicre (1999, p. 156); Bohn Gass (2013, p. 198).

26 A linguagem é usada, por exemplo, na exortação da busca para obter filosofia. (Cf. citação de CARTER, 2002, p. 244).

27 Ibidem p. 246.

28 Mt 5,16.45;48; 6,1.4.6.8.9.14.15.18.26.32; 7,11; 10,32-33; 11,27; 12,50; 16,17; 23,9 (citado por CARTER, 2002, p. 253)

29 Cfr. CARTER, 2002, pp. 258-259.


REFERÊNCIAS: 

REFERÊNCIAS

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Fernando Vanini de Maria.

 

 

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