É importante lembrar que apesar da colaboração do corpo, quem peca é a alma. Assim, da mesma forma que uma enfermidade afeta o corpo, o pecado impacta a dimensão espiritual, debilitando a alma e, consequentemente, a vida espiritual.
Porque é do coração que provêm os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as calúnias. 2
Essas doenças espirituais são, portanto, como fraquezas deixadas pelo pecado original, manifestando-se como vícios, que se propagam em formas de desequilíbrios. Além disso, elas não se apresentam isoladamente; ao contrário, entrelaçam-se, formando uma teia de desvios morais que comprometem a nossa relação com Deus e com o próximo.
Conheça o que são os pecados capitais e confira as virtudes para combater cada um.
Quais são as principais doenças espirituais?
- Soberba
- Avareza
- Inveja
- Ira
- Luxúria
- Gula
- Preguiça
A diferença entre paixões e vícios/doenças
Quando usamos a expressão “pecado original” referimo-nos a uma situação de natureza decaída. Ou seja, aquele pecado “contraído”, um estado no qual já nascemos 3 — diferente do pecado individual cometido ao longo da vida. Nesse sentido, é possível distinguir as paixões, ou inclinações naturais, do pecado ou vício.
As paixões são, em sua essência, neutras do ponto de vista moral. Elas representam as tendências ou inclinações naturais presentes na condição humana. O desejo de se alimentar, por exemplo, que não é, por si só, considerado gula.
Essas inclinações, que tem em vista satisfazer as nossas necessidades, podem ser direcionadas tanto para o bem quanto para o mal, não sendo, em sua origem, consideradas pecaminosas. O ato de comer não é gula inicialmente, mas pode tornar-se quando for excessivo.
Por outro lado, os vícios, ou doenças espirituais, surgem quando essas inclinações naturais são desordenadas. Enquanto as paixões podem ser direcionadas para o bem, os vícios representam inclinações persistentes para o mal. Gula, avareza, ira e outros pecados capitais são exemplos de vícios que surgem quando as paixões não são moderadas pela razão e pela virtude, resultando em um desequilíbrio moral e, sem dúvida, no pecado.
O remédio para as grandes doenças espirituais

As práticas quaresmais — o jejum, a esmola e a oração — são, em primeiro lugar, remédios que servem para todas as doenças espirituais. 4 No entanto, é importante levar em conta a natureza da doença que se deseja combater, a fim de aplicar o melhor remédio, assim como acontece com as enfermidades do corpo. 5
Para isso, a Tradição da Igreja recomenda o uso das virtudes como poderosos antídotos. Diante da soberba, por exemplo, emerge a virtude da humildade. Ao praticá-la, reconhecemos nossa condição de criaturas, aceitando com modéstia a orientação divina. Essa virtude restaura a relação adequada com Deus e com os outros, enfraquecendo a soberba, que distorce a nossa visão.
Para combater a avareza, a virtude da generosidade leva-nos a compartilhar o que temos com os outros, material ou espiritualmente. Quem é generoso sabe servir e dar tudo de si, mas como toda virtude é um hábito, requer um esforço constante pela busca do bem.
No combate à luxúria, a castidade é a virtude que guia a alma para a pureza, redirecionando os desejos para um amor verdadeiro e respeitoso. A castidade purifica as relações, contrapondo-se à desordem da luxúria.
A temperança contrapõe-se tanto à ira quanto à gula. Ao cultivá-la, conquistamos autocontrole emocional diante da raiva e moderamos os excessos na busca por prazeres sensoriais, como o comer demais. Além disso, a prática da mansidão e da paciência também auxiliam no combate à ira.
A diligência surge como antídoto à preguiça, inspirando um desejo ativo de servir. Ao cultivar a busca pela excelência e a realização das tarefas com responsabilidade, a diligência supera a inércia espiritual, levando-nos a cumprir nossos deveres com eficácia.
Por fim, a caridade, uma virtude teologal é o que pode combater a inveja. Só pela caridade amamos a Deus e ao próximo, alegrando-nos — e não nos entristecendo — com a sua felicidade. Ao praticarmos essas virtudes, não apenas neutralizamos os vícios, mas também crescemos espiritualmente na nossa relação com Deus e na vivência da Sua vontade.
Outras doenças espirituais
Escrúpulos
Os escrúpulos apresentam-se como um desafio de consciência, tornando difícil para a pessoa distinguir entre tentação e pecado — entre o que é paixão e o que é vício ou doença. Essa condição gera profunda aflição na alma, pois a tentação é uma experiência comum, e resistir a ela é essencial para evitar o pecado. O medo exagerado de pecar, que muitas vezes alimenta os escrúpulos, tem suas raízes em causas internas, como o orgulho dissimulado, a vaidade em evitar até a mínima aparência de pecado e a falta de confiança na misericórdia divina.
Sendo assim, é importante saber como combater os escrúpulos para preservar uma vida interior verdadeira, pois essa condição espiritual pode resultar na falta de devoção e até mesmo no relaxamento espiritual. A oração, a devoção à Nossa Senhora e a obediência ao diretor espiritual, por exemplo, são remédios contra os escrúpulos.
Preguiça espiritual
A preguiça espiritual é o pior dos vícios da vida devota. Ela é o oposto da perseverança. É uma tentação que pode assolar a luta espiritual, levando à procura de consolação nas criaturas e ao abandono da fé. Pois é preciso esforço para manter a fé, e a preguiça espiritual está associada à negligência do coração e à diminuição da vigilância. 6
Essa doença espiritual pode manifestar-se de diversas formas, incluindo o adiamento de tarefas, a tristeza e o desânimo, e a indiferença em relação ao tempo, o qual prestaremos contas no último dia — a perda de tempo é uma culpa irremediável.
Além disso, a preguiça espiritual pode se mostrar de inúmeras outras formas e gerar muitas consequências para vida espiritual, como aversão à penitência, descuido na oração, julgamentos ao próximo e autojustificação. Portanto, para combater este grande mal, é necessário dedicar atenção ao uso do tempo, não adiar deveres e empregar bem os momentos de lazer e distração.
Sem dúvida, a oração aqui é também é um remédio fundamental, a fim de ouvirmos a Deus e conhecermos o que é agradável a Ele para colocarmos em prática. Pois o ocioso nunca será feliz nem espiritual.
Tibieza
A tibieza é uma queda espiritual que ocorre após certo avanço e fervor espiritual, afetando aqueles que já foram fervorosos. A tibieza é mais ofensiva a Deus que a frieza. Suas causas incluem covardia, respeito humano e fadiga, refletindo a falta de esforço na busca pela santidade e no comprometimento com o Reino dos Céus.
Essa doença espiritual é como uma cegueira e entre suas causas principais estão os pecados veniais frequentes. Além disso, as suas consequências mais imediatas são a consciência falsa, a fuga de tudo que pode levar a alma a ser melhor e o emprego profano dos sacramentos. Também não é difícil identificar os sintomas da tibieza, que incluem a facilidade em omitir os exercícios de piedade, a negligência em formar hábitos de virtude, e não se preocupar com o bem que deixou de fazer, encontrando descanso no bem já realizado anteriormente.
O tíbio faz mau uso da liberdade tendo em vista a excessiva bondade de Deus, e tudo que faz é com conhecimento de Deus e do mal. Apesar de o “tratamento” ser simples, a cura da tibieza é desafiadora, quase impossível, pois a alma tíbia despreza as coisas pequenas. Meditar sobre as verdades eternas, praticar o silêncio conforme o estado de vida, perseverar nos exercícios espirituais mesmo com distrações e adotar a mortificação exterior são passos fundamentais.
Descobrir e reconhecer a tibieza é, portanto, uma graça enorme, marcando o início do processo de cura, uma vez que essa doença costuma passar despercebida pelos próprios tíbios.
Referências
- Azevedo Jr., Paulo Ricardo de, Um olhar que cura: terapia das doenças espirituais. — 15 ed. — São Paulo: Editora Canção Nova, 2014, p.28
- Mt 15, 19
- CIC, 404
- Azevedo Jr., Paulo Ricardo de, Um olhar que cura: terapia das doenças espirituais. — 15 ed. — São Paulo: Editora Canção Nova, 2014, p.30
- Azevedo Jr., Paulo Ricardo de, Um olhar que cura: terapia das doenças espirituais. — 15 ed. — São Paulo: Editora Canção Nova, 2014, p.62
- CIC, 2733
